Quem ganha quando a violência substitui os votos?
- 16 de outubro de 2024
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- Theillyson Lima
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Spoiler: não é você e nem a democracia.
Vefiola Shaka
Em um país onde a violência já é uma realidade do dia a dia, o Brasil agora enfrenta uma nova e perigosa faceta deste problema: a escalada da violência política. Nos primeiros três meses deste ano, o Observatório da Violência Política e Eleitoral registrou um aumento de 40% nos casos de violência contra políticos e candidatos em comparação com o mesmo período de 2020, último ano de eleições municipais.
Dez casos de assassinato, 100 atentados, 138 ameaças, 54 agressões, 51 ofensas, 13 criminalizações e sete invasões. Até que ponto a violência pode corroer os alicerces de uma democracia? Quando o medo substitui o debate como força motriz do processo eleitoral, o que resta da vontade popular?
A escalada das narrativas de ódio
O tecido social brasileiro, já fragilizado por anos de polarização política, se encontra no limite de ruptura. O discurso de ódio, antes confinado aos rincões mais obscuros da internet, ganhou as ruas e as tribunas, transformando o debate político em um campo de batalha literal.
O incidente da “cadeirada” em São Paulo, que se tornou viral nas redes sociais, é um sintoma alarmante desta nova realidade. A transformação deste ato de violência em meme revela uma perigosa dessensibilização da sociedade frente à agressão física no contexto político.
As redes sociais, outrora celebradas como ferramentas de democratização da informação, agora se revelam como potenciais catalisadoras do caos. Algoritmos projetados para maximizar o engajamento favorecem conteúdos extremistas e inflamatórios, criando câmaras de eco que reforçam preconceitos e radicalizam posições. Este ambiente digital tóxico transborda para o mundo real, se materializando em agressões físicas e ameaças à integridade de candidatos e eleitores.
O preço social da violência política
As consequências sociais desta escalada de violência são profundas e potencialmente duradouras. O medo generalizado ameaça suprimir a participação cívica, pilar fundamental de qualquer democracia saudável. Cidadãos comuns, temendo represálias, podem optar por se afastar do processo político, resultando em uma erosão silenciosa, mas devastadora, do engajamento democrático.
Além disso, a violência política tem o poder de reconfigurar o tecido social das comunidades. Vizinhos que antes conviviam pacificamente, apesar de divergências políticas, agora se veem como inimigos. Esta fragmentação social pode ter repercussões de longo prazo, minando a coesão necessária para enfrentar desafios coletivos, desde a gestão de crises até o desenvolvimento econômico local.
Democracia sob fogo cruzado
O impacto desta violência na saúde democrática do Brasil é incalculável. Quando candidatos precisam de escolta policial para fazer campanha e eleitores temem usar símbolos de seus partidos, a liberdade de expressão, que é pedra angular da democracia, está fundamentalmente comprometida e ofendida.
A presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, comentou durante uma sessão do tribunal sobre a violência praticada na política que desrespeita a sociedade e a democracia.”Há que se exigir, em nome do eleitorado brasileiro, que candidatos e seus auxiliares de campanha deem-se ao respeito. E se não se respeitam, respeitem a cidadania brasileira, que ela não está à mercê de cenas e práticas que envergonham e ofendem a civilidade democrática”, pondera.
Preocupante também é o fato de que a violência tem potencial muito grande em alterar o próprio resultado das eleições. Candidatos qualificados podem desistir de concorrer, temendo por sua segurança ou a de suas famílias. Eleitores podem mudar seu voto não com base em convicções políticas, mas por medo de retaliação. Neste cenário, as urnas deixam de refletir a verdadeira vontade popular se tornando um termômetro do medo coletivo. Porque eu devo ter medo em pleno 2024?
A mídia no olho do furacão
A cobertura midiática destes eventos violentos apresenta um dilema ético e profissional para jornalistas e veículos de comunicação. Por um lado, há a responsabilidade de informar o público sobre a gravidade da situação e por outro, existe o risco de amplificar mensagens de ódio ou inspirar atos macabros.
A cobertura do assassinato político em Santo André ilustra este desafio. Enquanto alguns veículos optaram por uma abordagem sóbria e analítica, outros optam pelo sensacionalismo, potencialmente contribuindo para um clima de medo e instabilidade. Qual é a responsabilidade social da mídia em tempos de crise democrática?
Neste mesmo tempo, a mídia local enfrenta seus próprios perigos. Jornalistas que cobrem política municipal muitas vezes se encontram na linha de frente da violência, expostos a ameaças e intimidações.Todos esses acontecimentos levam ao completo abandono das coberturas em certos lugares.
Respostas institucionais: suficientes ou superficiais?
Diante deste cenário alarmante, as instituições brasileiras, como o Tribunal Superior Eleitoral, implementaram medidas para manter a ordem em um momento tão importante para o país. A própria Carmen Lúcia fez um discurso sobre os últimos acontecimentos. Mesmo assim, muitos críticos argumentam que estas ações “bem intencionadas” não são o suficiente para resolver o problema.
A Polícia Federal e as forças de segurança estaduais têm intensificado o trabalho deles para prevenir e investigar casos de violência política. Enquanto o Congresso Nacional, por sua vez, debate a implementação de leis mais rígidas contra crimes eleitorais e discurso de ódio.
Uma questão crucial que surge na minha mente é até que ponto as instituições brasileiras estão preparadas para lidar com esta nova forma de ameaça à democracia? Quando a violência ganha os votos, não há nenhum ganhador real, apenas uma sociedade com medo e uma democracia machucada.