Televisão educa?
- 25 de novembro de 2019
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- Thamires Mattos
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Amanda Januário
É difícil pensar em uma criança que não teve acesso a algum tipo de programa infantil. Eles enchem os olhos dos pequenos, que podem passar horas degustando uma imensidão de conteúdo. O campo é diversificado, e pode ser acessado de telas de TV até a smartphones. Os programas variam entre educativos e de puro entretenimento, mas, será que há algum tipo de filtro? Quais os efeitos desses programas sobre as crianças? Em entrevista à repórter Amanda Januário, o professor, compositor, ator, diretor e arte-educador Álvaro Petersen Júnior respondeu alguns desses questionamentos. Ele carrega uma bagagem sobre esse universo e tem vasta experiência, com participação direta em programas como Bambalalão, Cocoricó, Castelo Rá-Tim-Bum e Cristal Encantado, promovidos com fins educativos.
Amanda Januário: Álvaro, você teve várias experiências com programas infantis. Qual a sua visão sobre esses programas para as crianças?
Álvaro Petersen: O que é um programa infantil? Um programa que é feito para uma faixa etária. Então, ele tem uma linguagem especifica para esse público. O Cocoricó, por exemplo, é um programa com entretenimento educativo, então, tem uma proposta de entreter educando, mas educando valores universais, de civilidade. A TV Cultura tem a preocupação em produzir um programa infantil de entretenimento educativo dessa forma. Em outras emissoras, você tem programa infantil que não necessariamente é para esse entretenimento educativo. Ele é mais voltado para o consumo infantil. Então, esses programas infantis focados para uma faixa etária especifica, dão suporte para a criança – o que é diferente de compre isso, compre aquilo. Isso serve como distração, porque você pode colocar qualquer programinha no próprio celular ou qualquer audiovisual – pode ser TV aberta ou fechada, e isso distrai a criança. Ela fica ali, meio que tomada por aquela luz. Mas o programa infantil tem o conteúdo pensado. Como eu trabalhei muitos anos dentro da TV Cultura, via, por exemplo, o roteiro passar por um núcleo pedagógico que analisa tudo o que está sendo colocado ali, proposto para aquela programação, de acordo com a faixa etária. Isso eu chamo de um programa infantil.
AJ: Programas como Castelo Rá-Tim-Bum, Cocoricó e Vila Sésamo são exemplos de produtos que ensinam temas importantes na linguagem da criança. Porém, é notável que poucos canais de TV aberta investem em programas com esses objetivos. Por que isso acontece?
AP: Porque isso não é cobrado. A Fundação Anchieta (mantenedora da TV Cultura) não tem fins lucrativos. Não preciso vender nada. E, em outros programas, não: eu tenho que vender esse produto, ele está pagando, é o patrocinador. Antigamente, na TV aberta, você tinha um programa tão comprometido com o patrocinador, que era obrigatório ter o nome do produto. Um exemplo era o programa Estrela – nome do patrocinador (marca de brinquedos brasileira) –, e isso era uma regra que mudou após algum tempo. Mesmo assim, quem manda numa TV comercial é quem está pagando. Então, se eu quero vender minissaia para meninas de 5 anos, vai ser vendido. Essa é a ideia – comprometimento – e sempre foi uma grande discussão. Por que essas emissoras não se comprometem? Pois elas não têm obrigação, não há lei. Basta dar Ibope e ela está no ar. Claro que está dentro de uma faixa etária, que tolera algumas coisas, mas não propõe nada de questionamento ou reflexão às crianças.
AJ: Nesses programas que tem como objetivo passar valores, qual relevância você vê, por exemplo?
AP: Relevância total. Você está aqui me entrevistando justamente por isso. Tem muitos adultos de 30/ 40 anos que tiveram suporte de programas infantis dentro da sua educação. Não que o pai tenha colocado a criança assistindo uma TV Cultura e falando: “Olha, você tem que aprender isso porque é pra educação”. Não! A reponsabilidade disso é dos pais, mas o programa dá um suporte. Então ele tem total relevância. Você pode colocar aquela criança daquela faixa etária assistindo ao programa que ele não vai conflitar com nada dos seus valores educativos – claro, desde que você queira educar a criança.
