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A fantástica fábrica de remakes

  • 23 de abril de 2025
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  • Theillyson Lima
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Entre a doçura da memória e o amargor da reinvenção, o remake de A Fantástica Fábrica de Chocolate revela mais sobre o nosso tempo do que sobre a história que tenta recontar.

Julia Viana

Nos últimos anos, o cinema parece ter encontrado um refúgio, ou talvez uma armadilha, no terreno seguro da nostalgia. Há uma espécie de impulso melancólico que move a indústria: voltar ao já contado, retocar o conhecido, reviver aquilo que, em algum momento, nos comoveu. Os catálogos se enchem de refilmagens, sequências, reinterpretações. Seriam gestos de amor às narrativas do passado ou sintomas de uma exaustão criativa que a contemporaneidade já não consegue disfarçar? A “fábrica de reciclagens” de Hollywood, como alguns se apressam em chamar, funciona com a eficiência de um maquinário que produz mais do mesmo, vestindo-o de novidade.

Mas há também, nesse movimento de retorno, uma espécie de esperança. A chance de lançar um novo olhar, de escavar sentidos esquecidos, de dizer outra coisa a partir do mesmo ponto de partida. É nesse território ambíguo, entre o risco e o conforto, que se inscreve o remake de A Fantástica Fábrica de Chocolate (2005), conduzido pela estética sombria de Tim Burton. Uma obra que não apenas divide opiniões, mas tensiona os limites do que significa recontar, como se dissesse, com sua própria linguagem, que nenhuma história é a mesma quando vivida duas vezes.

O clássico de 1971

Há filmes que não apenas se assistem, eles se herdam. Willy Wonka and the Chocolate Factory, lançado em 1971 sob a direção de Mel Stuart, é desses. Não se trata apenas de uma adaptação do livro de Roald Dahl, mas de uma peça cultural que moldou parte do imaginário coletivo, passando de pais a filhos como um ritual doce e um pouco estranho. Com sua estética colorida, quase alucinógena, e suas canções que parecem ecoar do inconsciente, o longa conquistou um lugar singular na história do cinema infantil.

Gene Wilder, com seu olhar oblíquo e sorriso enigmático, deu vida a um Willy Wonka que escapava das caricaturas. Ele era, ao mesmo tempo, um mestre de cerimônias e um julgador oculto, um adulto com alma de criança e uma criança com a gravidade de um filósofo. Sua ambiguidade, entre o afeto e a crítica, entre o riso e a ameaça, dava à narrativa uma profundidade que poucas obras infantis ousaram explorar. A fábrica, por sua vez, não era apenas um lugar de fantasia: era um território de provação, na qual os vícios da sociedade, gula, vaidade, ganância, desrespeito, ganhavam formas e castigos.

Mesmo sem ser um sucesso de bilheteria em seu lançamento, arrecadando apenas cerca de US$4 milhões contra um orçamento de US$3 milhões, o filme cresceu com o tempo. Virou clássico cult, redescoberto por gerações seguintes. E talvez resida aí sua força: não na grandiosidade comercial, mas na permanência simbólica, no tipo de memória que se transforma em afeto familiar.

A releitura de 2005

Trinta e quatro anos depois, em 2005, o cineasta Tim Burton, conhecido por mergulhar personagens em atmosferas oníricas e melancólicas, decidiu revisitar essa história, trazendo consigo Johnny Depp como protagonista. O remake foi apresentado, desde o início, como uma proposta de maior fidelidade ao texto original de Roald Dahl. O roteiro, assinado por John August, resgata passagens que o filme de 1971 havia deixado de lado, como os versos originais dos Oompa Loompas e a presença mais detalhada da família de Charlie.

Essa escolha, no entanto, não veio sem custos. A estética burtoniana imprime à fantástica fábrica um ar gótico, sombrio, por vezes frio. Os tons saturados da versão original dão lugar a uma paleta mais escura, mais inquietante. A fotografia é pontuada por sombras, os cenários são assépticos e os closes nos rostos das crianças parecem revelar mais seus defeitos do que suas curiosidades. Se na primeira versão a fábrica era um parque de diversões com lições morais, aqui ela se aproxima mais de um labirinto psicológico, na qual a fantasia convive com o estranhamento.

Apesar disso, o filme foi um sucesso comercial. Com um orçamento estimado de US$150 milhões, arrecadou cerca de US$475 milhões em bilheteria mundial, tornando-se uma das produções mais lucrativas da filmografia de Burton. Mas o sucesso financeiro não se traduziu em unanimidade crítica. A recepção foi polarizada, e talvez seja justamente aí que resida sua relevância.

