Pacto Brutal e a versão da vítima que a mídia não contou
- 23 de agosto de 2022
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Como o documentário conseguiu sair do gênero de crimes reais para um resgate histórico.
Franciele Borges
No final de 1992 os brasileiros ficaram chocados com um crime bárbaro cometido no Rio de Janeiro. A atriz Daniella Perez, filha da dramaturga Glória Perez, foi assassinada friamente com 18 punhaladas pelo ator Guilherme de Pádua, 23 anos, com quem fazia papel romântico na novela ‘De Corpo e Alma’, escrita por sua mãe. Pádua planejou a morte da jovem de 22 anos com a ajuda de sua esposa, Paula Thomaz, a qual estava grávida na época. Ambos confessaram o crime à polícia.
No dia 28 de dezembro, noite do assasinato, Daniella e Guilherme estavam nos estúdios da Globo e ao terminarem as gravações, saíram para atender um grupo de fãs que queriam tirar fotos. A atriz não imaginava que naquela noite teria seus últimos momentos com vida. Muito menos que o seu par romântico na ficção seria seu assassino na vida real. Se a arte imita a vida, o último capítulo desse amor, se tornou trágico e sangrento.
No dia seguinte, 29, o delito repercutiu na imprensa internacional e despencou a audiência dada ao discurso de renúncia do presidente Fernando Collor. Naquela manhã toda atenção dos brasileiros estava voltada para o velório e a busca da polícia pela identidade do criminoso, que se fazia presente na delegacia disfarçado de ‘amigo’ dos familiares da vítima sem ninguém desconfiar.
Por que Daniella foi morta?
Guilherme passou por vários interrogatórios até o momento de seu julgamento e em nenhum deles contou o motivo que o levou a tirar a vida da jovem. Até hoje, 30 anos depois, ele sustenta um mistério para esconder o fato. Em alguns episódios ele entrou em diversas contradições que intrigaram mais os investigadores. A princípio Pádua alegava que Daniella estava se aproximando dele com segundas intenções que comprometeriam seu casamento. Os colegas e funcionários negaram essa acusação por conhecerem o perfil dela. A segunda versão era que Paula Thomaz tinha ciúmes da atriz por conta das cenas de beijos que atuavam na novela.
Entretanto, ambos não convenceram o júri. Pensando bem, não existe nenhum motivo justificável para tirar a vida de alguém que não se torne crime. Aliás, a legítima defesa é a única forma de matar sem ser crime dentro da legislação brasileira. Mas não foi o caso dessa brutalidade. O processo que se seguiu por quatro anos demonstrou que Guilherme queria mais visibilidade ao seu personagem, o Bira.
Daniella viveu a mocinha Yasmin. A personagem recebeu destaque no Brasil por ser meiga, simpática e bonita. Seu figurino foi copiado por muitas meinas da mesma idade. Glória Perez fazia questão de pedir à equipe da novela fazer pesquisas nas ruas para saber o que os telespectadores queriam que acontecesse entre o casal. No roteiro, eles terminam o envolvimento devido a uma sequência de ciúmes provocados por Bira. Não estando mais juntos, Yasmin ficou com mais cenas que ele e alguns capítulos o ator simplesmente não apareceu. As investigações apontam que Guilherme pediu para Daniella interferir na escrita dos capítulos para favorecer a fama do personagem Bira. O pedido não foi atendido.
Na noite do crime, Guilherme e Daniella fizeram justamente a cena do término. Saindo dos estúdios, atenderam o grupo de fãs e cada um entrou em seu carro. Antes de ser levada ao local que seria deixada morta, a atriz parou em um posto de gasolina para abastecer. Guilherme a seguia com Paula no carona. Ele posicionou o carro em frente ao do dela para obstruir a passagem. Dani desceu e foi ao encontro do seu colega para saber o porquê da atitude. Pádua covardemente desferiu um soco no rosto da jovem que a fez desmaiar.
O casal a levou para um matagal da Barra da Tijuca, zona norte do Rio, e ali mesmo apunhalaram seu coração, pescoço e pulmões. O corpo foi encontrado por um policial que recebeu um chamado referente ao Escort de Daniella que foi abandonado pelos criminosos.
O julgamento
Guilherme e Paula foram acusados de “homicídio qualificado pelo motivo torpe e por terem utilizado recurso que dificultou a defesa da vítima”. O procedimento adotado foi do Tribunal do Júri, uma vez que qualquer tese de homicídio culposo foi descartada, dada a premeditação do crime.
Em 15 de janeiro de 1997, quase cinco anos após o ocorrido, Guilherme de Pádua foi condenado a dezenove anos de prisão, dos quais já havia cumprido quatro. Apesar de recorrer da sentença, sua pena foi mantida.
Antes do caso Daniella Perez, o homicídio qualificado não era considerado crime hediondo, e, portanto, o tratamento dado ao autor desse delito não seria tão rígido como o previsto na Lei 8.072/90.
Em razão disso, a escritora Glória Perez, mãe de Daniella, liderou um movimento que defendia a inclusão do homicídio qualificado no rol dos crimes hediondos, conseguindo, em 1994, 1,3 milhão de assinaturas para aprovação de um projeto de lei nesse sentido.
O documentário deu voz à vítima
Sem dúvida a HBO Max acertou na produção do documentário com cinco episódios refazendo a história do caso Daniella Perez na versão das vítimas. No caso, Glória Perez conduziu a narrativa que se seguiu com demais convidados como a jornalista Glória Maria (que entrevistou Pádua na cadeia), os atores Fábio Assunção, Eri Johnson, Cláudia Raia, entre outros. A presença do ator Raul Gazolla, então marido de Daniella, deu imagens às tristes lembranças ao saber da morte da esposa e a repulsa que sentiu ao conhecer a identidade do criminoso, que na noite do crime, agiu com tanto cinismo a ponto de abraçar o recém viúvo, lamentando a perda.
Além de contar os relatos de pessoas tão próximas a Daniella, o julgamento ganha evidência por mostrar que a justiça pouco se importou com o caso que levou quatro anos para ser julgado e que manteve os assassinos presos por apenas sete anos. Hoje, em liberdade e com vida ativa na sociedade, o trabalho audiovisual questiona por meio de provas, depoimentos e as fotos do corpo de Daniella, se de fato eles pagaram pelo que fizeram, mostrando como o julgamento foi brando com o casal.
Sem dúvida, o documentário revive a dor de uma mãe que perdeu uma filha de uma forma tão cruel, brutal e calculista. Trinta anos depois, Glória Perez demonstra em seu depoimento a saudade de uma moça que vive eternamente em seu coração. Este ano, Daniella estaria completando 52 anos, porém, a escritora prefere sempre chamá-la de “minha menininha”.