Cólera e rancor: a mensagem xenofóbica
- 27 de outubro de 2015
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- Thamires Mattos
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O tema da entrevista desta edição é a xenofobia e o seu discurso dentro da sociedade. O Canal da Imprensa conversou como o Dr. José William Vesentini. Ele é professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP). É doutor em Geografia (Geografia Humana), com experiência em Geografia política/ Geopolítica.
Aline Oliveira
Canal da Imprensa: O que é xenofobia? Historicamente qual a raiz do ódio ao estrangeiro?
José William Vesentini: Essa palavra vem do grego: xenos significa estrangeiro, e phobos (fobia) implica em medo ou aversão. Portanto, xenofobia é o medo ou aversão ao estrangeiro – não apenas às pessoas, mas também aos hábitos, costumes, crenças, comidas, etc. As raízes históricas, antropológicas ou até biológicas da xenofobia são controversas, mas zoólogos relatam que chipanzés, especialmente os machos, espancam e até matam chipanzés de outros grupos. Talvez a defesa do território, do nosso lugar, seja uma das raízes da xenofobia na espécie humana; em suma, o medo que os “outros”, os diferentes, os que não são do nosso grupo ou comunidade, se apossem do nosso território, das nossas mulheres (psicólogos que pesquisaram o tema afirmam que a xenofobia é bem maior no gênero masculino que no feminino). Mas é fato que os primeiros grupos que se estabelecem num território sempre encaram com aversão, com preconceito ou xenofobia, os que vêm depois – isso, por exemplo, aconteceu com os japoneses que vieram para o Brasil nos anos 1930 e 40, acontece hoje nos Estados Unidos contra os latinos, acontece com os atuais imigrantes na Europa, etc. Interessante é que mesmo grupos que no passado sofreram esse preconceito e depois de décadas foram mais aceitos ou incorporados na cultura local ou nacional, mesmo em posição subalterna, acabam compartilhando e reproduzindo essa xenofobia em relação aos mais novos imigrantes. Exemplo disso é que muitas vezes até os afrodescendentes norte-americanos, que já foram a maior vítima da discriminação étnica, hoje também compartilham com os brancos anglo-saxônicos essa aversão aos “novos” estrangeiros.
C.I: A xenofobia se resume apenas a questões sociológicas e econômicas?
Vesentini: Já vimos na resposta anterior que não. A xenofobia tem raízes antropológicas profundas, pois já existia na antiguidade. Mas é evidente que ela muda de feição dependendo do tempo e do lugar, do contexto. Enfim: creio que ela é bem mais forte em épocas de crise, escassez e aumento do desemprego (tal como na Europa hoje) e menor – mas não inexistente – em períodos de abundância e necessidade de mão de obra estrangeira. Outra coisa que é ou deveria ser evidente é que a xenofobia hoje é inaceitável devido aos avanços culturais, técnicos e científicos da humanidade, devido em especial ao fato de que a genética e a biologia molecular, além da antropologia, já demonstraram exaustivamente que a espécie humana – ou raça humana, no singular – é uma só, que não existem povos ou “raças” inferiores e superiores, e que a troca de experiências com os “outros” é positiva, constitui de fato um motor de avanço cultural, científico e até econômico.
C.I: O mundo está passando por uma nova fase migratória. Quais são as causas disto e qual a relação com o discurso de ódio ao estrangeiro?
Vesentini: Sim, o mundo atual passa por uma fase de intensos fluxos migratórios, tanto de imigrantes como de refugiados. Os movimentos migratórios aumentaram bastante com a globalização, com a expansão dos meios de transportes e de comunicações instantâneas, do turismo internacional, das trocas comerciais, etc. Hoje em dia é muito mais fácil se deslocar no espaço, inclusive intercontinental, do que no passado. E as informações sobre como é o padrão de vida neste ou naquele país estão acessíveis para todos. Por isso, as migrações em geral seguem o padrão de saída de países ou regiões com economias pouco dinâmicas e padrão de vida baixo para aqueles com padrões de vida mais elevados. Não apenas do Sul para o Norte, mas também Norte-Norte (de Portugal ou Grécia para a Alemanha ou França, por exemplo) e Sul-Sul (do Haiti para o Brasil; do Egito, Jordânia, Síria ou Iraque para a Arábia Saudita, Emirados Árabes ou Kuwait; da Indonésia ou Filipinas para a Malásia ou Cingapura, etc.). Alguns países hoje possuem uma parcela expressiva de sua população constituída por imigrantes: Catar (75%), Emirados Árabes (72%), Kuwait (62%), Cingapura e Bahrein (42%) e outros. Quanto à relação disso com o discurso xenófobo, creio que existem dois aspectos principais. Primeiro, devido ao grande volume de imigrantes, em especial aqueles que não falam nosso idioma e não têm nossos costumes e crenças. Segundo, pelo receio de uma “estrangeirização”, ou seja, de os estrangeiros mudarem nossa cultura, tomarem nossos empregos, casarem com nossas jovens, etc. É lógico que essa xenofobia é incentivada por uma parcela da mídia, e por determinados partidos políticos de extrema direita, que divulgam ideias segundo as quais os imigrantes são responsáveis pelo aumento nas taxas de criminalidade, trazem e transmitem doenças, vão tirar empregos dos nativos, etc.
