Imersão na Vida de Jornalista
- 27 de abril de 2022
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Uma viagem imersiva pela produção jornalística diversa, com riqueza de detalhes e que coloca o espectador no centro do furacão dos acontecimentos. Este é o Vida de Jornalista.
Melissa Maciel
Certa vez, a aclamada jornalista da rede Globo de Televisão, Fátima Bernardes, declarou que “existem dias em que o jornalismo registra fatos que, no futuro, serão contados nos livros e serão guardados por gerações. Nesses dias, o que o jornalismo faz é escrever a história.”
Esta parece ser a premissa adotada por Rodrigo Alves, produtor e diretor do podcast Vida de Jornalista, ou “Vida” como carinhosamente o chama, na produção de seus episódios. O Vida é um programa que apresenta as várias facetas do jornalismo e proporciona desde uma imersão nos bastidores de coberturas históricas, a reflexões sobre o próprio fazer jornalístico.
Explorando os braços da produção jornalística
O produto é dividido em temporadas. A primeira e a terceira focam em entrevistas com grandes nomes da imprensa nacional e internacional, como Edson Mauro, Cecília Oliveira, Juliana Dal Piva e a americana Dorothy Butler Gilliam, primeira repórter negra contratada pelo Washington Post. Ou seja, entre repórteres, editores, fotógrafos, narradores e mesmo produtores de outros podcasts, os episódios permitem que o ouvinte apaixonado por jornalismo acompanhe uma rica troca de experiências.
Já a segunda temporada apresenta uma série de episódios narrativos e temáticos mais voltados para o fazer jornalístico de diferentes vertentes e contextos sociais e históricos. Nestes episódios, são abordadas várias frentes da produção, como comunicação comunitária, jornalismo científico, político, histórico, de esportes e de direitos humanos.
Alguns episódios específicos tratam, por exemplo, da voz das comunidades e o jornalismo nas favelas, a imprensa na gripe espanhola de 1918, jornalismo para indígenas, reinvenção do fazer jornalístico em meio à pandemia e a vida de um jornalista independente.
A estrutura do podcast segue uma dinamicidade criativa. Entre as temporadas são lançadas pequenas séries especiais, como a série Memórias. Narrativa e documental, proporciona uma viagem a coberturas históricas do jornalismo brasileiro, como a cobertura da Guerra do Vietnã e a tragédia da Chapecoense.
Outra série que intermedia temporadas é a Vidas Paralelas, que acompanhou a vida de dois jovens repórteres em meio à pandemia, expondo suas expectativas, esforços e frustrações. Outros diferenciais são os episódios bônus, que quebram a linha de raciocínio da temporada para tratar de temas mais urgentes, como a situação da redação no dia da morte de Kobe Bryant e as participações da equipe do Vida de Jornalista em outros programas.
Lado a lado com o ouvinte
Este podcast demonstra um caráter relacional e atento à experiência do ouvinte. Além do conteúdo puramente jornalístico, o programa estabelece um relacionamento com o consumidor ao produzir episódios expondo o processo de criação e produção do Vida. Episódios como #87 – A jornada do texto e #64 – Como fazer um episódio, explicitam essa premissa. Sem contar ainda a promoção de encontros virtuais e oficinas de narrativa para aqueles que acompanham o podcast.
Além disso, a produção também propõe tópicos que levam à reflexão sobre a profissão jornalística. Na primeira e terceira temporadas, por exemplo, são abordados temas como a relação do jornalista com as fontes, a produção local, o dilema da subjetividade, qual é o estado da saúde mental nas redações e a desafiadora cobertura da pandemia.
Viagem e Imersão
Os episódios do Vida contam com uma riqueza de elementos auditivos. No episódio da série Memórias sobre o sequestro do ônibus 174 no Rio de Janeiro, em junho de 2000, a convidada Mariana Gross, repórter que esteve no local do acontecimento desde o início, descreveu detalhadamente os personagens, os antecedentes da vida do sequestrador, a fisionomia de reféns, além de narrar vividamente a sequência dos acontecimentos.