Da excentricidade ao trauma

No remake de 2005, dirigido por Tim Burton, a figura de Willy Wonka, interpretada por Johnny Depp, ganha contornos mais sombrios e introspectivos. Diferente da versão de 1971, Gene Wilder apresentava um Wonka enigmático e carismático, Depp traz à tona um personagem marcado por traumas de infância, fobias sociais e uma evidente dificuldade de relacionamento. Os flashbacks adicionados à trama revelam a relação conturbada com seu pai dentista, interpretado por Christopher Lee, oferecendo uma justificativa para suas atitudes excêntricas e sua aversão à família.​

Há, aqui, uma tentativa de psicologização do personagem: dar-lhe causas, medos, raízes. Mas ao fazer isso, o filme arrisca retirar o véu do mistério que o tornava fascinante. Alguns espectadores enxergam nisso uma profundidade rara em produções infantis; outros, uma leitura rasa do trauma como justificativa fácil. Wilder interpretava Wonka como alguém que jogava com os limites da moralidade, quase um trickster mitológico. Depp, ao contrário, parece mais um adulto ferido, deslocado de si mesmo e de sua criação.

Essa abordagem divide opiniões. Enquanto alguns apreciam a profundidade psicológica conferida ao personagem, outros criticam a perda do mistério e do carisma que caracterizavam o Wonka original. A tentativa de humanização, embora válida, pode ser vista como uma desconstrução que distancia o espectador da fantasia lúdica presente na obra original. Essa escolha evidencia uma mudança de perspectiva do próprio cinema contemporâneo: a necessidade de explicar o enigma, de traduzir o mistério em causa e efeito. O novo Wonka já não encanta pelo que esconde, mas pelo que revela e há quem sinta falta do silêncio das entrelinhas.

Infância, consumo e crítica social

Apesar das críticas à estética mais sombria, o remake de 2005 reforça com mais clareza algumas das mensagens sociais da história. Cada criança representa um comportamento disfuncional: o consumismo exacerbado de Veruca, a arrogância de Mike Teavee, a gula de Augustus e a vaidade de Violet. As punições que recebem dentro da fábrica funcionam como lições morais, e Burton não suaviza seus impactos.​

Charlie, por sua vez, encarna a inocência e a gratidão. Sua relação com a família contrasta com a solidão de Wonka, e o desfecho do filme, na qual o chocolatier aprende com o menino o valor do amor familiar, amplia o arco narrativo dos personagens. Essa reinterpretação simbólica, embora criticada por alguns por romantizar traumas de maneira simplista, oferece uma nova perspectiva sobre os valores familiares e sociais.

Um remake que dialoga (e discorda) com seu antecessor

O que torna o remake de A Fantástica Fábrica de Chocolate interessante como objeto de crítica é exatamente sua ousadia em não tentar replicar o tom do original. Em vez de copiar fórmulas ou apenas atualizar aspectos técnicos, Tim Burton propõe uma nova visão da história, mais sombria, introspectiva e, em muitos aspectos, mais fiel ao livro de Roald Dahl.

Mas essa escolha tem um custo. Ao romper com o encanto do original, o filme de 2005 se distancia de parte do público que esperava reviver a magia da infância. Ele não é um remake para agradar aos nostálgicos, mas sim para provocar, para reinterpretar e, talvez, para gerar incômodo. É o tipo de remake que não substitui a obra original e nem tenta, mas dialoga com ela, criando um contraste que enriquece o debate sobre o que significa adaptar e reinventar uma narrativa clássica.

O papel dos remakes na cultura midiática

Falar de remakes é falar, inevitavelmente, de memória. Não apenas da memória afetiva que carregamos de uma obra, mas da memória cultural que ela ajuda a compor, o modo como determinada narrativa se inscreve no tecido do tempo. A comparação entre versões antigas e novas, por mais natural que pareça, é apenas o ponto de partida. O que está em jogo, na verdade, são camadas mais profundas: os valores que atravessam as épocas, as mutações de linguagem, os silêncios que precisam ser rompidos, as cicatrizes que talvez mereçam nova leitura.

Em A Fantástica Fábrica de Chocolate, essa complexidade se materializa de forma quase exemplar. O filme de Tim Burton não se contenta em reviver uma fábula; ele a interroga. Desloca o foco do encantamento para o trauma, do espetáculo para a introspecção. A proposta não é substituir o que veio antes e talvez por isso mesmo ela provoque tantos estranhamentos. Há quem a veja como um exercício legítimo de releitura, um esforço de dar densidade a personagens antes planos. Há também quem a enxergue como uma descaracterização, um distanciamento daquilo que tornava o original tão mágico.

Mas talvez a beleza (e a dor) dos remakes resida exatamente aí: na impossibilidade de consenso. Eles evidenciam os dilemas de nosso tempo, as inquietações de uma geração que tenta conciliar reverência e ruptura. Revelam como as narrativas não são estanques, mas organismos vivos, sujeitos a reinterpretações, deslocamentos, revisões. E, ao fim, nos devolvem uma pergunta que parece ingênua, mas carrega algo de fundamental: será que toda fábrica de chocolate precisa ser fantástica, ou podemos, quem sabe, aceitar que ela também seja um pouco sombria, um pouco amarga, um pouco espelho?

 

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