
Vida fora do cinema importa?
- 5 de março de 2025
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- Theillyson Lima
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Polêmicas atuais mostram que a popularidade dos atores afetam as produções no cinema.
Gabrielle Ramos
Emilia Pérez recebeu 13 indicações ao Oscar, mas levou para casa apenas duas estatuetas. Esse resultado pode ser um reflexo das polêmicas envolvendo tanto o enredo do filme quanto a postura da atriz e do diretor fora do cinema, fatores que influenciaram a percepção do público sobre a produção. É diante desse cenário que surge a questão: a vida pessoal dos atores importa? Até que ponto é possível separar o artista da sua obra?
Polêmicas atuais
Uma declaração da atriz Karla Sofía Gascón, protagonista de Emilia Pérez, gerou grande repercussão. Em entrevista a veículos brasileiros, Gascón afirmou ter sido alvo de uma campanha contra o filme por pessoas ligadas a Fernanda Torres. A fala levou internautas a acusá-la de violar a Regra 4 das campanhas do Oscar, que proíbe envolvidos em filmes indicados de divulgar informações falsas sobre outras produções.
Esse cenário levou usuários do X a resgatarem postagens antigas da atriz, cujo conteúdo gerou repercussão negativa. Em uma delas, Gascón afirmou “o Islã é maravilhoso, sem nenhum tipo de machismo. As mulheres são respeitadas, e quando são muito respeitadas, deixam um quadradinho no rosto para que se vejam os olhos e a boca, mas se comportam bem. Embora se vistam assim por prazer”.
Por causa disso, Karla desativou seu perfil e se desculpou pelas publicações. No entanto, em entrevista à CNN, declarou que não pretendia renunciar às suas indicações ao Oscar, argumentando que não cometeu nenhum crime nem prejudicou ninguém.
Para agravar ainda mais a situação da campanha do filme, uma entrevista antiga do diretor Jacques Audiard ressurgiu nas mídias. Nela, o diretor afirma que o espanhol, idioma do México, “é uma língua de migrantes e pobres”, o que torna sua direção no filme controversa.
Essas polêmicas intensificaram as críticas à representação distorcida do México no filme e à falta de representatividade no elenco. Como resultado, a atriz principal foi retirada das campanhas relacionadas à produção, para evitar a perda de popularidade do filme no cinema.
Postura dos atores afeta carreira e produções
Diante de cenários como esse, é natural pensar que tais situações podem, de fato, impactar a carreira dos atores no cinema. Mas será que isso realmente acontece com frequência nesse meio?
Diversas condutas controversas, tanto nos sets de gravação, como arrogância e desentendimentos, quanto fora deles, impactaram a carreira de muitos atores. Nomes como Amanda Bynes, Charlie Sheen e Wesley Snipes viram suas trajetórias desmoronarem devido a problemas como dependência química, prisões e acusações de racismo, entre outros.
Ou seja, em alguns casos, esses problemas podem não afetar diretamente uma gravação em andamento. No entanto, a superexposição a polêmicas e, principalmente, a crimes, mesmo quando o ator assume a responsabilidade, pode levar à perda de oportunidades profissionais, fazendo com que a carreira fique sem rumo.
Outro ponto importante é que a presença de polêmicas e condutas duvidosas envolvendo o elenco de um filme pode impactar a percepção do público sobre a produção. Isso, consequentemente, afeta o desempenho financeiro.
Exemplo disso é o filme “É Assim Que Acaba”, baseado no best-seller de Colleen Hoover. Muito aguardada pelos fãs do livro, a adaptação teve seu lançamento adiado duas vezes no cinema devido à greve de roteiristas e atores de Hollywood em 2023.
Quando a produção finalmente foi lançado, os fãs notaram um distanciamento do elenco durante a promoção. Justin Baldoni, que estrela e dirige a trama, passou a não aparecer nos materiais de divulgação e deu entrevistas separadamente de Blake Lively, atriz do filme, e Colleen Hoover.