C.I: Como a xenofobia se reflete no Brasil?
Vesentini: Já li notícias que mostram como os haitianos – milhares deles vieram ao Brasil nos últimos anos – estão sendo discriminados no país. O mesmo parece ocorrer com os bolivianos. E não podemos esquecer que no passado, no auge da imigração para o Brasil, os japoneses, italianos, poloneses, alemães e outros sofreram enormemente com a discriminação. Mas esse não é um problema tão grave no Brasil atual como é na Europa e em outros lugares do mundo, principalmente pelo pouco volume – em relação à nossa população total – de imigrantes que recebemos, que na verdade é hoje menor que os emigrantes que saem daqui e vão para os Estados Unidos, Europa, Japão ou até Paraguai.
C.I: A Europa está em processo de fascistização?
Vesentini: Creio que esse termo é muito forte para descrever o inegável crescimento do racismo na Europa. Principalmente porque só uma parcela minoritária da população – embora isso varie conforme o país –demonstre claramente sua xenofobia. Mas partidos políticos nacionalistas e xenófobos vêm ganhando maior votação na Áustria, Hungria, França, Suíça, Bélgica e outros países europeus, embora eles estejam longe de serem hegemônicos. Esse crescimento não ocorre apenas pelo aumento no número de imigrantes, especialmente muçulmanos, mas também pela crise econômica com aumento no desemprego. Sou otimista e penso que tão logo o continente conheça um novo período de prosperidade – e também que determinadas crises fora da Europa, mas que nela repercutem pela entrada massiva de imigrantes e refugiados (como o Estado islâmico no Iraque e Síria, a guerra civil neste último país, etc.) sejam pelo menos minimizadas – esse crescimento da xenofobia na Europa vai regredir.
C.I: A mídia intensifica o discurso de ódio?
Vesentini: Sem dúvida que sim, pelo menos uma parte dela, felizmente minoritária. Além dessa parcela da mídia tradicional – rádios, canais de televisão, jornais, revistas –, não se pode esquecer os sites racistas na internet, com discursos muito mais radicais e explícitos no seu ódio aos estrangeiros ou a determinadas etnias do que essa referida parcela da mídia.
C.I: O esporte tem sido palco para casos de xenofobia. Em que medida a espetacularização, a glamourização destes eventos (muitas vezes exercida pela da mídia) inflama o nacionalismo?
Vesentini: Bem, a espetacularização e glamourização desses eventos não são apenas “muitas vezes exercidos pela mídia”. Eles são na verdade totalmente dependentes dela, são espetáculos midiáticos. Sem a cobertura pela mídia, principalmente pela televisão, a Eurocopa, a Copa do Mundo de Futebol, a NBA, a Fórmula 1, o Super Bowl ou até as Olimpíadas, além de outros,seriam apenas eventos pífios. O montante de dinheiro envolvido seria irrisório e mesmo o público interessado seria muitíssimo menor. Esses eventos midiáticos, quando internacionais, são essencialmente nacionalistas, e, quando nacionais, são bairristas no sentido da equipe de preferência do torcedor. Esse exagero na importância desses eventos, e também das equipes ou de ídolos forjados, operada pela mídia em busca de maior audiência (e, consequentemente, anúncios mais caros), produz ou potencializa rivalidades e acirra os ânimos. Daí a crescente violência entre torcidas, especialmente as organizadas. Com isso tudo vem junto o racismo, que no fundo, neste caso específico, é decorrente da exagerada rivalidade que vai além do espírito esportivo – no qual deveria predominar uma rivalidade e concorrência saudáveis e não doentia – e chega às raias do ódio. O “estrangeiro”, neste caso, é o torcedor ou algum jogador diferenciado da equipe rival.