Veep: que o melhor time de assessores vença!
- 8 de março de 2023
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- Theillyson Lima
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O que acontece quando o jornalismo é a política?
Lucas Pazzaglini
Jogue toda sua ética fora, guarde sua moral a sete chaves e torça para que sua consciência não venha te perturbar mais tarde, pois em “Veep” o jornalismo se encontra com a política, ou melhor: o jornalismo é a política. Essa pode parecer uma fala extremamente sensacionalista e alarmante. No entanto, ao assistir os episódios, é difícil chegar a qualquer outra conclusão.
O modelo de jornalismo da série talvez seja o que é menos conhecido, justamente porque seu trabalho não envolve a promoção própria, e sim a do outro. A assessoria de imprensa é responsável por preservar a imagem do seu assessorado e fazer com que ele esteja sempre bem à frente das câmeras e fora delas.
Quando colocado dessa forma, uma explicação mínima em um parágrafo, pode parecer que é simples e fácil, mas fazer um bom trabalho exige muito do assessor. No caminho de fazer seu assessorado aparecer bem, a noção de certo e errado pode se perder.
A série
Veep é uma série de comédia que conta a história da vice-presidente dos Estados Unidos, Selina Meyer. O nome da série, inclusive, é um trocadilho: em inglês, a sigla para o cargo de vice-presidente é V. P., pronunciada “veep”. Além disso, a palavra weep (chorar) possui grafia e pronúncia semelhantes à Veep . Protagonizada por Julia Louis-Dreyfus, a obra rendeu prêmios de atuação para a atriz principal e alguns dos seus coadjuvantes.
Além de Selina, a equipe de comunicadores também nos é apresentada: Amy, Dan, Mike e Gary são os responsáveis por como os Estados Unidos e o mundo veem a vice-presidente. Nesse contexto, e banhado pelo humor seco característico, são gerados diversos problemas e situações dignas de uma sitcom premiada.
Claramente a vice-presidente é a personagem principal da obra, mas é justo dizer que sem os personagens dos bastidores não haveria série e, muito menos, vice-presidente.
O trabalho
Por que esses assessores são tão importantes assim? Simples: eles são a vice-presidente. A imagem de um governante não é construída sozinha; é trabalhada e modelada por diversas mãos e mentes que ditam e aprovam o caminho que deve ser seguido, e eles são os responsáveis por isso.
Da escolha de um sabor de sorvete ou a lembrança do nome da filha de um senador, até a formulação do discurso perfeito às forças armadas, quem dita o que será feito são os assessores. Obviamente, a Veep dá o veredito, mas o conselho da equipe é na maioria das vezes seguido à risca.
Ser atento aos detalhes e estar sempre à frente da informação é o que caracteriza esse trabalho no decorrer da série. Cada discurso, palavra e foto é pensada com o objetivo de transmitir o melhor de Selina. Sendo assim, tudo que dá certo é por conta do assessor, mas, principalmente, tudo que dá errado, também.
O assessor
O perfil do assessor mostrado na série é simples: estresse a todo e qualquer momento (weep!), sem exagero algum. É impossível encontrar um momento em que toda a equipe de comunicação está descansando tranquilamente, sem pensar em problemas e em soluções. Sempre – ênfase em “sempre” – há um celular na mão de algum assessor. A busca por informação é inesgotável, as ligações são intermináveis, as noites para dormir são poucas e a resolução de problemas é inquietante.
Talvez um dos personagens mais interessantes da série, para melhor entendimento do contexto, seja o galão de dois litros de café que um dos assessores carrega para todo o canto. Estar desperto é necessário. Um assessor que não está ligado a tudo e todos, 24 horas, não está fazendo um bom trabalho.
O pensamento pode ser: que trabalho ingrato, por que continuar nele? Essa é uma boa pergunta, e depois de pensar um pouco a resposta que consigo dar é a seguinte: a ganância cega. Parece que existe um perfil predefinido para quem se interessa pela política. Mesmo sendo um trabalho desgastante e, por vezes, impossível, os assessores não se veem fazendo outra coisa, estão sempre em busca de mais e mais trabalho.
Em um determinado episódio, um dos comunicadores tem um ataque de pânico devido à campanha eleitoral que está conduzindo. Depois disso você pode pensar que ele tira alguns dias de férias, ou procura um emprego menos estressante. Se sim, você está errado. O desejo do sucesso político suprime toda e qualquer necessidade básica como uma boa saúde e sono regulado.
A ética
Como já colocado, a ganância parece ser o guia dessa equipe de comunicação, talvez pelo próprio meio político corrompido em que foram inseridos, mas não vamos criar desculpas. Para que a vice-presidente mantenha uma imagem sólida, a própria moral é por vezes deixada de lado. Assim, os assessores assumem a culpa por erros dos outros e mentem desenfreadamente.
Nesse ponto, a ficção pode ser muito diferente da realidade. Assessores de imprensa também devem seguir um código de ética, justamente para preservar o trabalho e a sanidade mental. Mesmo assim, em alguns momentos, são coagidos a tomar decisões comprometedoras. Apesar disso, o cenário mostrado na série nem te permite pensar muito em certo e errado. As coisas simplesmente acontecem porque, à vista rápida, não existe outro jeito de resolvê-las. O ambiente te dá as ferramentas e o passe livre para fazer de tudo e qualquer coisa a fim de que o assessorado fique bem para o público.
O repórter
Apesar da série manchar o assessor, se tratando da ética, outro tipo de jornalismo ganha destaque em alguns episódios: o repórter. Sendo quase que a antítese dos assessores, é interessante pensar que os dois pertencem à mesma classe, no caso, o jornalismo.
Enquanto os assessores maquiam a imagem, o repórter é incisivo e inquieto em descobrir a verdade nua e crua. A personalidade deles é tão incisiva que pode passar um ar incômodo, por ser “bisbilhoteiro” demais. Isso é o que a série te faz pensar: que errado é quem vai atrás da verdade.
No fim do dia são os jornalistas, tanto assessores quanto repórteres, que decidem o que vai ser visto, lido e ouvido. É um relacionamento conturbado já que as partes têm uma dificuldade tremenda em entrar em acordos. O repórter vai em busca da verdade, enquanto o assessor libera a sua melhor verdade.
A comunicação
Apesar da personagem principal ser a vice-presidente, e da sua equipe ser essencial o tempo inteiro, o que fica em evidência é quanto a comunicação e a imagem são essenciais para um político. Em um cenário político, a comunicação é a política.
Isso pode representar perigos. Ao tentar preservar a imagem, coisas mais importantes podem ser deixadas de lado. Um exemplo absurdo mostrado na série é de um estopim de guerra desencadeado pela vice-presidente. Ele pode ser parado caso ela faça uma retratação, ou seja, corrija seu erro. Eles demoram a tomar essa decisão porque afetará negativamente sua imagem. Fica o questionamento: é melhor preservar o país de uma guerra ou uma líder política?
Parece bobagem, mas perguntas assim são feitas diariamente. Os estereótipos voltados à assessoria de imprensa nesta série beiram o absurdo, mas a verdade é simples: a comunicação é a ferramenta mais eficaz para a promoção de qualquer um. Quem está por trás é o responsável pela queda ou ascensão.
Cuidar das palavras, gestos, olhares, trejeitos e roupas se assemelha a um trabalho de babá. Em Veep, esse trabalho pode arruinar ou firmar toda uma nação, o que não foge muito da realidade.