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Dois Papas e a eternidade das dúvidas

  • 14 de maio de 2025
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  • Theillyson Lima
  • Posted in Sessão Cultural
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Entre política, fé e hesitação, um retrato íntimo do poder contado pelas brechas da dúvida.

Julia Viana

Há filmes que amadurecem com o tempo, há outros que parecem, com estranha clarividência, se adiantar ao tempo. Dois Papas, dirigido por Fernando Meirelles e escrito por Anthony McCarten, pertence a esse segundo grupo. Quando foi lançado em 2019, parecia uma curiosa peça de especulação dramatizada, uma conversa inventada entre Bento XVI e Jorge Mario Bergoglio, que se tornaria o Papa Francisco. Mas após a morte recente de Francisco e a eleição do Papa Leão XIV, o filme se reveste de uma nova camada de melancolia. Não é mais apenas uma ficção histórica. É um lamento silencioso, um espelho sobre o fim.

A morte de um papa não se escreve apenas nos livros de história, ela reverbera como um som grave nos corredores do Vaticano e nos corações dos fiéis. Francisco, o homem que quis abrir janelas para a Igreja respirar, partiu deixando o ar suspenso. E com sua partida, o filme adquire outra textura, como se as palavras trocadas entre ele e Ratzinger no jardim fossem agora ressoadas por fantasmas. 

As vestes e seus vazios

O cinema de Meirelles se aproxima da arquitetura do Vaticano com reverência, mas também com estranhamento. A câmera desliza pelos corredores como quem caminha sobre sepulturas, consciente de que ali se acumulam não apenas decisões dogmáticas, mas dúvidas que jamais serão plenamente confessadas. Os aposentos de Ratzinger parecem maiores do que ele. As paredes ornadas parecem querer sufocar. Em oposição, a presença de Bergoglio é viva, às vezes quase profana em sua espontaneidade. Mas também ele está em crise. O que une esses dois homens não é a fé, mas a dúvida, essa forma sutil de resistência.

Francisco não foi canonizado em vida, e o filme se recusa a beatificá-lo. Isso é sua maior virtude. Ao mostrar um cardeal que cogita renunciar, que teme não ser escutado, que carrega culpas pela ditadura argentina, Dois Papas propõe uma imagem do pontífice como homem, e não como ícone. Nesse sentido, o filme contribui para desconstruir uma imagem idealizada do papado. Em tempos de morte e transição, é essa humanidade que permanece. Francisco foi papa, mas também foi alguém que hesitou. E talvez, por isso mesmo, tenha sido mais papa que muitos.

Teologia da escuta

A construção dramatúrgica de Dois Papas se sustenta quase inteiramente sobre o diálogo. Não há grandes eventos, perseguições ou milagres. Há conversa. Silêncios. Perguntas. Risos. E, acima de tudo, escuta. Esse é o ponto central da obra: seu compromisso com a escuta como forma de redenção. Ratzinger e Bergoglio não tentam convencer um ao outro. Tentam, a duras penas, compreender.

Tal escolha narrativa não é apenas estética. É política. Em um mundo saturado de gritos, em que o debate público se assemelha a uma sequência de monólogos armados, ver dois homens, representantes máximos de uma instituição milenar, se ouvindo com paciência é, no mínimo, revolucionário. 

Ao se concentrar nesse gesto de escuta mútua, o filme resgata a dimensão mais ética do cinema e da fé, a capacidade de suspender o próprio julgamento para acolher o outro. Ratzinger, com sua rigidez doutrinária, se vê obrigado a abrir brechas. Bergoglio, com sua ternura pastoral, é confrontado por seus próprios fantasmas. E, juntos, os dois descobrem que crer não é ter certeza é, muitas vezes, escutar sem respostas.

O conclave como teatro e rito

A morte de Francisco devolveu aos olhos do mundo a coreografia peculiar do conclave: a Capela Sistina trancada, os votos queimados, a fumaça branca, a multidão na praça, o nome anunciado. O novo papa, Leão XIV, um cardeal norte amiricano, marca uma guinada ou, ao menos, uma pausa na primavera que Francisco havia inaugurado. Seu nome escolhido não é acidental: evoca o vigor doutrinário do passado, os leões do catolicismo romano que guardavam os muros da tradição.

Essa eleição ressoa diretamente com o filme. Em Dois Papas, o conclave é apresentado não apenas como um rito político, mas como um teatro da interioridade. As decisões dos cardeais não nascem da razão pura, mas de histórias, afetos, temores. Ao representar Bergoglio como alguém relutante ao poder, o filme aponta para uma inversão, aquele que não deseja a coroa talvez seja o mais apto a carregá-la. E é nessa chave que a recente eleição de Leão XIV provoca. 

As cinzas da modernidade

Francisco foi o primeiro papa das periferias do mundo, ele foi também o primeiro a propor, com vigor, uma Igreja em saída. Suas posições sobre imigração, meio ambiente, abusos sexuais e justiça social colocaram a Santa Sé em contato com os dilemas contemporâneos. Mas essas posturas não vieram sem resistência. As críticas internas, muitas vezes veladas, outras públicas, indicavam que seu papado era também um campo de batalha. Ao morrer, não levou consigo essas tensões. Deixou-as à mostra.

O filme, em seu retrato íntimo, não resolve esse embate. Mas oferece um princípio: a compaixão como lente. Meirelles filma os dois papas não como ídolos em disputa, mas como homens perdidos na imensidão de seus cargos. A câmera nunca impõe julgamento. Ela se aproxima com delicadeza, como quem sabe que a fé é feita de hesitação. E é essa hesitação que hoje paira sobre o novo papado de Leão XIV. Carregará ele a chama da reforma? Ou apagará com rigor o que considerou fogo demais?

Um legado em forma de diálogo

Há, no fim de Dois Papas, uma cena quase banal, Francisco e Bento assistem futebol na televisão, dividem uma pizza, riem. Ali, no que seria o epílogo de uma jornada espiritual, o filme alcança sua maior força. Porque lembra que a santidade, se manifesta nos gestos mais simples. No riso partilhado. No tempo dividido. Na pizza, mais do que na missa.

Essa cena, à luz da morte de Francisco, assume contornos emocionais ainda mais potentes. É como se o filme nos dissesse: ele passou, mas riu. Ele duvidou, mas permaneceu. Ele escutou e, nesse gesto, talvez tenha amado mais do que todos os dogmas juntos.

Leão XIV, em seu primeiro pronunciamento, evocou a unidade da Igreja e a fidelidade à tradição. Suas palavras foram cautelosas. Mas talvez, como nos lembra o filme, o mais importante não está no que se diz. Está no que se escuta. E se Dois Papas tem algo a ensinar ao novo pontífice, é isso: que o maior poder não está em comandar, mas em acolher.

E assim seguimos, entre conclaves e câmeras, entre vidas e legados. A fé, como o cinema, se faz no escuro mas ainda assim, tenta iluminar.

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