O que cerca o preconceito de gênero
- 30 de outubro de 2019
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- Thamires Mattos
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Isabella Anunciação
Entende-se que preconceito de gênero se refere as atitudes sociais que desprezam as pessoas de acordo com o seu sexo ou orientação sexual. Sexismo também é uma palavra usada para definir esse tipo de discriminação. Na maioria das vezes, as vítimas são mulheres, que, em consequência, possuem menor prestígio social comparadas aos homens. É de senso comum que a mídia pode interferir na maneira como a sociedade enxerga essa problemática, mas o que envolve essa conduta nos dias atuais? Para entendermos um pouco mais sobre preconceito de gênero e seus desdobramentos, a repórter Isabella Anunciação conversou com a Fernanda Nascimento, doutoranda em Estudos de Gênero e professora substituta de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ela também é mestra em Comunicação Social e jornalista graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Isabella Anunciação: Para você, o que se configura como preconceito de gênero?
Fernanda Nascimento: O gênero estrutura nossas relações sociais, e é a partir da construção de hierarquias entre o masculino e o feminino que percebemos e valoramos tanto seres humanos como instituições. Joah Scott, uma das principais teóricas do campo, afirma que o gênero é uma das formas primárias de poder. Neste sentido, os preconceitos e discriminações relacionados às desigualdades de gênero são amplos, e podem ser constados em diversas relações sociais. Destaco que é necessário compreender as desigualdades para além da universalização do pressuposto da existência de uma grande opressão de todos os homens sobre todas as mulheres, para passarmos a observar as relações de poder que se estabelecem em cada contexto histórico, perpassadas também pelos marcadores de raça, classe e sexualidade que compõe nossas identidades.
IA: Visto que sexismo é um problema estrutural, e vemos discursos de mulheres que vão contra sua própria liberdade, por que isso acontece?
FN: O sexismo e o machismo são formas ideológicas naturalizadas em nossa sociedade e que se mantêm justamente por serem percebidas como uma essência e não como uma construção. Em uma sociedade machista e sexista, todos aprendem a reproduzir esta lógica, de forma que sua desconstrução independente do gênero. Ainda que sejam as mulheres aquelas que diretamente são afetadas por este preconceito, não se podem perder de vista que as mesmas são socializadas nesta sociedade.
IA: De acordo com a pesquisa Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar, realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), 93,5% dos entrevistados têm preconceito com relação a gênero. De que maneira esse tema pode ser trabalhado na educação?
FN: É importante perceber que as temáticas de gênero estão presentes em todas as esferas. Nós falamos sobre gênero quando reiteramos que determinados comportamentos, posições, posturas, privilégios ou opressões são naturais a partir do gênero. Assim, a escola já é um ambiente gentrificado – como todos –, mas pode ser um espaço de reflexão e contestação da reiteração de normas que tornam a vida de contingentes da população desiguais. O trabalho sobre o tema pode ser interdisciplinar e se refere não apenas a conteúdos, mas às formas como trabalhamos com o tema. No campo do jornalismo, como professora, tenho destacado a necessidade desta discussão não apenas na disciplina específica que leciono de Jornalismo e Gênero, mas nas demais esferas do curso, por compreender que nossa forma de ver o mundo está atravessada por este debate.
IA: A mesma pesquisa descobriu também, com relação à intensidade do preconceito, que 38,2% dos estudantes têm mais intolerância com relação ao gênero, e que isso parte do homem com relação à mulher. Qual o método mais eficaz para baixar esse índice?
FN: O grande passo é conseguir perceber que as ações que nós naturalizamos são construções sociais. Não nascemos atribuindo um valor inferior às mulheres na comparação com os homens, nem produzimos sexismo e machismo por essência, somos ensinados a tal. Cabe à educação, de forma ampla, refletir sobre o tema.
IA: De que maneira o preconceito de gênero acontece na mídia? E como sucede nas notícias?
FN: São inúmeros os exemplos. Na esfera da produção de notícias, pode-se citar a valoração maior do trabalho desenvolvido por homens (maioria em editorias de hard news, como política e economia), a designação de profissionais a partir do gênero, a atribuição de funções de chefia, entre outros. Todas, destaco, também atravessadas pela raça e pela sexualidade. No âmbito das notícias, temos, entre diversos exemplos: a escolha por fontes que valorizam prioritariamente aqueles oficiais (geralmente homens, que estão em cargos de poder ou chefia); especialistas em assuntos (homens); o questionamento constante dos relatos de violência sofridos por mulheres; a culpabilização das vítimas; a separação entre temas considerados femininos e masculinos; a reiteração de normas sociais de gênero, como a atribuição do cuidado das crianças sendo designado às mulheres.
IA: No jornalismo, nota-se uma diferença na maneira como é produzida uma notícia de cunho feminino para a de um fato masculino. Como, por exemplo, a abordagem das críticas ao governo da ex-presidenta Dilma, que implicavam problemáticas à sua gestão por conta de seu gênero. De um outro lado, as ações do atual presidente não são referidas por ele ser homem. Como você enxerga esse tipo de abordagem? E qual o efeito para o leitor?
FN: O jornalismo não está apartado da sociedade, é uma esfera de mediação na qual os sentidos que circulam socialmente estão presentes. Neste sentido, o jornalismo tanto produz a realidade como é efeito da mesma. Assim, os problemas percebidos socialmente, como o sexismo e machismo desferidos à ex-presidenta Dilma Rousseff também estão nesta esfera. O efeito é uma produção e reprodução da mesma lógica de contestação de mulheres em cargos de chefia.
IA: É possível romper o sexismo? Por quê?
FN: O sexismo é um problema estrutural. Individualmente não será resolvido por nenhum cidadão.