Após flertar com o fracasso por anos, Tim Maia morreu sem nunca chegar ao fundo do poço
- 6 de abril de 2022
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Desde a internação até a morte do Síndico, a imprensa se preocupou mais com boatos do que com sua saúde de fato.
Mariana Santos
Um dia, quando cansou de deixar amigos, fãs e colegas de trabalho esperando, Tim Maia decidiu aparecer em seu próprio show. Infelizmente, para tristeza de todo o Brasil, esse seria o último palco em que o “Rei do soul” colocaria os pés.
Tim Maia não possuía filtros em suas palavras e muito menos em suas ações. Gostava de dizer: “Não bebo, não fumo e não cheiro, mas às vezes minto um pouquinho”, frase que Nelson Motta reescreveu à sua própria maneira: “Tim fumava, bebia e cheirava como um louco e não mentia nunca, pelo contrário, dizia as mais contundentes verdades com a maior tranquilidade”.
Precisei estudar 22 textos publicados ao longo de 32 anos pelo jornal O GLOBO para de alguma forma tentar compreender os fatos relacionados à vida e morte de Tim. Não cheguei nem perto. Por mais que eu tenha estudado tudo o que o jornal carioca noticiou, as reportagens deram apenas um vislumbre daquilo que de fato aconteceu. O legado de Tim não cabia naquelas páginas.
Antes de falar sobre a sua morte, é importante explicar que o contexto em vida não era nada favorável para o cantor. Ao contrário de alguns artistas que viveram um verdadeiro break down, ele nunca chegou ao fundo do poço de fato. Por mais que flertasse constantemente com a ruína, Tim Maia se recuperou de cada uma de suas quedas, perdendo apenas para a morte.
Uma reputação questionável
Assim como o público, os jornais já tinham perdido completamente a confiança em Tim nos anos 80. No dia 11 de dezembro de 1986, a notícia era que “como era de se esperar” Tim Maia havia faltado aos shows que estavam marcados no Canecão, uma das várias casas de show que tinham um relacionamento conturbado com o cantor. Segundo a reportagem, Tim Maia alegou falta de condições físicas, porém “o pretexto poderia ser qualquer outro, não faria muita diferença”, pois Tim Maia não costumava aparecer em seus próprios shows.
O caso repercutiu e o cantor não deixou barato. Reagiu atacando o Canecão, a imprensa, a prefeitura do Rio de Janeiro e sobrou até para Roberto Carlos. Definitivamente, o apelido de Síndico dado por Jorge Benjor, não veio do acaso.
Tim colecionava desafetos e não tinha medo de falar o que pensava. Foi nesta mesma reportagem que ficou registrada uma opinião que ataca os jornalistas até os dias de hoje. “Todo jornalista gostaria de ser artista, todo redator é aquele que não conseguiu ser escritor e todo mundo quer ser cantor”, disse o cantor para um repórter. Eu estaria mentindo se dissesse que não me ofendi nem um pouco, porém, assim como foi com o público da época, não me falta capacidade de relevar as ofensas de Tim Maia.
Até mesmo Perfeito Fortuna, um animador cultural que levou um “bolo” de Tim, parecia admirar a essência do Síndico. “Ele [Tim Maia] tem o espírito livre porque não está preocupado com carreira, no sentido de ganhar mais dinheiro, mais disco, mais e mais”, disse Fortuna justificando: “quando a gente marca um show com ele, a gente sabe que ele pode não vir, mas arrisca”. Naquela época tudo parecia estar em ordem, mas 12 anos depois, uma notícia terrível questionaria não apenas a saúde de Tim, mas também a fidelidade de seus fãs e a situação financeira do cantor.
O último show de Tim Maia
No dia oito de março de 1998 o anúncio de um show de Tim foi publicado com o título “se os astros ajudarem”. Aquela noite seria um marco na carreira do cantor, uma vez que tudo seria gravado para a TV. Porém, o show não aconteceu já que logo nos primeiros versos da primeira música Tim Maia passou mal e precisou ser levado às pressas para o hospital Antônio Pedro, em Niterói.
Ao contrário do que se pode imaginar, o que mais me chamou a atenção na cobertura deste incidente não foi o estado de saúde do cantor e também não foi o hospital (público) escolhido, mas sim o caráter da reportagem que mais se assemelhava a uma coluna social.
Tim Maia possuía um histórico de uso de cocaína e álcool, mas esses fatores de risco à saúde não foram sequer mencionados na primeira notícia. O veículo em questão preferiu dar destaque para o “seu temperamento explosivo” e para a vida de Tim nos Estados Unidos, “onde acabou se envolvendo mais em questões judiciais do que musicais”. Para melhorar a fofoca, a reportagem fez questão de falar sobre a “época em que [Tim Maia] também frequentava uma controvertida organização religiosa” que em nada tinha relação com os problemas no coração de Tim.
