Jornalismo nas plataformas do espetáculo
- 18 de maio de 2022
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Melissa Maciel
Com a progressiva adesão às plataformas de mídia social, os núcleos de jornalismo precisaram adequar sua produção a este novo ambiente de interação, de forma a não ficar para trás na disputa pela atenção do consumidor de conteúdo comunicacional. Mas quais são as implicações de se fazer jornalismo nas redes sociais? Há uma desvalorização do fazer jornalístico? Mergulhados na dinâmica do imediatismo, os espectadores continuam a investir tempo para aprofundar a compreensão sobre o conteúdo informativo? De alguma forma as redes sociais podem potencializar o jornalismo? Mas e a propagação de fake news?
Mediante tais indagações, o Canal da Imprensa conversou com o professor Luís Mauro Sá Martino. Martino é graduado em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero, Doutor em Ciências Sociais, Professor do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Cásper Líbero, onde também leciona na Graduação em Jornalismo e é co-editor da Revista Líbero. É membro do corpo de pareceristas das revistas Galáxia (PUC-SP) e Comunicação, Mídia e Consumo (ESPM), e outras. Autor dos livros “Ética, Mídia e Comunicação” (Summus, 2018), “Métodos de Pesquisa em Comunicação” (Vozes, 2018), “Teoria das Mídias Digitais” (Vozes, 2014), “Mídia, Religião e Sociedade” (Paulus, 2016), “The Mediatization of Religion” (Routledge, 2016), “Teoria da Comunicação” (Vozes, 2009), “Comunicação e Identidade” (Paulus, 2010), entre outros. As pesquisas que produz são fundamentadas em duas principais vertentes: estudos sobre Teoria e Epistemologia da Comunicação e a compreensão das relações entre Mídia, Política e Religião.
CI: Como os profissionais da comunicação tiveram que se reinventar mediante o contemporâneo consumo maciço das plataformas digitais?
Luís Mauro: O ambiente das mídias digitais afetou todos os setores profissionais da Comunicação, e cada área vem descobrindo como lidar com isso. No Jornalismo, um caminho foi ressaltar o rigor na checagem, a busca pelo dado factual e a qualidade do texto/imagem. Para a Publicidade, driblar o fato de que é possível “pular” um anúncio em menos de um segundo; no âmbito das Relações Públicas, lidar com um público que exige posicionamentos das empresas sobre questões políticas e sociais. Mas nunca foi fácil: sempre existiram desafios para quem trabalha na área – e ela segue adiante.
CI: Qual o principal fator que faz das redes sociais propulsoras de fake news?
Luís Mauro: Gostaria de destacar dois pontos. De um lado, a facilidade de criação e propagação de informações sobre qualquer assunto. De outro, nossa vontade de acreditar. Não usamos apenas critérios racionais para definir algo como “verdadeiro” ou “falso”: às vezes pode ser mais fácil aceitar uma informação falsa, mas próxima de nossas ideias, a lidar com outra, correta, mas que desafia nossas certezas.
CI: Como a premissa da sociedade do espetáculo se relaciona a essa progressiva falta de interesse por textos noticiosos aprofundados?
Luís Mauro: Talvez possamos ver isso a partir de uma provocação: ao que tudo indica, talvez nunca tenha existido uma “época de ouro” da informação. Os números podiam ser mais altos, sem dúvida, mas é preciso levar em conta as poucas fontes de informação disponíveis. Mesmo antes das mídias digitais, a quantidade de pessoas que lia o jornal inteiro, todos os dias, era relativamente restrita.
CI: Como o fato de as pessoas atualmente preferirem “se informar” pelas redes sociais e terem menos paciência para leituras aprofundadas, pode causar uma futura decadência da produção jornalística?
Luís Mauro: Hum… Não tenho certeza. Enquanto houver necessidade de informação bem apurada, me parece, existirá demanda pelo trabalho jornalístico. É justamente porque temos uma quantidade praticamente infinita de fontes de informação que o jornalismo, bem-feito, se torna ainda mais relevante.
CI: Como a dinâmica do furo jornalístico se perdeu com a massificação da acessibilidade e imediatismo das redes?
Luís Mauro: Se pensarmos que o furo jornalístico depende de uma boa apuração e cultivo de fontes, ele continua indispensável. Vale distinguir o furo, resultado de uma apuração séria, da circulação de novidades nas redes – na hora de confirmar a informação, o jornalismo bem-feito volta ao primeiro plano.
CI: Partindo de uma perspectiva mais positiva, como as mídias sociais podem reforçar o papel do jornalismo?
Luís Mauro: As mídias digitais podem ser ótimas aliadas para o jornalismo, ao menos de duas maneiras. Primeiro, na divulgação de notícias produzidas em outras plataformas – um uso mais “tradicional”, digamos; segundo, e mais desafiador, é produzir conteúdo para os recursos disponíveis em cada plataforma. É possível seguir os critérios básicos da produção jornalística (apuração, checagem, busca pelo factual, apresentação correta das informações) em qualquer plataforma, falando com diferentes públicos.
CI: Quais são as principais implicações econômicas do contraste existente no fato de um veículo de notícias ter muitos seguidores no Instagram, Twitter, etc., mas poucos assinantes? Existe alguma solução para esta causa?
Luís Mauro: Há vários pontos interessantes aí. Primeiro, vale distinguir, me parece, o número de seguidores de uma conta do engajamento real do público. Uma conta pode ser seguida por milhões de pessoas, mas quantas, de fato, ela vai atingir? Segundo, em termos econômicos, historicamente, o jornalismo raramente foi financiado pelo público, embora existam iniciativas muito interessantes. A publicidade foi, e continua sendo, a principal fonte de receita de qualquer veículo informativo – o que chamamos de “monetização” talvez seja a versão mais recente disso.