Como perder um homem em dez dias visto pela lente do jornalismo
- 8 de março de 2023
- comments
- Theillyson Lima
- Posted in Análises
- 0
Além do romance, diversos estereótipos jornalísticos são reforçados na vida profissional da protagonista, Andie Anderson.
Camilly Inacio
Mestre em Jornalismo pela Universidade de Columbia, com o desejo de fazer matérias sobre política, religião e outros assuntos considerados relevantes, mas sujeitada a escrever sobre relacionamento, beleza e moda. Assim é apresentada a personagem Andie Anderson (Kate Hudson), uma jornalista frustrada que, logo no início do filme “Como Perder um Homem em 10 Dias”, recebe a missão de escrever um texto que leva como título o nome do filme.
Para escrever, ela precisa se relacionar com alguém, fazê-lo se apaixonar e cometer, intencionalmente, erros comuns de encontros, fazendo com que ele termine o namoro. Seu alvo é Benjamin Barry (Matthew McConaughey), um publicitário que faz uma grande aposta com seu chefe: caso faça com que uma mulher se apaixone por ele em 10 dias, ele será o responsável por uma campanha de diamantes que pertence à empresa.
A partir daí se desenrola a trama do filme. Sem saber sobre a aposta, Andie fará de tudo para levar um fora do parceiro. Enquanto isso, sem saber sobre a matéria, Ben terá o mesmo esforço, mas para fazê-la se apaixonar por ele.
No entanto, ao assistir ao filme e observá-lo através de um prisma jornalístico, podemos perceber que, além da narrativa amorosa, a história carrega diversos estereótipos da profissão de Andie, bem como outras produções midiáticas que possuem personagens jornalistas.
Ora heróis, ora vilões
De acordo com um artigo escrito por Junno Sena e Maristela Fittipaldi, a ficção criou os personagens jornalistas como loucos por uma história exclusiva que os faça chegar no auge de sua carreira. O material fala sobre o estereótipo do jornalista, focando na análise da carreira do personagem Clark Kent, o Superman.
No texto é observado também que a mídia perpetua uma ideia de que os jornalistas são profissionais que fazem de tudo para obter esse furo ou um conteúdo “caça-cliques”, inclusive mentir e/ou manipular se for preciso. Estão ligados à mentira por vezes desvendando, outras criando.
Apesar disso, os estereótipos, que podem ser ofensivos em alguns casos, também servem de alerta para o que deve ser observado no exercício da atividade jornalística. Ao abordar essa profissão, o cinema reforça a ideia do jornalista como um ser que consegue interferir na realidade e algumas vezes até modificá-la, mesmo que não intencionalmente.
Por isso, ao olhar o universo do entretenimento como uma forma de aumentar o debate público, assim como a principal missão do jornalismo, encontra-se uma semelhança entre os dois mundos. Por isso, deve-se estar atento a esse objetivo tanto ao exercer a atividade jornalística, quanto ao observar o mundo fictício.
Jornalistas frustrados
No filme não só é visível, mas também mencionado que a jornalista é frustrada no exercício de sua profissão. Andie sonha em escrever sobre temas que passem longe de moda ou romance, no entanto, ela precisa provar sua capacidade para a chefe a fim de receber o privilégio de poder escrever sobre o assunto que desejar.
Assim como a personagem principal do filme, existem jornalistas frustrados em sua profissão. Sem ter autonomia para falar sobre o que desejam, muitos são encarregados de redigir histórias que sejam vendidas, como os famosos “caça-cliques”.
Esses tipos de conteúdos são cativantes, com títulos curiosos e manchetes sensacionalistas possuindo o objetivo de chamar atenção do maior número de pessoas e atraí-las para uma página ou site.
Assim como os “caça-cliques”, a coluna designada a Andie no filme possui o estilo de texto que é feito para ser vendido. Seu conteúdo era de interesse do público, tendo dicas sobre “como fazer”, beleza e relacionamentos.
Muitas vezes esse tipo de conteúdo não segue um rigor quanto a veracidade ou importância do tema, utilizando títulos e frases exageradas. Sendo uma forma de conteúdo feita especialmente para atrair cliques e uma grande quantidade de leitores, especialmente no impresso.
