O jornalismo de saúde do Brasil não informa o básico
- 10 de maio de 2023
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- Theillyson Lima
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O problema de reproduzir pesquisas científicas na editoria de saúde
Sâmilla Oliveira
Quantas vezes você já entrou em um portal jornalístico para consultar qual posto de saúde tinha o serviço que você precisava? Pode até ter acontecido, mas ainda desconfio que a página de um jornal não seja a primeira fonte de informação que você acessa para buscar dados como esse.
O jornalismo de saúde é talvez a mais importante das editorias. Sem menosprezar outros ramos, podemos concordar que sem saúde, nada sobrevive. Poderia gastar muitas linhas explicando a importância do jornalismo de saúde, se não fosse tão óbvio. Vou resumir em uma linha: a saúde é o maior patrimônio do ser humano.
Análise
Para fins comparativos, apresentarei a seguir os perfis de dois jornais que são referência no Brasil. Essas são fontes de informação consideradas válidas e respeitadas por muitos brasileiros.
A Cable News Network, mais conhecida por CNN, é uma rede de notícias famosa em todo o mundo por oferecer cobertura jornalística 24 horas. A capacidade de entregar o ao vivo com elegância, desde a sua fundação em 1980, é a sua característica mais aclamada. Mas não estamos aqui para bajular um veículo, não é mesmo?
Falemos agora, então, sobre a Folha de São Paulo. Fundada em 1921, é, de acordo o Instituto Verificador de Comunicação, o IVC, o segundo maior jornal brasileiro em circulação no Brasil. Hoje, a Folha faz parte da indústria das comunicações, abrangendo jornais, banco de dados, instituto de pesquisas de opinião, serviço de informação e entretenimento em tempo real, assim como a CNN.
Um ciclo vicioso
Aparentemente, a promessa de entregar serviços em tempo real é a qualidade que mais chama a atenção dos clientes dos dois portais. A CNN e a Folha de São Paulo são reconhecidas internacionalmente. Acontece que ao invés de informar a população com questões palpáveis, publicam matérias com títulos como: “Joice Hasselmann lança protocolo de emagrecimento rápido após perder 22 kg” e “Cães idosos com demência têm menos sono profundo, diz estudo”.
Por favor, entenda que não estou questionando a veracidade dos temas. Estou apenas levantando a relevância de matérias como essas no seu dia a dia. Será mesmo que não existem temas ainda mais pertinentes para tornar conhecido ao país inteiro? Hoje, na editoria de saúde, o brasileito tem a sua disposição uma porção de matérias sobre informações já existentes, sem iniciativa ou novas ideias para contextualizar os dados apresentados.
Em uma comparação direta, a CNN ainda sustenta a sua relevância com relação aos títulos da Folha. Se valendo de criatividade e usando (às vezes) pesquisas como ganchos para outros assuntos, a CNN aparenta ainda não ter largado a editoria de saúde às traças dos releases de pesquisas científicas.
Por outro lado, a Folha de São Paulo parece ter uma abordagem mais tradicional e acadêmica no que se refere ao jornalismo de saúde, privilegiando mais ainda dados estatísticos escolhidos, aparentemente, de forma aleatória. Parece problemático?
Na verdade, é uma pena que seja assim. A editoria de saúde tem o poder de educar contra a desinformação. É evidente a impossibilidade de publicar todos os dias fatos inéditos sobre o posto de saúde de cada cidade. Mas cair no vício de reproduzir pesquisas científicas, sem se aprofundar em outros temas é o caminho para conquistar uma audiência desinformada e enjoada de “fatos curiosos”.
Sobre a vida real
Sejamos francos. O que você já leu sobre a qualidade da alimentação nas escolas públicas? O que leu sobre o tempo de espera para fazer uma cirurgia simples pelo SUS? E quanto aos seus direitos quanto ao acesso a remédios? Pode até ser que você seja um expert nos assuntos que acabei de citar, mas duvido que títulos parecidos com esses chegaram até você por uma notificação de publicação de um desses jornais.
O brasileiro não tem tempo para lidar com os interesses das empresas fabricantes de produtos ou prestadoras de serviços. Sem sensacionalismo. Quantas vezes já lemos promessas sobre a cura total para AIDS ou câncer? Sabemos que criar expectativas sem um fundamento válido não faz parte dos procedimentos de um jornal que se preze.
O jornalismo nunca deveria ser apenas reativo. Simplesmente reagir a pesquisas científicas é o trabalho mais vadio de todos os tempos. Aproveitar o que já existe só para não deixar de publicar é o cúmulo do sem assuntismo. É ainda pior por ignorar pautas muito mais urgentes e atuais. Se tivéssemos jornais que abraçassem a ideia de propor soluções e mostrar a realidade da saúde no Brasil sem filtro, o combate à desinformação seria mais eficaz.
Deixo como última consideração o que já escrevi nas entrelinhas: a editoria de saúde precisa ser mais proativa em levantar temas de interesse público. Ir além da mera reprodução de pesquisas científicas e se tornar mais engajado e criativo. Estamos fartos de mais do mesmo. É competência dos jornais usar as editorias de saúde para educar e informar o que o povo precisa saber.