Essa situação gerou dúvidas nos fãs sobre o relacionamento entre os membros do elenco e também levantou questionamentos sobre a campanha de divulgação. Enquanto Justin focava na temática do filme, Blake, em algumas ocasiões, tratava de maneira excessivamente alegre uma produção que aborda um tema pesado.
Como resultado, em muitos momentos, o foco foi mais nas possíveis desavenças entre eles do que no próprio filme. Isso, por sua vez, reduziu as expectativas dos fãs quanto a uma possível continuação, devido à polêmica.
Com premiações é diferente?
Algumas vezes, a produção já está gravada e até mesmo foi lançada no cinema, mas polêmica surge depois. O correto seria impedir que o ator receba o prêmio? Em teoria, situações como esta não invalidam automaticamente a premiação, mas podem impactar mesmo que indiretamente.
No Oscar, por exemplo, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPAS) é a responsável por decidir quem vence essa premiação. Diferente da fase de indicações, em que os membros votam apenas em suas respectivas áreas, na etapa de votação final todos os integrantes têm a liberdade de votar em qualquer categoria. No entanto, são incentivados a votar apenas nas produções que realmente visualizaram. O vencedor é, então, determinado pelo maior número de votos em cada categoria.
Atores e atrizes podem ser desclassificados por descumprirem regras, como no caso da polêmica que envolveu Gascón. Mas esses critérios estão sempre relacionados à produção, à postura dos artistas durante as campanhas e às indicações, e não à vida pessoal.
Ou seja, mesmo que um ator tenha cometido um crime ou tenha sido “cancelado” na internet, isso não impede sua indicação. Claro, desde que ele tenha se responsabilizado por seus atos legalmente.
Embora a teoria seja essa, ao analisar o histórico de vencedores do Oscar, é possível perceber que o que circula na mídia sobre um ator ou produção têm grande influência. Dessa forma, é muito provável que a premiação seja impactada por fatores externos, como o histórico do ator, o contexto atual e outros elementos não necessariamente ligados à atuação ou à produção em si.
Em outras palavras, a imagem pública de um ator pode, sim, afetar o resultado, seja em premiações individuais ou na forma como o público percebe uma obra. Afinal, em se tratando de cinema, a popularidade importa.
Isso é justo?
Muitos podem achar injusto que um ator não receba um prêmio ou que não seja mais chamado para produções caso tenha se envolvido em alguma polêmica, mesmo que sua atuação seja excelente. Afinal, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Quando o ator se transforma em um personagem, ele pode se tornar uma pessoa completamente diferente do que é na vida real.
No entanto, será que isso também é válido em outras áreas da vida? A resposta é não. Se um professor tiver histórico de assédio sexual contra crianças, por exemplo, mesmo sendo o melhor professor do mundo, as escolas não o contratarão para não colocar os alunos em risco. Então, por que seria diferente no campo da atuação?
Mesmo que o ator já tenha cumprido suas penas ou que a polêmica tenha esfriado com o tempo, muitos produtores podem hesitar em contratar alguém que tenha um histórico negativo. Afinal, isso pode fazer com que a produção perca credibilidade e lucro.
O mesmo vale para os prêmios, pois seria questionável conceder um de melhor oratória a alguém condenado por extorsão, por exemplo. Ou seja, se em outras áreas da vida a conduta de uma pessoa é levada em consideração, por que na atuação seria diferente? Da mesma forma, faz sentido premiar um ator cujo comportamento é eticamente condenável?
Ou seja, mesmo que, teoricamente, uma coisa não tenha relação com a outra, no meio artístico, que lida constantemente com questões com a mídia, é quase impossível desvincular essas duas esferas. Além disso, na sociedade atual, que está cada vez mais atenta a questões sociais e de preconceito, assim a moralidade também se torna um critério para o sucesso dos famosos.