
Conservadores ou não, eis a questão
- 2 de abril de 2025
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- Theillyson Lima
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O IBOPE divulgou em 2016 um estudo que confirmou que 54% dos brasileiros são conservadores radicais.
Késia Grigoletto
O título do texto faz uma referência a frase “ser ou não ser, eis a questão” dita por Hamlet, personagem de Shakespeare. Por mais que pareça um questionamento simples, é complexo. Esse questionamento implica no ato de existir ou não existir, no fato de viver ou morrer. Desde Shakespeare os opostos não se atraem e refletem uma sociedade propensa a comprar discursos e posições extremas. O equilíbrio entre os dois polos, nunca foi tão atraente, quanto o ser ou não ser.
Ao observar o panorama mundial, uma crise global que contempla desde fenômenos naturais devastadores até fatores econômicos e identitários, pode ser notada. Crises de maneira geral, sempre intercederam por uma espécie de salvação. Nos últimos anos, o conservadorismo virou símbolo de solução e salvação para uma grande parcela da população. Junto dos ideais dessa corrente, surgem figuras que pregam famílias tradicionais estruturadas, casamentos longevos, preservação do tradicionalismo, propriedades privadas, liberdade de expressão, Deus em primeiro lugar, patriotismo e valorização da vida.
Russell Kirk, um dos principais filósofos políticos estadunidenses do conservadorismo, conceitua: “o conservador pensa na política como um meio de preservar a ordem, a justiça e a liberdade. O ideólogo, pelo contrário, pensa na política como um instrumento revolucionário para transformar a sociedade e até mesmo transformar a natureza humana. Na sua marcha em direção à Utopia, o ideólogo é impiedoso”.
A grande questão é que, o espectro atual revela o conservador como um grande ideólogo pungente em acreditar que a ordem, justiça e liberdade só poderão ser mantidas por meio de seus ideais e por sua visão política revolucionária que será capaz transformar e despertar o melhor da natureza humana. Será que esse padrão de pensamento regedor de vida é o único abalizado para mudar o mundo, sanar crises, salvar nações e suficiente para ir na contramão do pensamento liberal ou de esquerda?
Contradições
Entre tantos comportamentos dignos de um “cidadão de bem”, como os próprios conservadores se auto-intitulam, existem posturas e defesas completamente contraditórias. A defesa da vida é uma das pautas mais veementemente defendidas pelos conservadores, o ato de abortar um ser humano é indefensável, em contrapartida, a pena de morte é comumente anuída por eles, com a seguinte frase “bandido bom é bandido morto”. E agora, o questionamento que fica é, se há alguém suficientemente apto para realizar tal julgamento: qual é a vida que mais possui valor, quem é digno da vida e da morte?
Assim como defendem a vida, procuram resguardar a constituição de casamentos tradicionais e a formatação da família ideal, entretanto, os representantes mais evidentes desse estilo de vida, são os primeiros que desconfiguram o aclamado e perfeito padrão. O paladino Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos, foi acusado de escândalo sexual com a ex-atriz pornô Stormy Daniels, fora o fato de já estar em seu terceiro casamento. Bolsonaro não é muito diferente de sua grande inspiração, se levarmos em conta, que já ostenta a quantidade de três casamentos, como se essa entidade a qual ele jura defender, fosse meramente dissolúvel e descartável. E afinal de contas, a família na constituinte que eles pregam, é a única forma digna e existente de núcleo familiar?
Não muito longe desses conceitos está a proteção incansável de terras e propriedades. No entanto, essa proteção só não é aplicada às terras que pertencem aos povos originários e quilombolas, que constantemente têm suas propriedades e direitos violados. Por qual razão as terras de grandes fazendeiros brasileiros, que em sua maioria são brancos, importam mais que as terras desses povos, que, muitas vezes, as usam como meio de subsistência?
Defender do que é conveniente
Não menos importante, a maioria desses conservadores são cristãos, católicos e evangélicos, arautos fervorosos da liberdade religiosa. No entanto, os que mais criticam e tem aversão às religiões de matrizes africanas, que integram e formam a cultura brasileira. Existe uma religião que arroga para si mais superioridade que outra?
Por falar em cristianismo e defesa inestimável da vida, em plena crise sanitária global que levou mais 600.000 brasileiros à morte, é inacreditável o fato de um presidente que se diz cristão e exímio valorizador da vida, ao ser questionado pelas mortes causadas por Covid, ter afirmado tantos absurdos e ainda ter sido apoiado por uma grande parcela de pessoas também cristãs. “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”, essa foi apenas uma das inúmeras falas de Bolsonaro, quando questionado pelas mortes causadas por coronavírus.
Além disso, tutelam a liberdade de voto e a liberdade de expressão com unhas e dentes, mas na última eleição presidencial, cogitaram uma intervenção militar e alguns até chegaram a lastimar pela tentativa fracassada de golpe de Bolsonaro. Será que o limite da liberdade é tão instável e frágil, ao ponto de correr o risco de não suportar uma derrota eleitoral, fruto do voto popular?
Esse texto não tem como objetivo condenar o pensamento conservador e erguer a bandeira de qualquer outra linha. Criticar um movimento não significa ser adepto de uma corrente de pensamento oposta. A questão é que qualquer rótulo, denominação e classificação precisa ser profundamente questionada e quando for o caso, cuidadosamente aderida.
Em uma sociedade que se descamba para os opostos, a busca por posicionamentos que prezem pelo equilíbrio estão cada vez mais raros e ausentes, e os que não se colocam dentro de uma dessas categorias são vistos, como omissos, relapsos e em última instância até mesmo como fracos.
A maior preocupação das pessoas não deveria consistir em ser de direita ou esquerda, liberal ou conservador. A maior inquietação da sociedade deveria corresponder se aqueles posicionamentos tão severamente defendidos, são abastadamente humanos, se eles se equivalem ao que é justo, se suas aplicações são devidamente honestas, e principalmente, se as minorias serão beneficiadas como qualquer outro grupo social.