Hillsong: uma igreja em chamas
- 13 de março de 2024
- comments
- Theillyson Lima
- Posted in Análises
- 0
Um análise sobre o papel da mídia na exposição da megaigreja.
Cristina Levano
É 1983 em Sydney, Austrália, e um grupo pequeno de pessoas se reúne na periferia da cidade para criar um espaço de adoração e louvor cristão diferente das formas tradicionais. Assim, liderados por Brian e Bobbie Houston, a Hills Christian Life Center, uma extensão da igreja Christian Life Center fundada pelo pai do Brian, Frank Houston, é inaugurada com o objetivo de criar um ambiente acolhedor para aquele que chegar lá.
Brian Houston, um visionário, buscava que sua pequena igreja crescesse e fosse uma grande influência a nível mundial. Nesse processo de crescimento a música se tornou uma ferramenta crucial nesse objetivo, o que levou à criação do grupo musical Hillsong. Quem cresceu em um ambiente religioso deve ter escutado dela, se não é pelo nome, pelo menos deve ter ouvido as suas músicas, como “Aclame ao senhor” ou “Oceans”.
Graças a imagem moderna da igreja, e as músicas de louvor cativantes, sem mencionar as mensagens inspiradoras, a igreja começou a receber multidões de fiéis australianos, expandindo sua presença e alcance. Em 1999, a igreja adotou oficialmente o nome Hillsong, consolidando dessa forma sua identidade musical e espiritual.
Mas as pessoas não só ficavam pela música e as mensagens, mas pelo refúgio, que a Hillsong alegava oferecer, “acolhendo a todos” , especialmente aqueles que faziam parte de grupos minoritários. Com o decorrer do tempo e o crescimento exponencial da igreja, em 2010 Hillsong chega aos Estados Unidos, inaugurando uma igreja em Nova Iorque, onde continuou crescendo até se tornar em uma das igrejas mais influentes e controversas do mundo.
De Sidney a grande maçã
Em meio a busca da expansão da Hillsong nos Estados Unidos é que Carl Lentz surgiu como raio de luz a dirigir à sede da igreja australiana em NYC. Ele era um recém formado pastor que não se comportava como um pastor tradicional, ele tinha tatuagens, estava em forma, pregava e andava com roupa “moderna”, com um estilo bem hipster, algo que chamava a atenção.
Lentz era carismático, divertido, tinha uma família unida, quando ele pregava o local se enchia de gente, e isso aumentou depois de que Carl conhecesse e fizesse amizade com o Justin Bieber, que foi o primeiro contato, pra chegar a outras celebridades.
Isso foi um fator importante para que a Hillsong se tornasse mais conhecida nos Estados Unidos e no mundo. Não era mais uma igreja moderna qualquer, agora era a Igreja de Justin Bieber, e com o tempo passou a ser chamada de “Igreja das celebridades”.
Falar ou idolatrar?
Desde o início, a Hillsong compreendeu o poder e o alcance da internet e das redes sociais como ferramentas poderosas para alcançar e engajar o seu público, especialmente os jovens e pessoas que estavam em busca de uma espiritualidade mais moderna.
Por meio de diversas plataformas a Hillsong conseguiu criar uma comunidade global de fiéis, oferecendo recursos de adoração, mensagens inspiradoras, testemunhos de transformação e conteúdo de entretenimento religioso. Suas páginas nas redes sociais, vídeos no YouTube, transmissões ao vivo de cultos e podcasts alcançaram milhões de pessoas ao redor do mundo, consolidando sua influência e aumentando sua base de seguidores.
Com as visitas de diversas celebridades o interesse dos meios por saber mais sobre a igreja aumentou exponencialmente. Afinal, que jornal ou site de fofocas não se interessaria escrever pelo menos uma matéria sobre a igreja que estava “mudando a vida” do problemático Justin Bieber, e que outros famosos visitaram.