AJ: É possível notar uma diferença comportamental entre crianças que assistem programas educativos daquelas assistem apenas de entretenimento?
AP: Eu posso falar pela minha geração, a geração que fez programas infantis. Enquanto eu fazia um programa infantil, tratava a criança como um ser humano inteligente, criativo e amoroso, com pensamentos próprios e atitudes interessantes; um ser com toda complexidade de alguém em desenvolvimento. A gente tinha, do lado oposto, programas que propunham uma banalização da sexualidade e uma infantilização do ser humano. Então, é só ver a consequência disso e do outro: a geração que cresceu consumindo essa banalização tem uma confusão de valores, e há outra que os têm de forma muito clara. Nesse sentido, eu sempre critiquei a isenção da responsabilidade na educação. Por que isso existia? Porque uma emissora tinha o comprometimento com suporte de valores e a outra não. Então, como eu faço para ganhar Ibope? Eu coloco sexualidade, estupidez, cor e consumo. Bom, eu tenho mais gente para assistir, o que é muito menos competidor, por tanto o que vai sair de uma geração e o que vai sair da outra? Banalização nunca é bom. Banalização não tem nada ver com democracia. Banalização nada tem que ver com direitos iguais. Banalização é banalização.
AJ: A tendência dos programas educativos infantis é crescer ou diminuir? Por quê?
AP: Não sei, depende da demanda. A Fundação Padre Anchieta ela tinha um proposito. Esse propósito, na questão infantil não está sendo feito, você só tem reprise. Eu não sei qual é o propósito. Uns anos atrás foi proibido vender produtos em programas infantis. Aí, acabaram-se todos os programas. Então é isso que eu estou falando. Por que que não tem? Porque não se vende mais nada. Os educativos não vendem nada. Mas quem paga? Numa estatal, quem paga isso é dinheiro do Estado. E a TV Cultura, que é subsidiada pelo Estado, não precisa do patrocinador. Então o governo colocava verba para isso. Só que, há muitos anos, a verba é desviada para outros fins. Nós temos um país que não faz mais nada no sentido de crescimento da cultura. Estamos a caminho da barbárie cultural. Se a juventude não assumir esse tipo de situação, vai piorar, porque, na nossa época existia grande crescimento para exploração, mas um grande movimento educativo. Agora parece que todo mundo está migrando para o outro lado. É preciso ter movimentos fortes de criadores culturais em cima dos valores da sociedade brasileira.
AJ: Na sua opinião, de que maneira os pais e a escola podem aproveitar deste tipo de conteúdo? É necessário algum tipo de cuidado para essa prática de consumo?
AP: Nas palestras que eu vou, há um tanto de pais e educadores que perguntam: “Ah, mais o que a gente pode fazer frente a essa enxurrada de programas? Como vocês que fazem programas de TV resolvem isso?”. É muito simples: Desliga a televisão e vai jogar bola. É fácil. A responsabilidade não é da televisão, é da família. É isso que o programa educativo diz. Quando você liga a televisão e você vê o Nino, o que ele está fazendo? Ele está brincando com as crianças e as crianças vão lá brincar com ele. A televisão está dizendo para você fazer isso. Se você desligar a televisão e for brincar com seus amiguinhos, é muito mais saudável. Agora, se você quiser uma outra proposta, liga a televisão e consuma o que eu estou te vendendo. Aí todo mundo quer Galinha Pintadinha, princesinha da Disney, Peppa Pig – esse monte de bobagem que as pessoas estão consumindo. Afinal, os pais não estão interessados, eles querem distrair seus filhos. Eles deveriam entrar em simbiose com a escola, com os professores, com entretenimento, com o clube, ao invés de jogar essas crianças e deixar que o entretenimento cuide delas. Não é assim que funciona. Essa que é a função do programa: dar um suporte. Você não cuida de ninguém, quem cuida é a família.