Morte não é furo
- 2 de junho de 2021
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A busca pela notícia inédita ameaça a ética
Mariana Santos
O “furo” é perseguido pelos jornalistas tanto por questões financeiras quanto por realização pessoal, porém, esse fenômeno alimentado por uma sociedade imediatista pode provocar distúrbios graves no jornalismo de qualidade. Um exemplo claro desse desfavor é o caso do humorista Paulo Gustavo, que faleceu no dia quatro de maio, mas que teve a morte noticiada sete horas antes do óbito. Jornalistas que desrespeitam a profissão, não raras vezes, usam sites de fofocas e “informações privilegiadas” como fontes para suas declarações na mídia, deixando de lado a ética e o respeito ao luto.
O apresentador do Balanço Geral CE, Erlan Bastos, disse em seu programa de uma das afiliadas da Record TV que Paulo Gustavo teria entrado em “Protocolo de morte cerebral”. O site “EM OFF” foi citado como fonte, contudo é importante ressaltar que Erlan escreve uma coluna de fofoca para o site em questão.
Famosos corrigiram, em suas redes sociais, a notícia falsa e pediram mais respeito pela família do humorista. Tatá Werneck, que era muito próxima de Paulo, escreveu em uma postagem no Twitter: “A situação do Paulo é mto grave. Mas ele está vivo. Parem. Parem de querer ganhar likes em cima dele. Nesse momento ele está vivo. Deixem o Paulo em paz. Deixem meu amigo em paz!”, demonstrando sua indignação com a postura de diversos portais de fofoca que disseminaram fake news.
Em São Paulo, o apresentador Reinaldo Gottino (Balanço Geral SP) abordou o assunto de forma completamente diferente. Reinaldo pediu que os telespectadores adotassem uma postura cuidadosa e corrigiu o posicionamento da mídia sensacionalista: “Gente. É preciso ter muita calma, esperar informações oficiais. Morte não é furo!”, disse o apresentador.
Por mais cruel que tenha sido a cobertura da mídia sobre a morte do humorista, o site “EM OFF” não deixou de perseguir a família enlutada. Semanas após o incidente, o colunista de fofoca Erlan Bastos publicou que o viúvo de Paulo, Thales Bretas, estaria “conhecendo novo amor”, provocando indignação nas redes sociais e, principalmente, na família do humorista.
Thales, se manifestou em seu perfil no Instagram dizendo que tomaria medidas judiciais contra “jornalistas irresponsáveis que não deveriam nem ter essa profissão e seus veículos”, se referindo às mentiras publicadas e à desumanidade da cobertura da morte de seu marido.
Infelizmente, o caso de Paulo Gustavo não é único. A violência de publicar uma notícia de morte antes da própria família fazer uma declaração oficial é algo comum na programação de veículos sensacionalistas. No programa Cidade Alerta, também da Record TV, uma mãe recebeu a notícia do assassinato de sua filha ao vivo. O choque foi tão grande que Andrea, mãe da vítima, desmaiou e precisou ser socorrida por familiares.
Muito além da notícia, o jornalismo deve ser pautado pela ética e pela prudência. Jornalistas e veículos que desconsideram esse tipo de cuidado causam danos irreparáveis às pessoas envolvidas. A dor do luto deve ser tida como fator determinante na forma como informações delicadas são levadas à público, considerando, principalmente, que o “quando” é tão importante quanto o “como”.