Andie acaba ultrapassando limites perigosos entre a vida pessoal e profissional. A jornalista se esforça de forma irresponsável com a sua saúde e outros parâmetros para provar sua capacidade escrevendo as matérias designadas pela chefe.
Por fim, ela termina a matéria sobre como perder um homem em dez dias e, finalmente, ganha a confiança da chefe. Todavia, ao perguntar se poderia escrever sobre economia, política ou mesmo religião, é censurada e ouve que essa liberdade não iria tão longe, sendo todo o seu esforço em vão.
Relação entre trabalho e vida pessoal
Ao olhar atentamente para a vida da protagonista do filme “Como Perder um Homem em Dez Dias”, observamos que na relação entre a vida pessoal e profissional da protagonista do filme, os limites estabelecidos entre essas duas áreas são ignorados.
Ao escrever suas matérias ela utiliza experiências pessoais, mas qual é a diferença entre provar vestidos com a finalidade de dar dicar sobre como escolher o melhor para usar em uma festa e se relacionar com alguém para dar dicas de relacionamento? Ultrapassar os limites entre o trabalho e a vida pessoal pode prejudicar a vida do jornalista?
A profissão dos jornalistas exige uma dedicação particular por gerar um estilo de vida e uma visão de mundo específicos. Muitas vezes as rotinas são determinadas pelo trabalho e as relações afetivas afetadas pela carreira. O tempo é usualmente subordinado à engrenagem da redação e da notícia.
De acordo com diversos estudos como o de Alvarez (1996), Bolton (2003), França e Rodrigues (2007), Heloani (2003 e 2006), Souza e Grisci (2005), existem evidências de que, em várias situações, o jornalismo é visto como desgastante.
Souza e Grisci (2005) mostram que diversas vezes o jornalista se expõe ao risco de potenciais ameaças à saúde, durante o exercício da profissão, decorrentes do alto número de horas trabalhadas, viagens, pressões com prazos, coberturas jornalísticas que envolvem conteúdos emocionais desgastantes, como catástrofes e crimes da competitividade para conseguir um furo, entre outras causas.
França e Rodrigues (2007) apontam que as manifestações mais comuns do desgaste são: cansaço, irritação e nervosismo, ansiedade, problema de estômago, pressão alta, cefaleia, insônia, depressão, problema de pele, problema de circulação, câimbras, dores musculares, queda de cabelo, distúrbios alimentares, dores nas costas, distúrbios sexuais, baixa resistência, desânimo.
Vários desses pontos podem ser observados na vida de Andie Anderson, que estava disposta a perder o homem pelo qual ela se apaixonou, por seu emprego. Assim como ela, muitas pessoas colocam de lado a vida pessoal em favor do trabalho, principalmente na profissão de jornalista, em que o fluxo de notícias é constante e as informações são quase sem fim.
Com isso, muitas vezes os limites do trabalho acabam não ficando bem definidos e é comum ver funcionários passando do horário de trabalho nas redações, tendo que abdicar de momentos com suas famílias. Por isso, vale a pena saber o quanto se está disposto a colocar em jogo da vida pessoal por um trabalho, e se vale a pena cruzar esses limites entre os dois lados.
O jornalismo independente
No final do filme, ao cansar de ser subordinada a uma empresa que quase destruiu sua vida amorosa para escrever sobre temas que não são do seu interesse, em um trabalho que tomava conta de sua vida pessoal, Andie resolve pedir demissão.
Não sabemos como ela seguiu sua carreira depois disso, mas sabemos que o sonho dela era escrever sobre o que queria. Será que isso é possível ao ser subordinado a alguma empresa ou a alguém?
Apesar de muitos verem o jornalista como alguém que escreve sobre o que quer e emite suas opiniões, geralmente não há essa liberdade e o profissional é apenas um sujeito que obedece ordens, à semelhança de Andie, muitas vezes sem ter o esforço reconhecido.
Por esse motivo, muitos jornalistas optam por trilhar o rumo do jornalismo independente através das redes sociais, newsletters, canais no YouTube, entre outros meios.