Brasil na visão do mundo – Entrevista
- 16 de março de 2022
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Adalie Pritchard
Gabriel Toueg é um jornalista brasileiro com mais de 10 anos de experiência como correspondente internacional no Oriente Médio, trabalhando em países como Israel, Egito, Palestina, Jordânia e no Chile. Já trabalhou para O Estado de São Paulo, o Metro Jornal e vários veículos brasileiros e internacionais como freelancer. Toueg cobriu duas guerras, a do Líbano de 2006 e a de Gaza na virada de 2008-2009. Acompanhou visitas de chefes de Estado e cobria política de forma geral. Essa experiência forneceu ao jornalista um olhar sobre como o mundo enxerga o Brasil. Nessa entrevista, exploramos como o Brasil é retratado na mídia e por quais motivos.
Canal da Imprensa – Quais são algumas perguntas recorrentes que as pessoas fazem para você sobre o Brasil?
Gabriel Toueg – O Brasil desperta muita curiosidade nas pessoas, principalmente nos lugares mais afastados. Quando morava no Oriente Médio existia muita curiosidade sobre porque existia interesse brasileiro sobre aquela região. As pessoas têm uma percepção de que o Oriente Médio é menos importante do que ele é, do ponto de vista noticioso. Então existia um questionamento de “Para que que precisa ter correspondente aqui? Por que o Brasil se interessa no que acontece aqui?”. Isso era uma coisa que ouvia recorrentemente de amigos e pessoas comuns no período em que trabalhei em Israel. Obviamente no meio jornalístico existia uma compreensão disso. Israel é o país que tem maior quantidade de correspondente internacionais per-capita. Isso mostra a importância da região como notícia para o mundo todo.
Do ponto de vista não jornalístico, quando a gente fala sobre o Brasil em si, existe todo tipo de estereótipos. Já me perguntaram se é verdade que tem cobra no meio da rua e cipó. Esses estereótipos de quem obviamente não conhece o país, não sabe que São Paulo é a maior cidade do hemisfério Sul, não sabe que a gente tem cidades enormes e uma população e economia pujante, embora hoje em dia esteja ficando a desejar. Vale lembrar que o período em que morei lá era de bastante pujança do Brasil, que estava entre a quinta e sexta economia do mundo. Estava se colocando internacionalmente de forma bastante relevante. Era de estranhar que as pessoas tivessem esse tipo de preconceito, embora obviamente vem carregado de todos os estereótipos que o Brasil se encarregou de vender para o mundo, como futebol, carnaval, as mulheres de forma geral, opiniões muito preconceituosas, machistas. Enfim, muito desconhecimento mesmo.
CI – Qual é a visão que a mídia internacional tem sobre o Brasil?
GI – De forma geral, o Brasil é muito mal coberto, embora a gente tenha excelentes correspondentes de vários lugares no mundo no Brasil que fazem um trabalho excepcional para contar as particularidades do país, tentando mostrar uma imagem que é pouca conhecida.
O Brasil é visto como um país periférico com pouca influência internacional e como a maior parte dos países do Sul global, que tem poucas oportunidades de aporte. Existe um pouco de preconceito com relação ao Brasil, mesmo sendo um país importante como é, tanto de ponto de vista tamanho, economia, população, diversidade e também um exemplo de tolerância e convivência pacífica entre diversos povos. O Brasil é um país, assim como Israel, curiosamente, formado historicamente por imigrantes, A gente tem um povo bastante miscigenado. As pessoas se reconhecem como vindas de diversos países, mas acima de tudo se reconhecem como brasileiros. Acho que falta uma compreensão para fora daqui, isso não é específico do Israel, mas é uma crítica com relação ao norte global. O norte global não consegue enxergar o sul global como realmente capaz de influenciar e de formar políticas e decisões de forma global.
