Alerta Amazonas e a falta de ética: até onde vale a pena ir por audiência?
- 26 de outubro de 2022
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- Theillyson Lima
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A TV brasileira influencia diretamente os telespectadores, mas será que é obrigação dela manipular milhões de posicionamentos políticos ou é responsabilidade dela ser os olhos da sociedade?
Laura Rezzuto
O jornal brasileiro tem sido um meio amplo para informar bilhões de pessoas há quase um século, sejam essas notícias relevantes ou não. Porém, eu e você sabemos o quanto a sociedade pode ser facilmente influenciada pelo que ouve ou vê dos que por ela são admirados. Existe uma TV em baixo de milhões de tetos pelo Brasil, na qual é transmitido o programa jornalístico brasileiro, com conteúdo sério, que noticia tudo aquilo que os nossos olhos não alcançam, de forma responsável, profissional e comprometida, com exceção, talvez, do Alerta Amazonas.
O Alerta Amazonas é um programa jornalístico e nortista da TV A Crítica. O programa estreou em 3 de junho de 2019, após a sua emissora desfiliar-se da Record TV. Inicialmente, o jornal era apresentado pelo jornalista Emanoel Cardoso, até julho, quando a direção do programa decidiu que o Alerta Amazonas precisava ganhar um novo formato e atingir um público alvo maior, por isso, Sikêra Júnior chegou para assumir o jornal e “tocar o barco”, mas, até que ponto você acha que esse novo apresentador e o seu time iriam por audiência? É isso que eu vou mostrar para você hoje.
Ao longo de 10 dias eu pude analisar o programa de forma minuciosa. Em suma, esse jornal diário, ao vivo e do período vespertino, tem duração de três horas, e acredite se quiser, haviam tantas coisas para serem analisadas, que basicamente, eu conseguia preencher duas laudas de textos resumidos em cada novo capítulo desta “promessa” para o novo formato jornalístico da TV brasileira.
Funcionamento “jornalístico”
O programa começa com cerca de quatro propagandas de empresas amazonenses, até que o apresentador finalmente surge com a sua famosa frase “olá, humanos”. Ao decorrer do jornal, Sikêra Júnior permanece em pé, informa os últimos acontecimentos do estado, que em sua maioria são roubos e homicídios, além de interagir com o público, repórteres e sua equipe de produção, claro que, do seu próprio “jeitinho profissional e atencioso” de abordar sobre as pautas do dia.
Por mais incomum que seja, o Alerta Amazonas possui os seus personagens(os cinegrafistas), que participam do jornal junto com o apresentador. E se você ainda não entendeu muito bem como isso poderia funcionar dentro de um programa tão sério, eu posso explicar. Esses personagens, representados pela produção, são como fantoches do próprio Sikêra Júnior, e são conhecidos como Jumento Órfão, Zé Ressaca, Tommy Gretchen, Coringa da Amazônia e Bispo Rodrigues, no caso, o repórter Luiz Rodrigues.
No decorrer do jornal, o âncora não somente noticia os últimos crimes na região, como também comenta sobre eles; confronta criminosos foragidos, que para ele, podem estar assistindo o programa; atribui reclamações à sociedade; se queixa dos seus repórteres por terem ética e não invadirem o camburão das viaturas policiais, e ainda por cima ofende cidadãos que possuem opinião política contrária à sua.
Alguns dias atrás
Para analisarmos melhor, precisamos voltar alguns dias atrás. Na programação do dia 20 deste mês, a pauta principal era um homicídio que havia ocorrido em um posto de gasolina da região e felizmente os suspeitos foram presos. No local, o repórter do jornal já estava pronto para fazer a sua passagem. Ao fim dela, Sikêra manda o repórter se aproximar do camburão da polícia e questionar os presos, o que havia sido proibido pelas autoridades. O jornalista evidentemente se recusa, mas após a pressão do âncora, tenta chegar perto, porém, é barrado.
