Estamos idealizando ainda mais as utopias?
- 15 de maio de 2018
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- Thamires Mattos
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Os últimos anos foram marcados por denúncias de corrupção e investigações no nosso sistema de poder, e começam a surgir dúvidas na cabeça dos brasileiros. Para uma sociedade evoluir, precisam acontecer mudanças de estruturas hierárquicas. Mas quê estruturas são essas? E se existe de fato um sistema correto, qual seria ele? Algum dia podemos nos tornar livres da corrupção para sempre? Para responder essas e outras dúvidas, o Canal da Imprensa, por meio da repórter Larissa Schimack, entrevistou Bolívar Lamounier. Ele é cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria, membro da Academia Paulista de Letras e da Academia Brasileira de Ciências. É, também autor do livro “Liberais e antiliberais: a luta ideológica de nosso tempo” (companhia das letras, 2016).
Canal da Imprensa:O que são estruturas de poder?
Bolívar Lamounier:Interesses diversificados e frequentemente conflituosos surgem a todo momento na sociedade. Em nenhuma sociedade tais interesses se ajustam automática ou espontaneamente. Daí a existência em todas elas de algum tipo de estrutura de poder. No mundo moderno, tal estrutura está centrada no Estado: um aparelho politico-administrativo capaz de controlar o território e prevenir ou pelo menos moderar o embate dos interesses. O Estado é uma estrutura estática, burocrática, institucionalizada; além dele, existem estruturas por assim dizer informais, baseadas em diferenças sociais, econômicas, religiosas etc que em geral (mas com exceções) reforçam o poder do Estado. Nas democracias – ver abaixo- há uma clara separação entre os três Poderes previstos na teoria política de Montesquieu: Legislativo, Executivo e Judiciário.
CI: Como funciona o sistema político brasileiro?
Lamounier: Uma das questões mais importantes em qualquer estrutura de poder e em particular no Estado moderno é a fixação de regras para o acesso legal e legítimo de indivíduos às posições mais altas do Estado, ou seja, às posições responsáveis pelo exercício do governo. A esta questão a Ciência Política se refere através do conceito de sistema político, ou, de maneira mais precisa, de regime político. Esquematicamente, os regimes são democráticos ou, no lado contrário, ditatoriais,autoritários ou totalitários. No Brasil, prevalece a democracia representativa, implantada pela Constituição de 1824, sendo, portanto, uma das mais antigas do mundo, interrompida apenas duas vezes, a primeira pela ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945) e a segunda pelos governos militares que se sucederam entre 1964 e 1985. O pilar fundamental da democracia representativa é o processo eleitoral: o acesso a posições de poder se dá mediante eleições periódicas, limpas e livres. Porém, ao longo de seu desenvolvimento, á medida em que se aprimoram, as democracias precisam atingir um nível elevado de transparência (acesso de qualquer cidadão ou organização legitimamente constituída a informações públicas) e de accountability, ou seja, redução ao mínimo possível da impunidade, com a devida responsabilização de autoridades envolvidos em atos de improbidade.
CI: Que outros sistemas políticos são usados ao redor do mundo diferentes do Brasil?
Lamounier: Dentro da categoria democrático-representativa, uma distinção importante é a que se estabelece entre sistemas presidencialistas (Brasil, Estados Unidos…) e parlamentaristas (Inglaterra, Alemanha…). No lado oposto, existem diversos tipos de ditaduras, algumas bem primitivas, centradas no mando pessoal de um indivíduo (o “chavismo” venezuelano é um bom exemplo), outras altamente institucionalizadas, assentadas sobre fortes estruturas partidárias (partido único) e burocráticas, como é o caso da China.
CI: Essa estrutura que o Brasil adotou, favorece de alguma forma a entrada de corruptos no poder?
Lamounier: Sem dúvida, mas não por se tratar de uma democracia representativa. O que facilita a entrada de corruptos é o excesso de partidos políticos (a maioria criados apenas para “alugar” sua legenda e seu tempo no horário gratuito de televisão), a debilidade da estrutura dos partidos frente aos indivíduos que o integram e a grupos de interesse (notoriamente, as empreiteiras da construção civil), e nosso modelo de sistema eleitoral proporcional, no qual o voto é dirigido muito mais a indivíduos que à legenda partidária propriamente dita. A tudo isso é preciso acrescentar, com ênfase, o gigantismo da máquina estatal e sua tendência a se imiscuir nas atividades econômicas produtivas (o Estado-empresário), que facilita um permanente conluio de interesses econômicos privados com os indivíduos e partidos representados no Congresso Nacional.
CI: Que outro exemplo podemos ver de países com sistemas de poder diferentes do Brasil que são igualmente corruptos?
Lamounier: A corrupção existe por toda parte. Tende a aumentar à medida em que um país passa de um nível muito baixo de desenvolvimento econômico e ingressa numa etapa intermediária, na qual os grupos de interesse se multiplicam e fortalecem e o Estado ainda não tem capacidade de coibir as atividades ilícitas. A respeito desta pergunta, a China é um caso muito ilustrativo. Embora seu regime política seja fortemente ditatorial (totalitário, para ser exato), a corrupção campeia, a ponto de ser punida com a pena de morte.
CI: Temos exemplos de sistemas ao redor do mundo que são completamente justos e bons e que cumprem o que foi proposto no momento de sua constituição?
Lamounier:A redação desta pergunta é um convite à idealização. Sistemas “completamente justos e bons”, com certeza não existem, tanto assim que todos eles são internamente conflituosos. O que se pode afirmar é que as democracias variam no tocante a seu grau de qualidade; nesse sentido, a Alemanha e os países escandinavos podem ser citados como os mais aprimorados.
CI: Na sua opinião, o que tem que ser feito para mudar a realidade do sistema político brasileiro? Existe a possibilidade de extinguir a corrupção no país?
Lamounier: “Extinguir” totalmente a corrupção, eu diria que não, mas é possível reduzir substancialmente sua incidência. No Brasil, a meu ver, isso requer três tipos de providências: 1) reforçar energicamente a transparência e o combate à impunidade , fatores que citei acima como essenciais ao próprio conceito de democracia; 2) reformar o sistema político, notadamente o modelo de relações entre o Legislativo e o Executivo, com a implantação do sistema parlamentarista de governo, complementada por medidas que reduzam o número de partidos e o individualismo do sistema eleitoral proporcional; 3) reestruturar radicalmente a máquina do Estado, retirando-lhe totalmente a função empresarial (sua participação direta na economia como produtor de bens e serviços), através da privatização das empresas públicas remanescentes e concentrando-a nas áreas sociais (educação, saúde, saneamento, segurança pública), na Justiça e na Defesa.