Não é novidade que a mídia desempenha um papel crucial na construção e perpetuação das figuras públicas, moldando percepções e influenciando opiniões de formas imensuráveis. Histórias como da Hillsong, uma igreja que na atualidade é globalmente conhecida, e analisando os fatores que apressaram a popularidade de personagens como Carl Lentz, são demonstrações do poder da mídia em elevar figuras de autoridade espiritual ou geral, a pedestais de admiração talvez sem perceber. Mas nem todo aquele que chega no topo consegue ficar, assim como às vezes quanto mais alto se chega mais impactante é a queda.
3 2 1… Boom
Ninguém gosta de ser hipócrita, embora reconheçamos que o ser humano comete erros, quando alguém que tem nossa inspiração nos decepciona, começamos a refletir nas decisões que tomamos por influência dessa pessoa. Mal sabiam os membros da Hillsong que iriam experimentar essa situação no lugar que eles chamavam de lar.
Novembro 2020, Hillsong anuncia que o pastor Carl Lentz seria afastado do seu cargo na igreja devido a “questões de liderança, comportamento moral e violação dos códigos de conduta da igreja”, erro reconhecido pelo mesmo Carl como “traí a minha esposa”, e não com uma, mas com duas mulheres e em ocasiões diferentes.
Depois do anúncio, os olhos de todos os meios se centraram na Hillsong e na família Lentz, mas não de um ponto positivo. Nesse momento um dos responsáveis pelo crescimento e posicionamento da igreja, agora era responsável por “manchar a imagem da igreja”, pelo menos foi isso que o Brian Houston deixou bem claro numa entrevista falando sobre a infidelidade do Carl, dias depois de que “acidentalmente” se vazaram audios dele falando sobre o assunto.
Pouco a pouco os panos sujos da Hillsong foram expostos, ex-fiéis, membros, voluntários entre outros começaram a contar suas histórias em diferentes meios de comunicação, desde grupos de Facebook até jornais denunciando crimes inacreditáveis, mas ao mesmo tempo invisíveis.
Se ninguém viu não aconteceu
Em vários relatos, as vítimas acusavam certos líderes da Hillsong de ter empregado táticas de manipulação psicológica e emocional para mantê-los sob seu controle. Alguns eram pressionados para doar grandes quantidades de dinheiro à igreja, com a promessa de receber bênçãos divinas e o favor espiritual de Deus.
De igual forma narram ter trabalhado exaustivamente pelo ministério, sem receber nada em troca, poderiam dizer “mas são voluntários”, mas ainda precisam comer, viver bem, descansar. Mas não podiam deixar seu trabalho, sem pelo menos treinar outro voluntário pois segundo os líderes, “não iriam pagar a mais ninguém para fazê-lo”.
E enquanto uns não recebiam nada, os pastores viajavam em primeira classe usando acessórios da Louis Vuitton, relógios finos, tênis e zapatos de mais de $5000 para que a igreja crescesse, ou era para desfrutar das férias?. E continuam as investigações com respeito à lavagem de dinheiro.
Já outros relataram ser coagidos a cortar laços com amigos e familiares que questionassem a autoridade da igreja ou suas práticas, assim como manipulando relacionamentos e interferindo nas decisões individuais dos voluntários. Músicos voluntários que participavam e apareciam no palco, e que eram uma peça fundamental pro sucesso da igreja, frequentemente não recebiam remuneração monetária pelo seu trabalho, afinal eles deviam compor pela “motivação pela oportunidade de servir à igreja” e “expressar sua fé através da música”.
A intimidação e a chantagem emocional eram comuns nas diferentes sedes da instituição, pois Hillsong tinha crescido tanto que não era só uma igreja, mas parecia uma empresa, com escolas, gravadoras, loja de roupa, entre outros. Cada um desses testemunhos revelam um padrão alarmante de abuso de poder e manipulação que viola os princípios éticos mais básicos e a confiança depositada em uma liderança religiosa, se aproveitava das mentes frágeis e conflituosas que eram até um certo ponto o seu público-alvo. Esta situação, embora tenha sido denunciada em mais de uma ocasião, era jogada para baixo do tapete.
