“Somos uma sociedade distópica”
- 22 de setembro de 2015
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- Thamires Mattos
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Comportamentos iguais, desejos iguais, pensamentos iguais. Postura de comodismo frente à questões reflexivas, apatia e alienação, isolamento. Características frequentemente atribuídas ao que chamamos de “massa” (conceito construído por Ortega y Gasset). Se há uma “massa”, também existem mecanismos de informação, entretenimento, educação e fiscalização construídos para atender a ela. Papéis que, nos últimos 100 anos, os media dominaram com eficiência. A estes meios destinados à massa chamamos de “meios de massa”. Um dos conceitos defendidos pela Teoria Hipodérmica ou da Teoria da Bala Mágica criada no início do século passado por Harold Laswell, Paul Lazarsfeld e Robert Merton, prega que a mídia exerce influência psico-comportamental na sociedade. Segundo eles, seu poder é capaz de produzir efeitos rápidos e sem filtros na “massa”, numa relação de estímulo-resposta.
O poder desta mídia é usado frequentemente pelo Estado e por sistemas econômicos com fins de controle e manipulação. É desta situação de desequíbrio que nascem as distopias. Sobre este tema e sobre os mecanismos de dominação da mídia a repórter Camila Torres conversou com Vanderlei Dorneles. Ele é jornalista, mestre em Comunicação Social pela Umesp e doutor em Ciências da Comunicação pela USP.
Canal da Imprensa: O que é “distopia”?
Vanderlei Dorneles: Esse termo expressa o contrário do termo “utopia”, que alude a um lugar idealizado onde tudo está em ordem e onde a liberdade e a autonomia individual são cultivadas. A utopia, porém, é apenas uma ficção, o que existe mesmo na sociedade é uma condição distópica, com controles sobre os indivíduos sejam por parte dos governos ou do capital provado e dos meios de comunicação. De fato, não há uma sociedade ideal, mas real, e em muitos aspectos malévola.
Canal: A Teoria Hipodérmica de Lasswell afirma que a mídia insere conteúdos na mente das pessoas totalmente sem filtros. Este conceito é real? É possível controlar completamente uma sociedade através dos meios (tal qual pregam as distopias)?
Dorneles: No contexto da primeira metade do século 20 esse sistema foi amoladamente usado para explicar as reações das massas aos estímulos da comunicação social. Havia muitos fenômenos de massa, movimentos nos quais os indivíduos pareciam desaparecer assumindo um comportamento despersonalizado. Nos movimentos de massa não se verificava a ação individual, coletiva. Em grande medida, esses movimentos tanto na Europa como na América eram impulsionados pelo uso dos mas media. Em certos contextos, portanto, há a possibilidade de se verificar um efeito massificador dos meios.
Canal: Na prática, nossa sociedade vive (em qualquer aspecto que seja) uma realidade distópica?
Dorneles: O que existe de fato é uma sociedade distópica, não utópica. Vivemos em condições não idealizadas, nas quais nossas ações muitas vezes atendem mais aos interesses do sistema político-econômico do que as nossas necessidades reais.
Canal: Na visão de Lasswell e Lazarsfeld quais são as funções sociais da mídia?
Dorneles: Para eles, os meios servem para ordenar e organizar a sociedade, sendo instrumentos indispensáveis nas sociedades modernas.Eles seriam substitutos da família e da tradição e teriam um papel estruturador sociedade.
Canal: Depois de quase 100 anos de estudos a respeito da comunicação, a Teoria Hipodérmica ainda é válida como explicação, no que diz respeito aos processos comunicativos?
Dorneles: Para algumas situações específicas ela sempre terá sua aplicabilidade. No entanto, com o paradigma da cultura e da individualidade, tão centrais na pós-modernidade, as pessoas já não são vistas como recipientes passivos, mas como seres individualizados, portadores de memórias, histórias e culturas particulares. Tem sido constatado que as pessoas reagem de forma diversa em face dos mesmos estímulos dado a sua experiência particular e diferenciada. Os estudos culturais não invalidaram totalmente as teorias da cultura de massa sejam as socialistas ou capitalistas, mas eles trouxeram novas questões e evidências que desafiam grandemente esses estudos da primeira metade do século 20.
Canal: Em tempos pós-modernos é correto dizer que a “passividade” foi eliminada? (Ela existiu de fato alguma vez?)
Dorneles: Os meios de comunicação também têm servido para instruir e desenvolver o espírito crítico das pessoas. Não se pode mais falar de passividade absoluta. No entanto, muitas pessoas, sob estímulos midiáticos ou outros de qualquer natureza, não conseguem pensar por si mesmas. Essa porcentagem da sociedade sempre dependerá de que alguém tome decisão por ela.