A sensação que o leitor teve ao conferir essa reportagem é de que Tim Maia estava prestes a morrer, afinal, a retrospectiva de sua vida não teria espaço no jornal se o estado de saúde do cantor fosse menos preocupante. A semana de internação começou com um tom mais atento e preocupado com a saúde do cantor, contudo, tão logo surgiram novas informações privilegiadas, o padrão de revista de fofoca tomou conta das primeiras páginas mais uma vez.
Boatos durante a internação
Era o segundo dia de internação quando começaram os boatos sobre a situação financeira de Tim. Alguns jornalistas questionaram a família acerca do hospital escolhido para a internação. Todos queriam que Tim Maia fosse transferido para um hospital particular, onde teria mais recursos e equipamentos para se recuperar, porém Adriana Silva, secretária do cantor, sugeriu uma explicação: “Tim Maia estava muito estressado, pois estava com muitas dívidas”.
Dias depois, enquanto o estado de saúde de Tim apenas piorava, os jornalistas escolheram endossar a ideia de ídolo esquecido e abandonado ao publicar que “apenas um fã apareceu na porta do hospital”, percepção que foi refutada várias vezes pelos eventos subsequentes.
Junto com os boatos sobre a falta de apoio dos fãs, retornaram os boatos sobre sua condição financeira. Nesse ponto, porém, os fofoqueiros estavam certos: Adriana explicou que além de estar passando por sérios problemas financeiros, Tim não possuía plano de saúde.
Posteriormente, se descobriu que as dívidas de Tim Maia eram principalmente decorrentes de processos acumulados de casas de shows que tiveram prejuízos com as faltas do cantor e de ex-funcionários de sua banda “Vitória Régia” que alegavam não ter recebido o seu salário. As dívidas com os músicos são uma parte muito contraditória da vida de Tim, e para entender essa contradição basta se lembrar que uma das pautas mais levantadas por Tim era de que as pessoas não pagavam um valor justo pelo seu trabalho. De qualquer maneira, o jornal O Globo disse que justamente os músicos da “Vitória Régia” estavam encarregados de se revezar no hospital.
Boatos após a morte
Depois de muitos momentos cheios de esperança e outros marcados por decepções, a morte de Tim Maia foi anunciada pouco depois das 15h do dia 15 de março de 1998. E até neste momento de luto, o jornal assegurou que desde o início da tarde o hospital “foi cercado por boatos” que iam desde a morte de Tim até a confirmação de um dos músicos de que Adriana, além de secretária, era casada com Tim há quatro anos.
Uma grande multidão fez filas na região e os fãs iam chegando “com flores que pegavam nos jardins próximos ao António Pedro”. O tradicional minuto de silêncio foi substituído por cantorias e homenagens tanto no velório quanto no enterro de Tim Maia. Um fato pouco relevante, porém curioso, que foi registrado nessa matéria foi a reação de Erasmo Carlos que “chorou muito”e “xingou uma fã que lhe pedira um autógrafo”.
A realidade é que as reações à morte do cantor foram variadas. Roberto Frejat disse: “Fico triste que ele não tenha morrido milionário”. Já Paula Toller, entre muitos elogios, declarou que Tim Maia “pagou o preço de falar o que pensava”. Por serem apenas declarações pontuais, nenhum desses pequenos textos publicados chegaram aos pés do que o “síndico” merecia, com exceção do texto de Nelson Motta.
Relatos muito além dos boatos
Em duas emocionantes páginas, o produtor e amigo próximo do Síndico narrou momentos constrangedores e embaraçosos em que Tim Maia se envolveu. Atualmente um leitor desatento que desconhecesse a amizade entre os dois poderia facilmente questionar: fã ou hater? Entretanto, apenas alguém que de fato admirasse Tim Maia seria capaz de descrevê-lo com tamanha sensibilidade.
“O maior cantor brasileiro desde João Gilberto”, esse era Tim Maia para Nelson Motta. Se você procurar com atenção, também vai encontrar uma série de ofensas, bem como histórias impressionantes escritas no livro Vale Tudo: O som e a fúria de Tim Maia, que Nelson escreveu após a morte de Tim.
Por mais que muitos boatos estejam registrados na história impressa, me incomoda profundamente não encontrar reportagens daquela época aprofundadas e focadas verdadeiramente no estado de saúde do Síndico. Se não falar sobre as drogas foi uma falha na apuração ou um acordo feito com a imprensa, não há como saber, entretanto, é um fato que na cobertura do jornal O Globo existem lacunas tanto na vida quanto na morte de Tim Maia.