No Chile é diferente. O Chile enxerga o Brasil de uma forma mais próxima, como gente da gente. Diferente da relação contrária, do como o Brasil enxerga o Chile. Infelizmente, o Brasil tem muito preconceito com a América Latina. O Brasil dificilmente se enxerga como parte dela.
CI – Existe algo que o Brasil pode fazer para mudar sua percepção internacional?
GI – Acho que a lição de casa é uma lição de casa doméstica, nas principais coisas que hoje fazem parte da agenda internacional. O Brasil vem sendo excelente em fazer tudo ao contrário dessa agenda. O Brasil tem tido ano após ano, trimestre após trimestre, altos recordes de queimadas e desflorestamento na Amazônia. O Brasil tem interrompido acordos de respeito aos direitos humanos e a proteção às minorias, das mulheres, dos negros, que não são minorias do Brasil, mas também estão em situação precária cada vez mais. O Brasil tem sido destacado em relatórios de entidades sérias de direitos humanos como um lugar em que há retrocesso. O governo atual, sem dúvidas, representa um acirramento da polarização e radicalização. Esse conjunto de coisas favorece o Brasil a ter uma imagem internacional a respeito do país bastante degradada. A gente olha para 15 anos atrás e vê um cenário completamente diferente onde o Brasil ganhava espaço, voz e relevância na área internacional. Isso tem desaparecido, principalmente desde o início do governo de Bolsonaro em 2019. O Brasil passou a ter um papel relevante a ter um papel de pária. É curioso lembrar que o primeiro-ministro de relações exteriores do governo Bolsonaro, Ernesto Araújo, dizia que por ele, o Brasil fosse mesmo pária. Não se preocupava com isso. Infelizmente, esses antiglobalistas e essa tendência que vem crescendo internacionalmente, tem um reflexo que é exatamente transformar cada país em pária. O Brasil deixou de ser um país relevante no debate internacional e passou a se ignorar. Nos meios diplomáticos, a gente tem visto uma relação de desdém e pena com relação ao Brasil e aos brasileiros em função ao que está acontecendo em relação ao governo atual.
O que o Brasil pode fazer, é a lição de casa. Infelizmente, está mais e mais claro que não é o Bolsonaro que vai fazer essa lição de casa, nem os ministros ineficazes e antiglobalistas, nem um país que em pleno 2022 olha para os direitos das minorias de forma quase jocosa. Então, na minha visão, o principal movimento para que o Brasil possa retomar uma percepção favorável lá fora é se livrar desse governo e tudo o que representa, embora os retrocessos representados terão um legado duradouro que dificilmente serão extintos com uma simples substituição de poder. Acho que a gente vai demorar para recuperar o retrocesso que o Brasil atravessou nos últimos anos desde os governos Bolsonaro e Temer. O começo é se livrar de um governo que é misógino, machista, apoiador de ditadura, violento na sua essência, agressivo contra minorias, desrespeitador do meio ambiente e aos direitos humanos no geral.
CI – Você já foi vítima de discriminação por ser brasileiro?
GI – Não de forma que eu pudesse considerar ameaçadora.
CI – O Brasil é retratado de forma diferente nas notícias do que em filmes?
GI – Acho que existe muita romantização. É difícil a gente olhar para um grupo de notícias e os filmes como coisas homogêneas, então é difícil fazer essa análise de forma precisa, mas acho que aqueles filmes que têm retratado o Brasil de uma forma mais cruel (não como mal, mas cruel como realidade mesmo) e que tem tentado se aproximar da realidade do que é o país, tem se aproximado ao que é noticiado. Na minha percepção pessoal, acho que existe ainda uma falta de compreensão mais aprofundada como um todo. Ainda precisa haver um olhar menos estereotipado sobre o que é o Brasil. Acho que as notícias ainda precisam ter essa preocupação pelo Brasil real. Existe um interesse crescente com relação às particularidades do Brasil que são não essas coisas fantasiosas e estereotipadas.