Patrizia Gucci: injustamente acusada como vítima
- 23 de agosto de 2022
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Algumas pessoas têm o privilégio de matar.
Adalie Pritchard
A figura da femme fatale tem estado presente na literatura e cinema por séculos. Amamos personagens femininas ambiciosas, manipuladoras e perigosas, desde que sejam lindas e ricas. Elas acham melhor “chorar em um Rolls-Royce do que ser feliz em uma bicicleta” e utilizam sua feminilidade como uma ferramenta para conseguir o que querem. Patrizia Gucci parece roteirizada, e, por tanto, é enxergada como uma personagem complexa, defeituosa e intrigante.
Patrizia Reggiani e Maurizio Gucci, o neto do fundador da Casa Gucci, se conheceram em uma festa da elite de Milão. Apesar da oposição do pai de Maurizio, que acreditava que Patrizia era uma alpinista social, os dois se casaram e tiveram duas filhas. Patrizia, com seu caráter forte, aconselhava o esposo sobre o negócio com uma mentalidade de que “não há crime que o dinheiro não possa comprar.”
Quando Maurizio partiu para uma viagem de negócios a Florença com sua amante, e nunca voltou, o casamento foi ladeira abaixo. O processo de divórcio durou quase uma década. Contudo, Patrizia não odiava seu ex, ele a irritava. Tanto assim, que procurou um assassino de aluguel com a ajuda de uma cartomante e sem muita discrição para acabar com ele de vez. Em uma entrevista com o Guardian, quando questionada sobre ter contratado um assassino, respondeu: “Minha visão não é tão boa. Eu não queria errar.”
No entanto, a chamada Lady Gucci não chamou a atenção da mídia no momento do assassinato do marido. O nome “Patrizia Reggiani” nem apareceu na matéria publicada pelo New York Times sobre a morte em 1995. Quando foi detida na Itália, foi chamada apenas da “ex-mulher” de Maurizio Gucci na manchete do jornal.
Patrizia claramente era culpável e não mostrou um pingo de arrependimento pelo crime. A seguinte mensagem de voz para Maurizio foi reproduzida em corte: “Você é um apêndice doloroso que todos nós queremos esquecer. Para você, o inferno ainda está por vir” ameaçou, entre outras frases melodramáticas. Ela recebeu uma sentença de 29 anos de prisão pela organização do assassinato. Foi elegível para liberdade condicional sob um programa de liberação de trabalho, mas recusou, dizendo: “Eu nunca trabalhei na minha vida e não vou começar agora”. Eventualmente cedeu a oportunidade e foi liberada em 2016.
Foi a partir do julgamento, vestida de pé a cabeça em roupas Gucci, que a assassina começou a ser romantizada e recebeu o apelido de viúva negra. Esta admiração atingiu todo o seu potencial com a estreia do filme Casa Gucci sob a direção de Ridley Scott em 2021. Como consequência do filme, a mídia encheu de detalhes sobre a intrigante estilo de vida de Patrizia.
A obra foi filmada desde a perspectiva de Patrizia Gucci, estrelado por Lady Gaga. No filme, ela é retratada como uma vítima, procurando sobreviver em uma cultura corporativa dominada por homens. O início é um conto de fadas e a escolha de uma atriz simpática é prova dessas intenções.
Os integrantes restantes da família Gucci reclamaram que a obra cinematográfica estava explorando uma tragédia familiar. Em contrapartida, o diretor argumenta: “Você tem que lembrar que um Gucci foi assassinado e outro foi preso por sonegação de impostos, então você não pode discutir comigo sobre lucros”. Para o senhor Scott, as ações da família Gucci têm como consequência automática se tornarem parte do domínio público.
Seja justo ou não priorizar a licença artística sobre uma tragédia familiar, o caso da Patrizia Reggiani é um exemplo de como o estar em uma posição alta na pirâmide social, pode justificar alguns pecados na visão da mídia. Abuso de substâncias, sonegação de impostos, inclusive assassinato, são vistas como “chique” na mídia, quando são feitos pela elite.