Tudo em nome de Deus? A manipulação da religião nas eleições brasileiras
- 16 de outubro de 2024
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- Theillyson Lima
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Enquanto a religião se transforma em palanque político, a verdadeira essência do cristianismo, se perde em meio a discursos de ódio.
Davi Sousa
A relação entre religião e política no Brasil se tornou um dos temas mais polarizadores nas recentes eleições. As igrejas, especialmente as evangélicas, transformaram-se em palanques para discursos que muitas vezes flertam com a manipulação e a intolerância, distorcendo os princípios que deveriam promover a inclusão e o respeito à diversidade. O fenômeno não é novo, mas a crescente influência dos líderes religiosos na política revela uma perigosa ação em que a fé é usada para justificar ações que pouco têm a ver com os ensinamentos de justiça e igualdade presentes nas escrituras sagradas.
O uso instrumental da fé
De acordo com o portal Jus, às eleições municipais de 2024 destacaram como a moralidade religiosa foi utilizada para moldar propostas políticas. Candidatos frequentemente citam a bíblia para legitimar suas agendas, selecionando passagens que favorecem suas ideologias.
Esse manuseio da fé alheia não apenas ignora o espírito inclusivo do cristianismo, mas também apresenta um quadro distorcido da moralidade, permitindo que lideranças religiosas se coloquem como intermediários entre Deus e a sociedade, como se possuíssem uma “autoridade divina” para determinar o que é certo ou errado.
Um exemplo emblemático é o ex-presidente Jair Bolsonaro, que durante seu governo, fez uso explícito da religião para justificar suas políticas, frequentemente associando suas decisões a uma suposta vontade divina, mas não para por aí não, viu!? O influenciador Pablo Marçal também merece destaque. Conhecido por sua fala fácil e envolvente nas redes sociais sendo uma espécie de “coach religioso”, Marçal utiliza sua influência para se apropriar da fé de muitos, prometendo soluções milagrosas para questões complexas. Suas propostas, que prometem um “despertar” espiritual, muitas vezes não passam de estratégias populistas para conseguir apoio, explorando a vulnerabilidade fragilizada dos fieis.
O impacto da polarização na religião
A polarização religiosa, alimentada por discursos de ódio e intolerância, afeta a coesão social. Em matérias do G1 e da Folha de S. Paulo, a ênfase em posições extremistas tem sido evidente, mostrando como a religião é usada para criar divisões em vez de promover a paz e a harmonia. A retórica que vivifica o diferente, a fim de conquistar votos, revela como a religião pode se tornar um “palco para maluco”, no qual ideais distorcidos são defendidos em nome de uma suposta moralidade cristã.
Marçal exemplifica essa tendência, ao se colocar como um “profeta moderno” que promete respostas fáceis em um mundo tão complexo. Seu discurso, recheado de simplificações e clichês, ignora as nuances das realidades enfrentadas pelas pessoas, usando a fé como uma ferramenta de manipulação. Ao invés de promover um diálogo saudável e construtivo, ele contribui para uma cultura de polarização, na qual a crítica ao status quo é substituída por promessas vazias e soluções superficiais.
O desafio da laicidade
A separação entre igreja e estado, um princípio fundamental consagrado na constituição de 1988, está sob constante ameaça. O uso da religião como um instrumento político por líderes que frequentemente se aproveitam da vulnerabilidade de seus fieis reflete uma falta de respeito pela diversidade religiosa e pela laicidade do estado. Ao buscar influenciar as decisões políticas por meio de discursos religiosos, esses líderes não apenas desafiam a constituição, mas também deslegitimam a pluralidade que deveria ser uma característica fundamental da sociedade brasileira.
As tensões sociais aumentam à medida que a política se torna um campo de batalha no qual a moralidade religiosa é usada para justificar ações que, na verdade, se distanciam dos preceitos bíblicos. A interpretação seletiva das escrituras, utilizada para atacar adversários e promover agendas pessoais, ignora o chamado à paz e à unidade presente em passagens como Romanos 12:18, que nos convida a viver em harmonia com todos.
Papel da religião na construção de um futuro justo
O papel que as igrejas têm desempenhado nas eleições brasileiras é, no mínimo, preocupante. O que deveria ser um espaço sagrado para a espiritualidade e o fortalecimento da fé tem se tornado, cada vez mais, um campo de batalha político polarizado. Líderes religiosos estão se posicionando como verdadeiros cabos eleitorais, empurrando seus fieis a votarem de acordo com suas conveniências, como se estivessem em posição de ditar não apenas o destino espiritual de uma pessoa, mas também suas decisões cívicas.
Essa aliança entre religião e política é perigosa. Ela cria uma narrativa na qual a fé é explorada como moeda de troca, e a espiritualidade, que deveria ser uma escolha individual e sagrada, é manipulada para beneficiar interesses muito mais mundanos do que celestiais. Essa prática não é apenas antiética, é uma traição ao propósito original da religião que segundo os mesmos tem o objetivo de guiar o ser humano em sua jornada de autoconhecimento e conexão com o divino, e não interferir na liberdade de escolha política em um contexto político.
Há quem justifique essa interferência como uma forma de “orientação moral”. Mas essa argumentação desmorona quando a fé é utilizada para impor um único ponto de vista, silenciando a pluralidade de opiniões. Igrejas transformadas em máquinas de votos rompem com a própria ideia de comunidade e acolhimento, criando uma espécie de servidão ideológica. Como já dizia um ditado popular, “religião aliada à política é uma arma perfeita para escravizar ignorantes.” E essa arma está sendo usada de forma cada vez mais explícita em nosso país.
A pergunta que fica é, até quando vamos aceitar que igrejas interfiram nas eleições e distorçam o futuro do nosso país em nome de interesses egoístas?