Quem quer ser um bilionário?
- 25 de agosto de 2021
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Meritocracia é um pensamento antigo e muito defendido atualmente. Mas é um mito que maquia desigualdades e esconde privilégios.
Matheus Figueiredo
Robert Lincheski é um jovem de 24 anos. Teve uma infância normal, no Alphaville, bairro nobre de São Paulo. Quando pequeno, sua família era unida e seu pai dono de uma multinacional. Sempre teve acesso às melhores escolas e, quando chegou no ensino médio, fez um intercâmbio para os EUA. Nunca foi um aluno excepcional, passava na média ou pelo conselho de classe. Parecia nunca ligar muito para seu futuro. Aos 19 anos, voltou para o Brasil e decidiu que não faria faculdade, pois queria entrar em alguma universidade pública, mas via muita injustiça no processo seletivo, porque havia um sistema de cotas e ele achava isso muito desigual.
Então decidiu trabalhar e conseguiu um emprego na empresa de seu pai. Seu começo foi difícil, trabalhava no estoque. Nunca foi um excelente funcionário mas, mesmo assim, em uma semana virou gerente do setor. O tempo foi passando e Robert só crescia dentro da empresa, virou gerente de vários setores e conhecia toda a parte interna. Todos o conheciam e ele começou a ser notado.
Depois de dois anos, ele conquistou o maior feito de sua ascensão meteórica se tornando CEO desta mesma empresa, aos 21 anos de idade, e se mantém no cargo até hoje. Essa história de superação é um exemplo de como você pode conquistar seus sonhos apenas com dedicação, esforço e sendo filho do dono de uma multinacional.
Essa é uma história inventada, mas existem muitos Roberts no Brasil. Pessoas que tiveram muitas oportunidades e, quando chegam no topo, têm suas histórias compartilhadas como exemplos de superação e vitória através do esforço. É a famosa meritocracia ou “se eu estou onde estou é porque mereci!”.
A ideia começou na revolução francesa, quando Napoleão Bonaparte estabeleceu que a origem do nascimento não definiria mais a admissão em carreiras públicas. Esse plano de governo foi replicado em muitos países, no séc XIX, principalmente nos EUA e outras nações anglo-saxonicas.
O termo “meritocracia” foi criado pelo escritor e sociólogo, Michael Young, em seu livro “The Rise of Meritocracy”. Neste romance, ele criou uma sociedade futurística em que as pessoas eram avaliadas apenas por seus méritos, mas isso só criava mais distância entre a elite e a classe mais pobre.
A meritocracia sem méritos
É cada vez mais popular esse pensamento no Brasil. Coachings, jornalistas, influenciadores digitais, muita gente compartilha discursos de que é “só se esforçar que você consegue chegar lá”. Mas será mesmo? Qual o problema desse tipo de pensamento, em um país desigual?
Em uma entrevista ao portal Unicamp, o professor de Filosofia e Ciências Humanas, Sidney Chalhoub, diz que a meritocracia “é um mito que serve à reprodução eterna das desigualdades sociais e raciais que caracterizam a nossa sociedade.” Sabe-se que o Brasil é um país repleto de desigualdades, elas são percebidas a partir do momento que 5% da população corresponde a renda dos outros 95%, por exemplo. Isso faz com que não sejam todos que tenham acesso às melhores escolas, às faculdades renomadas, fazendo com que a largada para a vida não seja da mesma posição.
Por exemplo, é impossível, e até ruim, imaginar que alguém que nasceu na periferia, levava duas horas pra chegar na escola pública que estudava, que precisou começar a trabalhar com 15 anos para ajudar na renda familiar, vivia com medo pois morava em uma zona de guerra entre traficantes e policiais, tem as mesmas oportunidades que alguém que sempre estudou em escolas particulares, era sustentado pelos pais e morava em um bairro nobre. Os meios para conseguir o sucesso são muito desparelhos, o acesso à recursos básicos não é semelhante. Então falar sobre mérito chega até a ser maldoso, em um país onde as desigualdades gritam. O pensamento que se espalha, com “cases” onde mostram pessoas privilegiadas, como heroínas e exemplos a serem seguidos, por pessoas que não estão no mesmo patamar, é corrosivo.
Quando Alessandra Restaino, atual CEO da marca Le Postiche, chegou em seu cargo atual, a revista Exame escreveu sobre isso e colocou na manchete da matéria “De estagiária a presidente”. Mas Alessandra não era qualquer estagiária, ela era filha do dono e herdou a empresa. Após a péssima repercussão nas redes sociais, o título foi alterado.
Por mais que essas conquistas sejam relevantes para determinado segmento, elas não podem ser colocadas como exemplos de “qualquer um consegue”. Isso maquia as desigualdades e afasta da elite, uma grande parte da sociedade. O que se sabe é que cada um deve reconhecer os próprios privilégios e não querer aplicar a própria situação na vida de outra pessoa. Assim caminhar para a liberdade, pois todos querem ser um bilionário, mas não são todos que podem.