Mortes em massa – o plantão da cobertura jornalística
- 2 de junho de 2021
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Nem toda notícia relevante vira capa, o jornal tem seus preferidos
Ana Clara Silveira
Já quis ser repórter de guerra. Convenhamos: há um certo heroísmo na figura do jornalista que se coloca na linha de frente. A paixão pela história, a busca pela informação a todo custo e as trajetórias por lugares perigosos fascinam boa parte desses comunicadores. Mas nem só de bons enredos sobrevive a televisão, jornais e revistas. Tem notícia que revira o estômago e te faz respirar fundo. Mortes coletivas. Atentados. Guerras. Massacres. Não é exagero dizer que a imparcialidade nem sempre prevalece, mas ainda há quem pense que ser jornalista é fácil.
Notícia relevante
As abordagens midiáticas podem ter posturas distintas a depender da emissora e formato. Facilmente as tragédias estampam as capas de jornais ou revistas. Para a televisão, a preciosidade é o tempo. Quanto mais minutos dedicados a uma reportagem, maior a sua relevância. É bem provável que você já tenha acompanhado os desdobramentos de alguma notícia sobre mortes, mas haveria uma régua para medir: “essa morte vale mais, essa menos”?
Em 11 de setembro de 2001, o mundo parou. Quem sabe esse tenha sido o evento que mudou o maior número de campos possíveis. As dinâmicas na política, economia e cultura viraram de cabeça pra baixo e para o jornalismo não foi diferente. Horas e horas de cobertura jornalística para não perder de vista nenhum dado sequer. A força que a comunicação tem ficou ainda mais evidente.
Pense na percepção que você tem hoje sobre terrorismo, islamismo e outros termos que ficaram em alta naquela época. Boa parte dessas concepções são resultado das expressões adotadas por telejornais. Mas vai além. Menções honrosas serão proferidas nos próximos 20, 30 anos do dia em que as torres gêmeas foram bombardeadas. Quem assiste, assimila e reproduz. Nenhum jornal no mundo esquece. A sensação de tristeza é a mesma.
Para o jornalista, o acompanhamento de cada fato se repete em outras tragédias, assim como o fortalecimento – ou não – de ideologias. Mas sejamos sinceros: em notícias como essa, há certa seletividade quanto a mortes que merecem honras e aquelas que devem ser lançadas ao esquecimento.
Mortes sem rosto
Insistimos em mascarar uma verdade: Há milhares de mortes diárias por guerras, fome e miséria. Mortes em massa que anulamos, deixamos pra lá. Afinal, o jornalismo não sobrevive se defende a todos. Tamanha utopia é pensar na possibilidade de cobrir todos os eventos do mundo com afinco e exclusividade. Washington Post, The New York Times e outros jornais mais próximos como Exame, Estadão ou Folha de São Paulo não se ocupam de dar a capa por vários dias seguidos às guerras do Oriente Médio.
Assista a cinco minutos da Globo, SBT, Record ou CNN Brasil e o cenário será o mesmo. Pouco tempo de destaque para algo que parece distante demais. Não se aplica em todos os casos. Ainda nos sensibilizamos com os nossos. Choramos pela invasão a escola no Realengo, incêndio na Boate Kiss e outras mortes coletivas aqui no Brasil. A cobertura durava o dia inteiro e levavam ao limite da exaustão para jornalistas comprometidos com a notícia.
Mas ao tentar lembrar um caso que não impacte o orgulho norte-americano ou a fama europeia, a memória falha. Você pode lembrar da foto da menina vietnamita pelada correndo em meio a guerra ou o homem desconhecido que durante um massacre chinês se colocou a frente dos tanques de guerra. Mas você entende o contexto e a história por trás desses conflitos? Pouco sabemos ou sequer lembramos.
O ponto é que ainda não temos (jornalistas) autonomia para tornar relevante aquilo que para a política ou economia é insignificante. A justiça ainda não caminha com a notícia. Por enquanto, enterramos todos os dias gente no mundo sem documento, sem rosto… aos montes. Nenhuma notícia. Para uns, aplausos e honras infinitas, desdobramentos, documentários e monumentos. Para outros, “é só mais uma”, “lá tem morte o tempo todo”… covas à céu aberto, sem lápides ou nomes.