Enchentes no RS e a ausência de alerta para uma tragédia anunciada
- 5 de junho de 2024
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- Theillyson Lima
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A cobertura jornalística negligenciou os sinais de alerta que desencadearam as enchentes no Rio Grande do Sul.
Sara Helane
O recente desastre no Rio Grande do Sul não pode ser subestimado como um evento isolado. O estado enfrentou uma condição de chuva extrema, fruto de uma combinação meteorológica altamente específica. Este fenômeno está intimamente ligado ao calor intenso que atinge outras regiões do Brasil. Uma frente fria, ao passar pela área, estacionou sobre o estado, resultando em um volume de chuva sem precedentes.
Os cientistas alertaram repetidamente sobre o aumento da frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos devido ao aquecimento global. A massa de ar quente sobre a área central do país, combinada com o fenômeno El Niño, causou chuvas intensas e contínuas no Rio Grande do Sul. A mídia, porém, não deu a devida atenção a esses sinais de alerta.
Antes da devastadora tragédia que assolou o Rio Grande do Sul no início de maio de 2024, a cobertura jornalística local e nacional focava em uma ampla gama de temas que, embora importantes, acabaram deixando de lado a gravidade das mudanças climáticas e suas potenciais consequências.
A tragédia
Para entender a tragédia no Rio Grande do Sul, é crucial conhecer os rios que cortam a região. O Lago Guaíba, que margeia Porto Alegre, recebe água de pelo menos cinco rios. As chuvas intensas elevaram rapidamente o nível do Lago Guaíba, acumulando em nove dias um volume de água que normalmente levaria 18 semanas.
O muro de contenção que protege Porto Alegre há 54 anos não resistiu ao volume de água, que atingiu a marca histórica de 5,35 metros, isolando casas e arrastando carros. Toda a água do Guaíba segue para a Lagoa dos Patos, que também não consegue suportar tanta água. Com a grande quantidade de chuvas, ocorreram as inundações em cidades grandes.
Primeiros sinais
A tragédia não foi um evento inesperado. Desde o dia 27 de abril, áreas no Vale do Rio Pardo já sofriam com fortes chuvas e granizo. Em 29 de abril, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) emitiu o primeiro alerta vermelho. No entanto, a cobertura midiática foi lenta em reconhecer a gravidade da situação. Essa omissão é um reflexo preocupante da falta de urgência e da subestimação dos sinais de alerta que estavam presentes. Relatórios e previsões meteorológicas que indicavam a possibilidade de chuvas intensas foram amplamente ignorados ou minimizados nas manchetes dos jornais.
No dia 1º de maio, o cenário já era dramático, com 114 municípios afetados e mais de 19 mil pessoas impactadas. Ainda assim, a gravidade da situação demorou a ser plenamente refletida nos noticiários. As reportagens começaram a mostrar o impacto das chuvas, mas a atenção total da mídia só se consolidou quando o estado de calamidade pública foi decretado e o número de mortes começou a subir significativamente.
A partir de 2 de maio, com o número de vítimas fatais disparando, a cobertura finalmente se intensificou. Reportagens em campo mostravam o desespero das comunidades e os esforços de resgate, mas a sensação era de que a preparação para tal cobertura havia sido insuficiente. O alerta sobre a barragem da Usina Hidrelétrica 14 de Julho e a situação do Lago Guaíba chegaram tardiamente às manchetes principais, sublinhando a falha em prever e comunicar a extensão do desastre.
Entre 3 e 6 de maio, a tragédia no Rio Grande do Sul atingiu seu auge, com mais de 85 óbitos confirmados e 385 municípios afetados. A mídia, finalmente em uníssono, focou integralmente na crise. No entanto, essa reação tardia expôs a necessidade de uma cobertura mais proativa e menos reativa. O papel da imprensa não é apenas relatar fatos, mas também antecipar riscos e alertar a população com antecedência.
O papel da mídia na era das mudanças climáticas
A tragédia no Rio Grande do Sul serve como um alerta não apenas para governos e autoridades, mas também para a mídia. A cobertura de eventos climáticos extremos deve ser priorizada e tratada com a seriedade que merece. A capacidade de antecipar e comunicar riscos é crucial para a segurança pública.
A mídia tem a responsabilidade de informar, educar e preparar a população para eventos climáticos cada vez mais frequentes e intensos. Ignorar ou minimizar os sinais de alerta é um erro que não podemos nos permitir repetir. A tragédia no Rio Grande do Sul deve ser um ponto de virada para a cobertura jornalística, impulsionando um compromisso renovado com a verdade, a urgência e a responsabilidade.
A cobertura midiática deve ser proativa, alertando a população sobre os riscos e pressionando por políticas eficazes de combate às mudanças climáticas. Ignorar os avisos científicos e minimizar os sinais de alerta é um erro que não podemos mais cometer.