Todos são bem-vindos
Em entrevista para o documentário “Hillsong: O Escândalo por Trás da Megaigreja”, muitos ex-membros relatam ter sido tratados com desrespeito e ser humilhados por erros cometidos no passado. Me pergunto, se a Hillsong chamava a todos a vir tal como são, por que embora a pessoa tivesse mudado, continuava sendo julgada e ferida psicologicamente por erros do passado?
Mas não só isso, na igreja, eles promoveram a “Hillsong International Leadership College” como uma escola de preparação para ser parte do ministério da mesma igreja, com a promessa que todos poderiam participar e ser líderes sem importar seu lugar de origem ou tom de pele. Mas ao mesmo tempo eram contados os líderes, pastores e pastoras principais que não eram brancos, ou que faziam parte do padrão da imagem da igreja.
O mesmo Carl Lentz revelou em entrevista para um documentário da Vanity Fair ter colocado a pauta do aumento de participação e inclusão de grupos minoritários na igreja e ter sido rejeitado pelos superiores. No documentário “Os segredos da igreja Hillsong” outros membros relatam ter sido expulsos, desculpa, “solicitados a se retirar” após se pronunciaram contra a discriminação na igreja.
Encobrimento de Frank Houston
Não termina ali, pois o abuso de poder desta igreja vai muito além da manipulação mental dos membros, mas também o abuso físico. Durante todos os anos que Brian Houston se encontrava no poder, se denunciaram diversos casos de assédio, carícias e toques indevidos efetuados por líderes e administrativos da Hillsong a voluntários que foram encobertos ou tentaram silenciar as vítimas por baixo, desacreditando-as, ou tentando suborná las, sem demitir aos envolvidos.
Houston estava ciente desses casos, e ainda assim decidiu não expor a situação, uma atitude que encontrou opositores, pois no momento em que seu pastor estreia, Carl, violou os códigos éticos da igreja. O que Lentz fez, estava errado, e cada decisão tem sua consequência, mas cadê a consequência para todos os administrativos que cometeram crimes? Por acaso só vale expor e castigar aqueles que representam uma ameaça a Houston e seu império?
Brian Houston pode fingir que é inocente, e confesso que me surpreende que alguém que levantou uma megaigreja do zero, não tenha estado ciente das coisas sujas que aconteciam na liderança da sua própria igreja. Parece que adotou muito bem seu papel de cordeiro, sendo ele o verdadeiro lobo.
Esse sistema de encobrimento vem se acomodando desde que Frank Houston dirigiu a Christian Life Center. Frank tinha abusado sexualmente de aproximadamente 13 crianças durante seu tempo como pastor, algo que o Brian ficou sabendo. Embora tenha reconhecido publicamente os abusos em 2014 e expressado arrependimento pela maneira como foram tratados, Brian é criticado por sua gestão inicial dos incidentes.
Esses casos mancharam muito mais a reputação da igreja. Brian estava sendo processado mas ainda assim se recusava a deixar o cargo de poder que tinha. E não foi até 2022, que o documentário da Discovery +, titulado “Hillsong: O Escândalo por Trás da Megaigreja”, no qual foram expostos os crimes da Hillsong assim como denúncias contra o mesmo Brian de assédio a mulheres, que tirou ele da liderança, que ficou com Phil Dooley.
Derrubando o que criamos
A mídia desempenha um papel vital na exposição e derrota de figuras corruptas e escândalos éticos, como no caso da da Hillsong, e assim como pode promover alguém, também pode destruí-lo. Através da investigação aprofundada e a divulgação da mesma num formato que consiga compilar o máximo de informação (documentário), a mídia não apenas questionou a integridade da instituição religiosa, mas também exigiu transparência e responsabilidade.
Este caso só reforça o papel da mídia em desafiar narrativas dominantes, questionar autoridades para promover justiça e transparência em todas as áreas da sociedade, sem importar o prestígio ou influência.