Racismo: arma apontada para as costas
- 13 de outubro de 2015
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- Thamires Mattos
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Um trecho da música Racismo é Burrice do cantor Gabriel O Pensador diz que “no Brasil somos todos mestiços / Nascemos da mistura, então por que o preconceito?”. Apesar da ênfase na miscigenação descrita no trecho acima, o racismo é um problema recorrente na sociedade brasileira. A cor da pela indica os preconceitos que a pessoa irá enfrentar em seu dia a dia, e de acordo com o músico, ao que parece a sociedade ainda não percebeu que “racismo preconceito e discriminação em geral / É uma burrice coletiva sem explicação”.
Racismo e seus impactos sobre a sociedade brasileira é o tema da entrevista dessa edição. Quem fala sobre o assunto é o Dr. Juarez Tadeu de Paula Xavier. Ele é professor colaborador credenciado no Programa de Pós Graduação Mídia e Tecnologia [PPGMiT] [FAAC/UNESO/Bauru] e coordenador executivo do Núcleo Negro UNESP para Pesquisa e Extensão, com experiência em afrodescendência e racismo.
Luciana Ferreira
Canal da Imprensa: Sobre conceitos, o que é racismo, discriminação e preconceito?
Juarez Xavier: Preconceito está ligadoà ideia de menor valia de um grupo. A ideia é subjetiva, mas toma corpo social, materializando-se no imaginário social. Mesmo quando você desmonta com informações essa ideia, ela demora para se dissolver, pois está impregnada no subconsciente da sociedade. O preconceito pode, porém, ser objetivo de políticas públicas que desmontem sua presença no imaginário social, como no caso da Lei 10.639. Seu objetivo é, por intermédio da história das(os) africanas(os) e da África, diluir o preconceito contra as civilizações africanas, suas tradições e cultura. A discriminação é o ato discricionário, segregador, em todas as dimensões: econômicas, políticas, culturais, sociais e espaciais. Sua ação objetiva tirar os segmentos segregados da invisibilidade. As cotas são instrumentos importantes para o ingresso em áreas reservadas aos grupos hegemônicos, e assegura o ingresso dos segmentos em condições vulneráveis em espaços outrora vetados, como nas universidades. O racismo é o grau de morbidade da população negra, à despeito das relações subjetivas que um ou outro indivíduo possa ter em suas relações sociais. Ele é sistêmico e distribui bens materiais e imateriais baseados na cor da pele. O índice de jovens negros mortos no país é o retrato extremado do racismo. Superá-lo implica mudanças estruturais do país. Não é uma mudança de governo, mas de estruturas do estado.
Canal: O Racismo pode ser considerado um mal universal?
Xavier: Sim, pois ele foi globalizado pela exploração do capital, na época da colonização, e pelo capitalismo moderno. As ocorrências na Europa mostram o efeito do racismo naquele continente que, de lá, se espraiou para os demais continentes, sempre com a visão distorcida da superioridade dos europeus em relação aos demais povos do mundo.
Canal: Por que, mesmo sendo um país nascido da miscigenação, o Brasil é uma nação tão racista?
Xavier: Pela natureza do estado, montado à partir da década de 1850, com a aprovação da Lei da Terra [exigência de poupança pessoal ou familiar para a compra desse bem produtivo], adoção de uma política lenta, gradual e restritiva para o fim da escravidão e, (trágico), a agressiva política de substituição populacional, com as ondas migratórias de 1870 a 1930. Toda essa política lastreada numa ação pautada pelo racismo científico, que pregava que em cem anos a presença cultural e física do negro seria eliminada no país, segunda João Batista Lacerda.
Canal: O que diferencia o racismo brasileiro do racismo de países que segregam declaradamente (caso dos EUA)?
Xavier: Segundo o movimento negro na década de 1970, lá o negros tem uma arma apontada para o seu peito; no Brasil, ele tem uma arma apontada para as suas costas. O racista no Brasil não se expõe. A máquina repressiva do estado faz o trabalho sujo por ele. Nas recentes manifestações é que os racistas brasileiros tornaram públicas suas posições. Nos Estados Unidos eles são “claros” em relação a essa política segregacionista.
Canal: Com relação a questões de racismo, a mídia brasileira é neutra ou tendenciosa?
Xavier: Ela é racista e reproduz todos os estereótipos do racismo, na produção dos seus gêneros e dos seus formatos.
Canal: A inclusão de alunos por meio de cotas influencia no aumento do racismo nas universidades?
Xavier: Sim, se não houver uma política externa e interna de combate ao racismo institucional. A universidade precisa desenvolver políticas de combate às práticas racistas, discriminatórias e preconceituosas nos espaços acadêmicos, como indica a LDB e sua educação para a diversidade.
Canal: O que é este processo chamado de branqueamento da sociedade?
Xavier: Política adotada pelo estado brasileiro, no final do século 19 e início do século 20, que articulou a imigração de povos europeus com o aumento da morbidade da população negra no país. Política desenhada pelo estado nacional, adotada com agressividade até a metade do século 20, mas que naufragou ante a realidade social, que indica, segundo o IBGE, que a maior parte da população brasileira é autodeclara preta ou parte: Afrodescendente!