
O império dos remakes
- 23 de abril de 2025
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- Theillyson Lima
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Por que a Disney não para de revisitar seus próprios clássicos?
Isabella Maciel
Desde o sucesso comercial de “Alice no País das Maravilhas” (2010), o império da Disney parece ter encontrado um modelo rentável que mistura tecnologia de ponta, efeitos visuais realistas e uma dose generosa de nostalgia. O resultado? Uma avalanche de versões live-action que revisitaram histórias já conhecidas do público, como “A Bela e a Fera” (2017), “O Rei Leão” (2019), “Aladdin” (2019), “A Pequena Sereia” (2023), entre outros. Mas afinal, por que esses remakes estão sendo feitos? A justificativa estaria no avanço da tecnologia? Em uma tentativa de atualizar valores e promover mais representatividade? Ou tudo isso seria apenas uma estratégia comercial extremamente calculada?
O que está em jogo quando uma empresa com um dos maiores catálogos da história do cinema decide refilmar seus próprios sucessos ao invés de apostar em narrativas inéditas? E mais, será que esses remakes realmente precisam existir?
Nostalgia ou capital seguro?
Ainda que sejam sucesso garantido de bilheteria, os remakes live-action da Disney dificilmente alcançam o mesmo reconhecimento crítico de suas versões animadas. Segundo dados do Rotten Tomatoes, os clássicos de animação da Disney têm uma média de aprovação de 94%, enquanto as versões em live-action sustentam uma média de apenas 60%, uma diferença de 34 pontos. A distância fica ainda mais gritante entre os chamados “Melhores Críticos” do site: 91% de aprovação para as animações, contra 54% para os remakes. Esses números revelam que, do ponto de vista da crítica especializada, as novas versões oferecem pouco ou nenhum avanço em relação ao material original.
Mesmo o público, mais generoso nas avaliações, mantém uma preferência clara: enquanto os remakes live-action têm média de 62%, os clássicos animados seguem com 81% de aprovação. Apenas uma exceção escapa à regra, “Mogli: O Menino Lobo” (2016), dirigido por Jon Favreau, conseguiu superar a versão original de 1967 em seis pontos. Mas fora esse caso isolado, todos os outros remakes recebem avaliações inferiores às animações. Esse padrão levanta uma questão incômoda: se os filmes originais seguem sendo mais bem avaliados tanto por crítica quanto pelo público, o que justifica a insistência nesses projetos?
Uma das principais motivações por trás dos remakes da Disney parece ser o apelo comercial. Reviver clássicos da infância garante audiência. Eles vendem um produto já testado, com público certo e retorno quase garantido. Filmes como “O Rei Leão” (2019) ultrapassaram a marca de 1,6 bilhão de dólares em bilheteria. A nostalgia, aqui, se torna uma estratégia mercadológica.
A teoria lógica de consumo aqui é que as pessoas não querem só rever os filmes da infância, elas querem reviver a experiência. A Disney entende isso perfeitamente e oferece ao público o que ele já conhece, embalado com uma nova estética, novos atores e, às vezes, um toque de correção de valores.
Quando o objetivo principal é garantir lucros, e não contar novas histórias, o cinema perde parte de sua função como arte. O remake, nesse cenário, deixa de ser uma escolha estética ou narrativa, e passa a ser um produto de catálogo, pronto para ser revendido a cada geração.
Tecnologia
Muitos remakes da Disney se apoiam na tecnologia para justificar sua existência. O CGI teoricamente hiper-realista de “O Rei Leão”, por exemplo, foi vendido como um marco técnico. Mas será que realismo é sinônimo de qualidade narrativa?
As novas versões podem impressionar visualmente, mas deixam a desejar em termos de emoção e originalidade. A animação de 1994 do mesmo “O Rei Leão” é lembrada pela expressividade dos personagens, algo que o realismo digital, curiosamente, não conseguiu reproduzir com a mesma força.
A graça do desenho animado não seria entrar em uma “realidade irreal”? Os desenhos animados contam narrativas de mundos, na maioria das vezes, muito diferentes do qual vivemos. Esse tipo de produto desperta a criatividade de quem produz.
A tecnologia de CGI, vendida como avanço, tem servido mais como maquiagem do que como motor narrativo nos remakes da Disney. O que antes era animação viva, cheia de personalidade e liberdade estética, foi trocado por imagens plastificadas e engessadas, que priorizam o impacto visual em detrimento da emoção. A obsessão pelo “realismo” visual transforma personagens expressivos em bonecos digitalmente genéricos, esvaziando o afeto e a fantasia que marcaram gerações.
A Disney, que já foi símbolo de imaginação e risco criativo, parece hoje dominada por uma lógica preguiçosa, que prefere reciclar seus próprios sucessos do passado com um disfarce tecnológico do que investir em algo genuinamente novo. O resultado são filmes visualmente caros, mas sem qualidade narrativa, produtos de um império que trocou a arte pela repetição confortável.
A pergunta aqui não é sobre a qualidade técnica das produções, mas sobre o porquê delas existirem. Recontar uma história apenas para torná-la “mais realista” pode não ser suficiente.
Império marketeiro
Outro argumento comum para os remakes é a tentativa de atualização de valores. Isso inclui maior diversidade no elenco, revisão de personagens problemáticos e abordagens mais sensíveis a questões sociais. Em tese, esses ajustes são bem-vindos, e necessários. Mas será que eles são genuínos ou apenas mercadológicos?
A escolha de uma atriz negra para viver Ariel, por exemplo, gerou debates e gerou um avanço importante na representatividade. No entanto, em muitos casos, as mudanças parecem calculadas para agradar a públicos específicos sem promover transformações significativas na estrutura da narrativa.
Se a representatividade serve mais para reforçar a imagem da marca do que para transformar o conteúdo e gerar impacto no público, então talvez ela esteja sendo usada como estratégia de marketing, e não como um compromisso real com a diversidade.
A lógica do império
A Disney não faz remakes apenas por vaidade criativa. Se trata de uma estratégia consolidada de mercado. Ao refazer suas próprias obras, a empresa garante que suas franquias permaneçam vivas no imaginário coletivo. É uma forma de renovar o capital simbólico e financeiro sem arriscar muito.
O remake vira um produto replicável, parte de um modelo que privilegia o consumo recorrente. Isso explica por que a Disney domina seus lançamentos com versões atualizadas de clássicos, ao invés de investir mais em histórias inéditas.
Não se trata de rejeitar todo remake, mas de perguntar o que ele oferece além do apelo visual ou emocional. O que está sendo recontado, e por quê? Em um mercado que recicla com tanta frequência, a Disney parece ter esquecido como é criar sem roteiro pronto.