Suavização do sotaque no telejornalismo: uma questão de necessidade (e compreensão)
- 26 de outubro de 2022
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- Theillyson Lima
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Um sotaque muito carregado pode gerar ruído na comunicação e deixar a notícia em segundo plano.
Camilly Inacio
Em junho deste ano, a vencedora do Big Brother Brasil 2021, Juliete Freire, contou em suas redes sociais que ao fazer um teste para a dublagem de um filme internacional, pediram para ela neutralizar seu sotaque nordestino. A ex-BBB se sentiu ofendida e recusou a atender o pedido, tendo a voz descartada e dando lugar a outra pessoa.
Desde então, muitos comentários apoiando a artista foram publicados, além de discussões que se levantaram sobre o tema. Portanto, ao pensar sobre isso surge a dúvida: será que o sotaque precisa ser amenizado ao se tratar do contexto midiático ou é apenas uma forma de xenofobia disfarçada? Um sotaque carregado pode gerar ruídos na comunicação ou a forma como a pessoa fala não interfere nisso?
Dialetos e os meios de comunicação
Em diversas regiões brasileiras, o português, apesar de ser o mesmo, tem suas variações na forma de pronunciar, ou mesmo palavras que são utilizadas para diferentes fins e com diferentes significados, além dos próprios dialetos, que são uma variedade regional de línguas distinguidas por características de vocabulário, gramática e pronúncia, muitas vezes não são conhecidos por pessoas das demais regiões.
Como exemplo, temos o uso do termo “gaudério”, utilizado por pessoas da região sul, que se refere a um indivíduo sem ocupação, ocioso ou inativo, segundo o dicionário. Ou mesmo a palavra “arretado”, muito utilizada por pessoas do nordeste, e faz menção a alguém bravo ou mesmo a algo bom.
Essa pluralidade, faz do Brasil, um país extremamente rico culturalmente, portanto, deve-se reiterar que, de forma alguma, existe a intenção de que o indivíduo perca seu sotaque “natural”, pois com ele preserva-se sua origem e a beleza dessa diversidade.
Tendo isso em vista, um estudo feito sobre o tema “Sotaque e Telejornalismo: Representações de Comunicadores de Mídia Nordestinos”, percebeu que a maioria dos meios de comunicação ainda são flexíveis para com as variações linguísticas, mas o jornalismo mantém há muitos anos a defesa de que exista a suavização do sotaque. Acredita-se que a suavização de marcas regionais tornou-se parte importante no estilo de comunicação desses profissionais.
O grupo de pesquisadores percebeu que quando se fala desse contexto, existem sotaques que sofrem alguns tipos de preconceito, como o nordestino. Avaliando que “a presença desse sotaque pode ser considerada como um fator limitante para a ascensão no mercado de trabalho quando presente em situações de apresentação profissional”.
O uso de um sotaque muito forte na televisão, pode gerar separação, formação de estereótipos e discriminação. Portanto, a suavização do sotaque aumenta as possibilidades do comunicador no mercado de trabalho.
No entanto, a presença de características específicas na fala das pessoas, não é considerada um problema de comunicação. Dessa forma, o objetivo não é que a pessoa comece a falar com outro sotaque, o interesse é que essa suavização seja utilizada apenas durante o exercício profissional, sem a intenção de que esses profissionais percam as características de fala que representam a identidade da região a que pertencem.
Políticas Linguísticas
Para falar sobre a utilização e suavização do sotaque, é preciso entender sobre as políticas e planejamentos linguísticos. Segundo uma pesquisa realizada pela Revista (Con)Textos Linguísticos, com o tema: Sotaque no Telejornalismo Brasileiro: Uma Questão de Política Linguística, a política linguística seria a determinação das grandes deliberações referentes às línguas dentro da sociedade.
Enquanto isso, o planejamento linguístico se referiria à implementação dessas decisões, e esforços para influenciar o comportamento de outros com respeito à aquisição, estrutura, ou alocação funcional de códigos de linguagem.
O trabalho discorreu sobre a presença dos sotaques no telejornalismo a partir da visão de política linguística proposta por Spolsky. É preciso então entender também que o domínio, para a Teoria da Gestão da Língua, é a ideia de um local que possui suas próprias regulações, geridas internamente, mas consideravelmente afetadas por forças externas provenientes de outros domínios.
Cada domínio é caracterizado por seus participantes, lugar e tópico. Os participantes cumprem papéis sociais e estabelecem relações entre si no interior do domínio. Já o lugar, se define como um espaço físico ou virtual que conecta a realidade física e social, assim, cada domínio possui assuntos característicos, de acordo com os tópicos.
Práticas Linguísticas
De acordo com o que foi tratado no artigo, as práticas linguísticas são as escolhas que os falantes fazem, de maneira mais ou menos consciente, quanto a traços fonéticos, lexicais, ou mesmo quanto à variedade ou língua utilizada em determinadas situações cotidianas.
A partir disso, é notado um padrão de fala característico do telejornalismo brasileiro, no qual a diversidade de sotaques regionais é suavizada. De acordo com os entrevistados que foram favoráveis a essa “padronização”, um dos principais motivos seria o desvio da atenção do telespectador.
Em relação à crença de que a presença do sotaque no telejornalismo tira o foco das informações veiculadas nas notícias, foi visto que, assim como o apresentado pela “Teoria da Comunicação” (que a presença de “ruídos” interfere na transmissão da mensagem entre emissor e receptor), os alunos entrevistados identificaram o sotaque como uma perturbação nesse processo de comunicação ideal.
O argumento utilizado por esses estudantes se concentra no fato de que os telespectadores teriam uma tendência a se concentrar no sotaque ao invés do conteúdo informativo das matérias. O sotaque é imperceptível para o ouvinte nativo daquela região, mas para pessoas de outras localidades é algo novo. E essa diferença causa o ruído na notícias.
Não pensando de forma preconceituosa, os estudantes afirmaram que é natural do ser humano ter a sensação de estranhamento ou de curiosidade ao se deparar com algo diferente da sua realidade, do seu natural. Pois a utilização do sotaque na TV de forma muito carregada faz com que o telespectador preste mais atenção ao sotaque em si do que na própria notícia
Teoria Matemática da Comunicação
Segundo a Teoria Matemática da Comunicação a transmissão eficiente das mensagens tem o centro de sua atenção na eficiência do processo comunicativo. Por isso, o estudo sobre essa teoria tem como objetivo melhorar a velocidade de transmissão de mensagens com distorções diminuídas e com o aumento do rendimento global do processo de transmissão de informações.
Ao falar sobre o telejornalismo, o principal objetivo é transmitir ao público uma informação de qualidade dos fatos e acontecimentos, verificando a veracidade dos mesmos. No entanto, ao abrir espaço para um ruído comunicacional, o objetivo principal deixa de ser alcançado, pois a informação não chegará ao receptor da forma como foi transmitida.
Ou seja, quando se fala em comunicação efetiva, a Teoria Matemática da Comunicação visa melhorar o processo para que a informação que chega ao receptor, seja mais próxima possível da informação “original”. Segundo o que foi visto, a melhor forma de cumprir com o objetivo desta Teoria é suavizando sotaques muito acentuados para que a comunicação exerça seu papel de forma plena.
Dessa forma, o sotaque deve estar presente no telejornalismo, mas não de uma forma “carregada”. O jornalista deve preservar como fala naturalmente, numa conversa cotidiana,sem utilizar expressões características de sua região. Não deve haver uma padronização da fala, mas uma suavização no sotaque de cada profissional. Não se trata de preconceito, porque a pauta não é compreensão. É uma questão de lógica.