“Empoderar-se significa questionar paradigmas machistas a fim de superá-los”
- 22 de março de 2017
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- Thamires Mattos
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Neste mundo fundado em uma cultura patriarcal, onde o machismo teve séculos de espaço para se sedimentar, onde tais comportamentos de menosprezo ao feminino se travestiram em atos simbólicos perpetrados muitas vezes pela mídia, o tema do feminismo finalmente explode entre as pautas de debate social. Em comemoração ao Dia Mundial da Mulher, o Canal da Imprensa, por meio da repórter Sabryna Ferreira, conversou com a coaching e palestrante sobre empoderamento feminino, Semadar Marques. Além de educadora, Semadar também é analista em Inteligência Emocional pela Six Seconds Emotional Intelligence (SEI).
Canal da Imprensa: A luta das mulheres por seus direitos é bem antiga, por que só agora o feminismo e a misoginia se tornaram pauta da moda?
Semadar Marques: A luta pelos direitos das mulheres é muito antiga, desde a Idade Média já se tem notícias de manifestações quanto à igualdade de gênero devido à falta de acesso aos direitos básicos. A luta passou também pelo Renascimento tomando força realmente no século XX, com o surgimento de obras como o “O Segundo Sexo”, da filósofa francesa Simone de Beauvoir e a organização de movimentos que combatem a desigualdade de direitos entre mulheres e homens e a aversão às mulheres. O que ocorre atualmente é que, devido ao acesso abundante a informação e o auxílio da globalização potencializada pela internet, o entendimento da importância de se ampliar direitos femininos tem aumentado. Diversas entidades têm realizado a tarefa de difundir estes conceitos e apoiar mulheres para que possam empoderar-se e sair de situações de vulnerabilidade e risco. A Organização das Nações Unidas tem divulgado amplamente a importância de empoderar mulheres e promover a igualdade de gênero para o desenvolvimento da sociedade.
Canal: Originalmente, o feminismo era um movimento bem definido, que lutava pelos direitos das mulheres na sociedade. Com o passar do tempo, esse movimento foi se ramificando, hoje, nós temos as “feminazi”, as “femistas” e as “misândricas”. Esses “sub-movimentos”, digamos assim, ainda podem ser consideramos feminismo?
Semadar: Se estamos falando de uma sociedade sustentável, com direitos iguais a todos os gêneros, falar em ódio aos homens pura e simplesmente pelo fato de terem nascido homens ou pensar na ideia de superioridade da mulher em relação ao homem torna-se uma aberração. Ainda se falássemos de ódio ao comportamento machista, que mata indiscriminadamente milhões de mulheres no mundo todo, ainda assim seria um contrassenso, uma vez que o feminismo busca a igualdade de direitos de uma maneira paritária e isso passa diretamente por educação e conscientização, o que acredito ser inviável em ambientes extremistas e radicais. Feminismo não é femismo, não se busca ser superior ao homem de maneira alguma, nem trata-se de uma competição, e sim a promoção de ambientes de colaboração mútua, onde haja o respeito às escolhas femininas tanto quanto se tem às escolhas masculinas.
Canal: A liberdade pregada pelo feminismo, em algum momento, pode se tornar uma prisão?
Semadar: Jamais. O feminismo é um conceito que dá às mulheres a autonomia para que tenham liberdade de fazer escolhas e garantir o controle da própria vida, sem sentirem-se culpadas ou diminuídas por atender o que é importante para si. O resultado é o fortalecimento para que garantam o respeito ao seu espaço, combatendo o monstro da violência doméstica, que mata uma mulher a cada uma hora e meia somente no Brasil, de acordo com dados da IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Ter a governabilidade das próprias escolhas é um direito básico de todos seres humanos adultos, independente de gênero e obviamente traz uma maior responsabilidade, mas que não significa necessariamente prisão.
- Canal: (Acredito que) A mídia que violenta simbolicamente as mulheres é a mesma mídia que tem pulverizado o empoderamento feminino. Diante disto, se a mídia não apoiasse o empoderamento feminino e as causas feministas, o movimento, por si só, se sustentaria?
Semadar: Acredito que hoje em dia a internet tem força e influencia tanto quanto as mídias tradicionais. Em alguns casos até as supera. Então, na realidade, o que ocorre é que a mídia está se adequando a uma voz que já está muito forte na internet, através de movimentos no Facebook, youtubers e influencers, enfim, diversas formas que fazem muito sucesso. A mídia tradicional percebeu isso e está dando espaço para o tema. Acho importante as mídias tradicionais comprarem a ideia e a disseminar, mas também sei que, certamente, o movimento se sustentaria sozinho com ou sem a força e a proporção que tem tomado nas mídias sociais.
Canal: Mulheres que cresceram em lares machistas tendem a ter uma visão diferente de si mesmas, enquanto mulher. Como essas mulheres podem se libertar de ideias machistas?
Semadar: Empoderar-se significa justamente questionar estes paradigmas machistas que foram incutidos em nossa mente e dar-se a oportunidade de superá-los. Para isso, é necessário ultrapassar os próprios medos e iniciar um processo de aceitação de si mesma em todos os sentidos, não se rendendo a estereótipos e aprendendo a respeitar suas vontades e aspirações. É um processo que pode ser lento, mas que depende do enfrentamento destas questões em si mesma e da construção de uma autoestima forte, que significa total aceitação de si, fisicamente, intelectualmente, enfim, de todas as maneiras possíveis, o que lhe dará força para conseguir dizer ‘não’ quando tiver vontade, delegar tarefas sem medo, praticar a colaboração entre mulheres e não a competição – praticando a “sororidade” – palavra que define a colaboração e a empatia entre mulheres, o que nos faz mais fortes.
Canal: Grande parte das pessoas da geração Y têm ideias com relação a gênero bem diferentes às pessoas da geração Z. A mídia tem parte na formação dessas ideias?
Semadar: Eu vejo os jovens da geração Z muito mais cheios de informação e assimilando os conceitos do feminismo mais rapidamente. Acredito que isso se dê pelo fato deles já terem nascido na época em que a informação é muito maior, o que os propicia uma compreensão mais apurada dos fatos em relação a geração Y, que ainda cresceu com um certo preconceito disseminado e com menos acesso a informação. Estes jovens da geração Z não foram influenciados pelos paradigmas ainda machistas que boa parte da geração Y ainda teve que enfrentar. A mídia tem sim, uma boa influência, mas perceba que a geração Y cresceu influenciada ainda por meios de comunicação tradicionais, o que não ocorre com a geração Z, que se informa e busca se aprimorar totalmente na rede. E a rede tem MUITAS informações que disseminam a importância de se falar em igualdade. Obviamente que devemos levar em conta o peso da formação das ideias dentro do contexto em que o jovem se desenvolve. Mas as mídias alternativas têm se levantado de maneira significativa na disseminação deste conhecimento.
Canal: A mídia se preocupa em levar a discussão sobre a misoginia à geração Z?
Semadar: A mídia tradicional está abarcando de maneira muito forte os temas que estão “bombando” na internet. Haja vista a quantidade de programas de TV que estão sendo invadidos por “youtubers” nos últimos tempos. Então, a mídia tradicional está percebendo a importância destes temas na vida dos jovens, pois estes estão “ditando” a tônica do processo através de suas buscas e material consumido na internet.