Enquanto isso, observando o enquadramento da câmera, é possível ver ao fundo a vítima no chão, com um papelão sob ela. Sem nenhum sucesso em conseguir uma entrevista com os suspeitos, o âncora diz ao vivo “pelo menos mostra o pezinho do morto para a gente, já que tu não conseguiu chegar no camburão. Mostra o pezinho do morto, câmera. Olha ali, gente”. Enquanto isso, Sikêra ri e se torna nítido o constrangimento do repórter, ao apresentador menosprezar o seu profissionalismo. Porém, não para por aí.
Ao longo do programa, também acontecem as propagandas de produtos e empresas, nas quais a produção participa. No entanto, houve algo curioso durante uma das divulgações. Uma cinegrafista foi usada para demonstrar como manuseava uma ferramenta de construção, e através da sua expressão facial e da sua interação era explícito o seu desconforto com a situação.
Outro fato incomum de se ver em um programa jornalístico que tem como maior objetivo ser os olhos da comunidade de maneira responsável, é o jeito “descontraído” de Sikêra. Enquanto a repórter Mayara relatava uma quadrilha de mulheres que utilizava documentos falsos, o apresentador gritava e rodopiava no cenário, e ao fim da passagem da jornalista, Sikêra diz que tudo bem usar documentos falsos e que não acontecerá nada com quem decidir utilizá-los.
Porém, como se não bastasse, durante outra passagem da repórter Mayara, Sikêra Júnior a interrompe, começa a fazer a propaganda de uma empresa, anuncia o intervalo e diz “o intervalo mais rápido Brasil. Apenas o tempo necessário para você fazer o seu xixi, tomar um café e fumar um cigarrinho”. Após o anúncio do intervalo, a transmissão do jornal continua e é possível ouvir a conversa nos bastidores entre o próprio apresentador e a sua produção, na qual ele diz: “eu não espero mais nada dessa governadora do Rio Grande do Sul. Horrível e péssima. Mas ela deve ter feito alguma coisa boa, né? foi reeleita”.
Por último, ao retornar com o jornal, Sikêra diz que o Alerta Amazonas é um programa sério e para toda a família brasileira, porém, solta uma palavreado um tanto quanto irreverente. Então, ao fim da notícia sobre uma decisão de vereadores da capital do estado, o apresentador, que aparentava discordar do assunto, diz: “é um povo de esquerda, a favor da maconha. Conseguem se infiltrar em tudo o que é lugar. O mal é assim, né?”
A responsabilidade jornalística deve existir em meio ao povo
Não é de hoje que muitos não aderem esse novo formato com um toque de Sikêra Júnior. Apesar de muitos nortistas serem fãs do Alerta Amazonas, outros se sentem ofendidos e incomodados com a abordagem do apresentador e de sua produção. Tanto que, segundo outros jornais, como UOL, o fenômeno que batia recorde de audiência e vencia até o Jornal Nacional e a novela das sete, agora tem dificuldade de passar até mesmo alguns jornais pouco assistidos do SBT.
Nesses três anos de programa, a falta de ética e consciência têm sido tão explícita, que várias marcas já deixaram de patrocinar o jornal, além de vários processos que o âncora ainda responde por posicionamentos homofóbicos e ofensas à celebridades como Xuxa Meneghel. Por isso fica o questionamento, será que vale a pena “sensacionalizar” e descontrair de maneira radical apenas para tentar engajar o público? O jornalismo ainda existe nele mesmo assim, ou não se passa apenas de um programa que ofende, deixa de representar o verdadeiro programa jornalístico e a responsabilidade em ser o olhar da comunidade?
O Alerta Amazonas, se um dia já foi um programa maduro e ético, deixou de influenciar positivamente o povo nortista e até mesmo grande parte do país. Hoje, nesse “jornal”, resta apenas a intervenção partidária dentro da comunidade e o entretenimento voltado para um público específico, que também não procura por responsabilidade jornalística.