O episódio conta com áudios da multidão enfurecida ao redor do ônibus, trechos de reportagens do momento da ocorrência e de um documentário sobre o evento, expondo um depoimento da senhora que acompanhou parte da juventude do sequestrador.
Já o episódio da Primavera Indígena, de caráter mais noticioso e menos narrativo, expôs os bastidores da cobertura das mobilizações indígenas com relação ao julgamento do Marco Temporal no STF, em setembro de 2021. Esta proposta defendia que o povo indígena só teria direito de reivindicar as terras onde já habitavam antes da Constituição de 1988.
O Vida recebeu os jornalistas indígenas Yago Queiroz e Mayra Wapichana para explicitar o desenvolvimento do cenário. Yago, que é da tribo Kaingang, do Paraná, contou como fez a cobertura ao vivo da movimentação desde o início: montagem dos acampamentos, chegada das delegações, apresentações culturais, debates, plenárias e mesas.
Também, o episódio integrou áudios das cantigas do povo em meio às manifestações em Brasília e de entrevistas com indígenas presentes no local. Além disso, a equipe foi para dentro do Congresso Nacional e falou com Mayra Wapichana, assessora de comunicação da primeira mulher indígena parlamentar (deputada federal) na história do país, Joenia Wapichana.
Luta pela inclusão
Esta abordagem demonstra, também, a preocupação do podcast com o princípio da inclusão, que permeia toda a produção do Vida. Este enfoque, porém, é ampliado no episódio #100 – Diversidade e inclusão no jornalismo. O documentário aborda a temática da diversidade em diversos recortes.
Para tratar da questão racial, além de retomar o tópico do espaço para indígenas nas redações, o produtor conversou com Camila Silva, coordenadora do programa Diversidade Racial na Comunicação, do Nexo Jornal. Esse programa promove o treinamento de estudantes de Jornalismo negros por dez meses.
O episódio também contou com a participação de Kátia Brasil, uma das diretoras da agência de jornalismo independente e investigativo, Amazônia Legal. Esta equipe é formada majoritariamente por mulheres, inclui pessoas de diversas etnias, comunicadores locais, não somente de grandes cidades, além de membros LGBTQIA+.
No que tange à orientação sexual, o programa trouxe representantes LGBTQIA+ atuantes no jornalismo, que defenderam a importância de incluir estas pessoas nas engrenagens das empresas jornalísticas e não limitá-las a falar apenas de questões de diversidade.
Foi enfatizada também a questão da tolerância religiosa e da integração de comunicadores de regiões diversas, não restringindo as oportunidades a profissionais da região sudeste ou omitindo as periferias do universo jornalístico.
O repórter Juliano Machado, deficiente visual, trouxe insights interessantes para a discussão, tratando de pessoas com deficiência. Ele comentou sobre a importância da descrição em imagens e da adaptação da linguagem televisiva. Pensando nisso, Rodrigo Alves já abriu um parêntese para o passo a passo de como descrever imagens em plataformas como Twitter e Instagram.
Juliano citou também, o exemplo dos mapas de dados da covid-19 apresentados nos telejornais, em que ilustram-se os estados com diferentes cores e destaques de acordo com os dados, mas que dessa forma não alcançam a população cega. Enfatizou ainda a importância da transcrição para pessoas surdas, algo em que os próprios episódios do Vida investem.
Do Vida para a vida
Existem diversas formas de fazer jornalismo e muito a ser explorado Brasil afora, na diversidade de talentos que muitas vezes são negligenciados. É igualmente interessante, relembrar e ser inspirado por grandes coberturas e manter o anseio por exercer o verdadeiro jornalismo. É isso que o Vida nos proporciona.
Pode-se dizer, portanto, que o podcast Vida de Jornalista, busca trabalhar temas diversos e relevantes que contribuam para o desenvolvimento da perspectiva social e cidadã de seus ouvintes. Preza pelo fazer jornalístico de excelência, pelo relacionamento com aqueles que o consomem e por vieses pertinentes e urgentes, como a inclusão, que no Brasil anda a passos lentos, mas é algo que precisa estar constantemente em pauta.