Ética em desuso
- 27 de maio de 2004
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Isadora Schmitt
Jornalistas devem saber escrever. Devem também saber se expressar e, principalmente, acumular ao longo do tempo conhecimentos necessários para o exercício da profissão. Nada adianta se os profissionais da área não se conscientizarem da importância desses requisitos. Os veículos continuarão recebendo pessoas cada vez mais despreparadas para a labuta das redações. Mas o que é mais importante? Além do aprofundamento técnico e do conhecimento acadêmico, o que se deve levar de mais significativo dos quatro anos de faculdade que devem preparar para o mercado de trabalho?
Ética. Eis o princípio que muitos esquecem depois da formatura. O compromisso com a verdade e a apuração precisa dos fatos – dois assuntos tão falados em debates sobre comunicação – apesar de já estarem batidos, infelizmente são esquecidos todos os dias por alguns profissionais. A busca pelo furo e a rapidez da notícia hoje tão exigida pelos meios – apesar de terem sua importância para a informação – acabam muitas vezes prestando um desserviço ao público.
Gabriel García Márquez em um artigo que foi publicado por alguns veículos, disse que “a melhor notícia nem sempre é a que se dá primeiro, mas muitas vezes a que se dá melhor”. Talvez a análise deva se iniciar por este aspecto, pois a ética em muitas ocasiões é deixada de lado quando se envolvem valores comerciais. O que inevitavelmente demanda tempo. Ainda no mesmo artigo, García Márquez ressalta que a investigação não deve ser algo condicional, mas na verdade algo que deva acompanhar o jornalista em todos os trabalhos que for fazer. Por último, ele ainda faz uma analogia, afirmando que a ética deve acompanhar sempre o jornalismo, assim como o zumbido acompanha o besouro.
Na prática as coisas nem sempre funcionam assim. O furo é mais respeitado que o texto subjetivo e humanizado, a rapidez é mais exigida do que a capacidade de investigação e apuração, e os interesses capitalistas ainda são mais valorizados do que os objetivos sociais e informativos que originaram a profissão. O Código de Ética do Jornalismo, aprovado em 1985 pela Fenaj – Federação Nacional de Jornalistas -, apesar de bem-elaborado e acessível a qualquer profissional, com certeza não é conhecido por muitos, e quando o é, não é praticado em muitas ocasiões. Não há uma atitude efetiva da lei em punir os crimes da imprensa, o que faz concluir que existem interesses que passam por cima de qualquer princípio da sociedade.
Imperdoável
Casos clássicos de falta de ética na imprensa brasileira não faltam. Vale lembrar do famoso caso Escola Base. Em nome da ética para defender a moral e os bons costumes, vidas foram destroçadas pelas informações mal-apuradas de um repórter irresponsável. O que não é pouca coisa, pois a “informação” foi veiculada primeiramente pela maior rede de televisão do País. Além da Globo, SBT e Notícias Populares. Jornais ditos sérios, como Folha de S. Paulo e Folha da Tarde, também
participaram das falsas denúncias de pedofilia. No boletim de dezembro de 1996 do Instituto Gutemberg, há uma crítica sobre a falta de ética e apuração no caso da Escola Base:
“A autocrítica no jornalismo só é aceitável com jornalismo: cabe ao meio de comunicação reconhecer que errou (mentiu? inventou?) ao noticiar determinada fantasia ou barbaridade. Se um erro grave foi cometido numa reportagem, deve ser feita uma reportagem grave sobre o erro. Ninguém fez isso. A autocrítica genérica, ao debitar a trapalhada na costa larga “da imprensa”, serve para que tudo continue como sempre foi: erra-se e pede-se desculpa para ter direito a outro erro.
A principal causa da tragédia foi o barbarismo policial e a conivência da mídia com esse barbarismo. Uma é o espelho canibal da outra. A polícia não investiga, condena e divulga. A imprensa divulga, condena e não investiga. Ao final, as vítimas se amontoam na próprio infortúnio, a polícia nunca é responsabilizada e a imprensa se defende com a alegação invariável que apenas publicou o que lhe disseram.”
Outro aspecto importante que também fere princípios éticos se manifesta na forma como a mídia aborda a violência e a criminalidade. Muitas vezes atrás de audiência nas empresas televisivas e de leitores nos veículos impressos, os meios de comunicação apelam para o sensacionalismo e para a aparente “contribuição social” em alertar a população em relação ao tema. No artigo de Maurício Martins, publicado pelo Portal Economia, ele disserta sobre a capacidade dos meios em banalizar o flagelo:
“Em suma, a medíocre cobertura feita pela maioria dos meios de comunicação no campo da violência ajuda a manter forte o”poder paralelo” que comanda muitas coisas em nosso país, com o evidente (porém oculto) envolvimento de muitas pessoas importantes neste mundo da criminalidade. Com isso, temos uma sociedade com medo, na qual a violência foi banalizada com a ajuda não desprezível da mídia, que de forma trivial retrata tais fatos como se fossem itens incorporados permanentemente ao nosso cotidiano.”
O caso do jornalista Larry Rohter, do New York Times, que citou em sua matéria a relação de Lula com as bebidas alcoólicas, com certeza também é um fato digno de debate. Por mais que exista a liberdade de imprensa e que o profissional tenha o direito de expressar suas idéias, a afirmação não deixa de ser caluniosa. Querendo ou não o jornalista não foi ético e muito menos feliz em suas afirmações.
Casos de deturpação de informações, simulações, sexualidade desvirtuada, incontestavelmente estão presentes nos veículos. Apesar de existirem profissionais sérios, até mesmo as empresas jornalísticas respeitadas caem em alguns pontos. Claro que os profissionais são passíveis de erro – seria utopia dizer o contrário -, mas a responsabilidade da mídia em relação ao seu público é enorme. Uma informação errada pode destruir e influenciar diversos pontos e segmentos da sociedade. Por mais que existam aqueles que querem fazer um trabalho de qualidade, a ética no jornalismo ainda está caindo em desuso.