Prejuízos imensuráveis
- 30 de setembro de 2019
- comments
- Thamires Mattos
- Posted in Entrevista
- 3
O assunto das queimadas na Amazônia está na boca do povo. Mas falar é ineficaz quando não há argumentos, embasamento e sentido. Em meio a tantas fontes de informação e desinformação, como encontrar o caminho para entender melhor o que está acontecendo? Para isso, a repórter Rafaela Vitorino conversou com a bióloga e professora de Direito Larissa dos Reis Nunes. Larissa é professora no Centro Universitário Adventista de São Paulo, e ministra as aulas de Direito Ambiental, entre outras.
Rafaela Vitorino: O que podemos fazer para ajudar o meio ambiente de verdade?
Larissa dos Reis Nunes: Acredito que hoje em dia nossas ações individuais podem fazer muita diferença na preservação do meio ambiente. E isso se relaciona com o que é chamado de “consumo sustentável” ou “consumo consciente”. As indústrias e grandes corporações retiram mais da natureza do que ela é capaz de renovar, e isso ocorre porque há uma demanda para tanto; e essa demanda é criada por nós. Além disso, o processo de urbanização afastou a sociedade do seu contato com a natureza, fazendo com que a lógica dos ecossistemas e sua importância não sejam contabilizados no dia-a-dia da maioria das pessoas. Precisamos ter consciência de que a natureza possui leis e limites próprios, e que precisamos respeitar essas leis e esses limites. Afinal, sem os recursos naturais, não há possibilidade de vida humana. Assim, a conscientização individual é o que vai fazer diferença na mudança desses padrões de consumo. E, nesse sentido, temos diversas ações que são efetivas e que todos conhecem, como: usar menos plástico, reciclar, etc.. Porém, o que mais faz diferença como ação individual no que chamamos de “pegada ecológica”, que mede quanto de recursos naturais são necessários para manter seu estilo de vida versus a capacidade da natureza se renovar, é deixar de comer carne.
RV: Como votar de modo consciente? É possível prevenir esses incidentes por meio do voto?
LRN: Procuro sempre votar em candidatos que demonstrem sua efetiva preocupação com o meio ambiente. Portanto, na hora de votar, a questão da preservação do meio ambiente deve ser uma das preocupações centrais do político em que se vota. E acredito que devemos ter esse tipo de consciência em todas as eleições, especialmente as do poder legislativo, que são os candidatos que irão efetivamente produzir legislações que fortaleçam a proteção do meio ambiente e, com isso, a prevenção de possíveis acidentes.
RV: O Brasil tem uma boa legislação ambiental? Ela é seguida?
LRN: O Brasil tem uma excelente legislação ambiental. Porém, temos dois problemas principais: A fiscalização é precária; e vivemos um momento de desmonte da estrutura de gestão ambiental no país que influencia justamente nos órgãos fiscalizadores.
RV: Como funciona a legislação de desmatamento na Amazônia? O que acontece de legal e não legal?
LRN: Temos diversos instrumentos protetores de ecossistemas sensíveis e espaços territoriais especialmente protegidos no nosso país. Há o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o Zoneamento Ecológico-Econômico, o Código Florestal. Para dar um exemplo, tomemos o Código Florestal. Há previsão da “Reserva Legal”, que incide sobre todo imóvel territorial rural, e, na região de florestas da Amazônia Legal, esta reserva precisa cobrir 80% do território do imóvel. O proprietário pode explorar esta reserva apenas de maneira sustentável e permitida pelo órgão ambiental responsável. Temos aí, então, diversas regras sobre o manejo florestal sustentável. E este é apenas um exemplo das limitações ao manejo das florestas na região amazônica. O problema está na questão da fiscalização. Trata-se de uma região imensa e difícil de ser fiscalizada na sua totalidade justamente por isso. Até poucos meses contávamos com a ajuda de verbas de países interessados na preservação da região, porém, infelizmente, estas verbas foram cortadas devido ao desmonte que está ocorrendo na gestão ambiental do país.
RV: Qual é o interesse dos outros países na Amazônia? Existe interesse em proteger o meio ambiente ou tudo se trata de interesse econômico?
LRN: Depende. Desde a década de 1970, temos uma crescente preocupação real com o meio ambiente, o que fez surgir o direito ambiental internacional, que se fortaleceu bastante ao longo dos anos. O movimento internacional a favor do meio ambiente fez os ordenamentos jurídicos internos, ou seja, de cada país, possuírem legislações específicas de preservação do meio ambiente. No Brasil, isto se refletiu na nossa própria Constituição, que fez surgir o que muitos especialistas definem como Estado Socioambiental Democrático de Direito. Portanto, há um interesse genuíno na preservação do meio ambiente no âmbito internacional. Mas, não podemos ser ingênuos: também há interesses econômicos fortes neste jogo, inclusive por parte de governantes brasileiros em parceria com iniciativas privadas, nacionais ou internacionais.
RV: Na época da colonização, houve um imenso desmatamento da Mata Atlântica. Você acredita que o mesmo pode acontecer com a Amazônia?
LRN: Infelizmente, sim. A ganância e a lógica “separatista” do homem, de achar que se construirmos cidades destruindo a natureza vamos viver melhor, pode gerar essa catástrofe. A ideia de que devemos explorar a Amazônia para crescermos economicamente é absolutamente equivocada. O lucro será apenas momentâneo, e o prejuízo será imensurável.