Panaceia: remédio para todos os males
- 8 de junho de 2015
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- Thamires Mattos
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Na mitologia grega, Asclépio ou Esculápio (para os romanos) era filho de Apolo e deus da medicina. Ele teve duas filhas, Hígia (de onde deriva higiene) e Panaceia. ‘Pan’ significa todo e ‘akos’, remédio. A junção dessas duas partes fazem alusão a capacidade que Panaceia tinha de curar todas as enfermidades. Qual deve ser a “panaceia” necessária para se resolver todos os impasses da área de saúde no Brasil?
Para falar sobre esse assunto, conversamos nessa edição de “Saúde no Brasil” com a doutora em Ciências Médicas pela Unicamp, Lanny Cristina Burlandy Soares. Confira abaixo a entrevista concedida ao Canal da Imprensa.
Daniela Fernandes
Canal da Imprensa: Hoje, no Brasil, quais são as principais dificuldades enfrentadas no sistema público de saúde?
Lanny Soares: O que tem acontecido é que o sistema de saúde no Brasil está saturado, ou seja, a gente tem uma demanda muito grande, uma necessidades muito grande e a nossa estrutura de saúde não tem dado conta de toda essa necessidade. Então, vemos que há um estrangulamento. Existem alguns setores que não conseguem ser atendidos e quando temos alguma coisa a mais, como é o caso das epidemias (dengue, etc), aí percebemos uma exacerbação do problema. Pois se já havia uma dificuldade antes, imagina depois com esse aumento da necessidade advinda de enfermidade emergenciais.
C.I.: Você acredita que os governos estaduais e, também, o governo federal investem pouco nesse setor?
Lanny: A saúde tem um investimento dos três poderes, inclusive existe uma discussão em relação a municipalização da saúde, ou seja, para deixar que o município tome conta do orçamento. Hoje não é assim, existe uma parte que cabe ao Governo Federal, Estadual e Municipal. O que eu tenho visto é que os municípios (quando podem) fazem um esforço a mais além daquilo que é esperado com relação ao investimento na saúde, a fim de tentar atender os seus munícipes. Nessa última aprovação do orçamento federal houve uma redução da nossa verba para a saúde. Então, infelizmente, nós temos um montante de dinheiro, uma quantidade de verba, que não é suficiente e que, por isso, não dá conta de nos atender. Além de tudo, nós também temos problemas de déficit de profissionais em alguns lugares. Existe alguns probleminhas nessa questão de gestão. A princípio, o custo da saúde é muito alto. Nós temos pensado muito na medicina curativa e não na medicina preventiva. Se houvesse uma mudança, se começássemos a pensar no investimento da promoção da saúde, o custo seria muito menor. A Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que esse custo é de quatro a cinco vezes menor, logo poderíamos reverter esse quadro com o passar dos anos. Porém, hoje, o que a gente vê é que a maior parte do nosso investimento na área da saúde é feito para atender as necessidades que já existem.
C.I.: O Governo Federal tem tomado algumas medidas. O que pensa sobre o programa ‘Mais Médicos’?
Lanny: A tentativa foi de atender essa falta de profissionais que existe. Particularmente, acredito que um profissional brasileiro, com a nossa formação, atende melhor. Se o Governo Federal pensasse em reestruturar essa questão da formação médica no Brasil, dando oportunidade de mais escolas e profissionais brasileiros, acredito que o sucesso seria maior. Eu entendo que isso foi feito em caráter emergencial, mas se fizéssemos uma estrutura com os nossos alunos e profissionais nativos e formados em sua respectiva região, haveria, creio eu, mais êxito. O Brasil é uma nação muito grande. As demandas da Região Norte, por exemplo, são particulares. Se o profissional é formado lá e atende lá, é claro que a situação fica mais harmoniosa. Uma política a médio e longo prazo que tenta organizar melhor nossas escolas médicas teria mais resultado.
C.I.: A solução pode ser a privatização do sistema de saúde?
Lanny: Eu não sei se eu acredito na privatização. Acredito que temos que de alguma maneira melhorar a gestão pública. Às vezes, a privatização tem uma gestão mais organizada e eficaz e a dificuldade da gestão pública é exatamente fazer isso. Existe uma interferência muito grande do poder político que dificulta bastante. O profissional técnico deveria ter a autonomia e responsabilidade técnica para lidar com a questão, contudo há uma intervenção de outras áreas. A cada ano, quando são mudados os poderes políticos há uma mudança na maneira de como lidar com a saúde. Esse tipo de coisa não é saudável. Há programas, esses programas precisam ser mantidos, as pessoas precisam continuar sendo atendidas. Assim, essa continuidade na área da saúde é fundamental.
C.I.: Não são programas de saúde social, mas sim programas eleitoreiros?
Lanny: Sim. Eu já trabalhei com saúde pública diretamente e sentia exatamente isso. Muitos programas foram interrompidos, políticas foram alteradas…Isso não pode acontecer! Políticas públicas de saúde devem ser mantidas independente dos gestores (prefeitos, governadores). Deveria haver uma continuidade. As pessoas têm necessidades, esses programas estão aí para atender demandas reais e a gente não poderia ver interrupção nem descontinuidade.
C.I.: Na sua opinião, os meios de comunicação tratam adequadamente o assunto saúde?
Lanny: Às vezes, tenho dúvida se a maneira como a abordagem é feita é compreensível para a população menos envolvida com o problema. As pessoas que têm um pouco mais de contato com a mídia, um pouco mais de leitura um pouco mais de acesso à informação compreendem essa problemática. Uma grande parte da nossa população, pelo fato de não ter esse contato mais direto, não entende exatamente o que está acontecendo e é de alguma forma excluída. Essas pessoas são geralmente as mais prejudicadas, pois são em sua maioria dependentes do sistema público de saúde. Quem tem mais informação e mais acesso geralmente tem um plano de saúde à parte e não depende necessariamente do sistema público. As pessoas que estão à margem ou excluídas são aquelas que estão de fato dependentes desse sistema.