“O grande desafio é compreendermos que nós somos meio ambiente”
- 25 de setembro de 2024
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- Theillyson Lima
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Para a jornalista Eloisa Loose, não há como falar de mudanças climáticas apenas quando um desastre eclode, focando sempre nas consequências trágicas.
Natália Goes
As queimadas no Brasil ganharam a atenção do mundo. Cidadãos de outros países já entenderam os problemas urgentes que o Brasil enfrenta, enquanto o brasileiro parece estar vendado, sem compreender a gravidade da situação e a necessidade de uma ação rápida, visto que estamos pagando com nossas próprias vidas pelo desmatamento. Uma catástrofe climática não é um problema para a próxima geração, ela já está presente. Quem ainda não entendeu esse momento de emergência, no qual estamos em uma guerra contra as queimadas, é negacionista.
A jornalista Eloisa Loose está lutando. Pesquisadora na área de comunicação e meio ambiente há mais de 15 anos, ela teve a tese de doutorado contemplada com o prêmio Capes, em 2017. Atualmente é professora da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS e coordena o Laboratório de Comunicação Climática. Tem experiência na área de Jornalismo Científico e Ambiental, atuando na divulgação científica, comunicação de riscos e desastres. É autora dos livros “Jornalismo e Riscos Climáticos” (UFPR/2020) e “Jornalismos e Crise Climática” (Insular/2024).
Na entrevista que você lê abaixo, fica claro que a jornalista segue firme em seu trabalho para mudar a perspectiva da sociedade e da cobertura jornalística sobre desastres ambientais. Na Amazônia, no cerrado, na caatinga, na mata atlântica, no pantanal ou nos pampas, tudo está conectado. Para salvar os biomas brasileiros, muitas ações são fundamentais, como prevenir o desmatamento e reflorestar, recuperar os rios contaminados, evitar as queimadas, expulsar o garimpo, preservar e proteger os territórios indígenas, barrar a sede por petróleo, impedir a compra de plantas e animais silvestres retirados ilegalmente da natureza, além de reduzir o consumo, reutilizar e reciclar materiais, e, por fim, economizar água e energia. Confira a entrevista com Eloisa Loose!
Canal da Imprensa: O que te levou a trabalhar com jornalismo focado em pautas ambientais?
Eloisa Loose: Quando comecei a estudar jornalismo, na graduação, já identifiquei que existiam muitas lacunas nessa área – naquela época, no começo dos anos 2000, os veículos especializados em meio ambiente estavam nas grandes cidades, em veículos de grande circulação. Embora já entendesse que este era um assunto de relevância pública, que afetava a todos, não entendia porque a cobertura local era tão escassa. Eu dediquei parte da minha formação inicial na aproximação com o tema (fiz estágio, extensão e pesquisa voltados para a questão ambiental) e depois ingressei no mestrado para estudar jornalismo ambiental com a intenção de ampliar e aprofundar o debate ambiental nas redações.
CI: Quais são os maiores desafios que você enfrenta ao cobrir políticas ambientais, especialmente em comparação com outros tipos de cobertura jornalística?
EL: Hoje eu não atuo como repórter, mas acompanho a cobertura por meio do Observatório de Jornalismo Ambiental, um projeto de extensão vinculado do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS), além de realizar atividades de ensino, pesquisa e extensão nessa área. Acredito que um dos entraves da cobertura seja o conflito entre interesses econômicos, baseados na exploração da natureza, e o cuidado ambiental. Como a racionalidade econômica é dominante nas decisões políticas, o meio ambiente torna-se um problema, pois exige entender que precisamos nos desenvolver de outras formas e aceitar que o planeta não comporta um crescimento ilimitado. Não é possível mais ver a questão ambiental como uma parcela da realidade que é isolada das demais; meio ambiente é um tema transversal e deveria ser pensado em todas as políticas e etapas da gestão pública. Penso que o grande desafio é compreendermos que nós somos meio ambiente. A visão dicotômica entre natureza e sociedade impulsiona uma visão utilitarista e de desconexão com a real sustentabilidade.
CI: Muitas vezes as notícias sobre o meio ambiente vêm acompanhadas de termos como “o maior recorde” ou “a pior crise”. Até que ponto essas informações são precisas ou podem ser consideradas sensacionalistas?
EL: Essa pergunta deve ser respondida caso a caso. O recorde ocorreu? Quais os dados que sustentam a ideia de “pior crise”? O fato é que as previsões científicas têm se realizado e, cada vez mais, experimentamos situações extremas ainda não registradas – em todo o mundo. Essas narrativas, que enfatizam aspectos de gravidade e urgência, podem gerar paralisia e apatia por parte do público, o que pode ser contraproducente para pensarmos no enfrentamento da crise climática, por exemplo. Por outro lado, amenizar ou negar esses registros é contribuir para a desinformação. Acredito que uma forma de relatar o agravamento do problema ambiental é contextualizá-lo e apresentar caminhos possíveis para mitigá-lo. O sensacionalismo pode ocorrer quando a notícia se encerra no efeito imediato (o que também ocorre em coberturas de outros assuntos).
CI: Como o jornalismo pode equilibrar o papel de conscientizar o público sobre questões ambientais?
EL: A lógica da cobertura deve ser alterada. Não há como falar de mudanças climáticas apenas quando um desastre eclode, focando sempre nas consequências trágicas. Isso pode gerar uma sensação de fatalismo. A cobertura deve ser frequente e discutir questões de prevenção, redução de riscos de desastres e modos alternativos de vida. Além disso, as causas estruturais relacionadas à emergência ambiental, diretamente associadas à ideia hegemônica do que é desenvolvimento, precisam ser mais reportadas.
CI: Qual o interesse da mídia internacional sobre as atuais queimadas no Brasil? Existe uma pressão internacional? Eles realmente estão olhando para nossos biomas?
EL: O Brasil tem boa parte da maior floresta tropical do mundo, razão pela qual o mundo, diante da “fervura global”, está atento às políticas de proteção ambiental. A floresta amazônica desempenha um papel relevante na regulação do clima regional e mundial. Se o desmatamento persistir, teremos ainda uma grande contribuição para a intensificação das mudanças climáticas, já que a floresta deixará de capturar carbono e passará a emiti-lo. Dados recentes mostram que essa inversão já está ocorrendo de forma significativa em decorrência das queimadas.
CI: Com todas as crises climáticas que tem acontecido no Brasil, como você enxerga a cobertura da mídia para essa questão? Devemos atribuir responsabilidade a governos e políticos específicos? E como você enxerga a atenção do Brasil para essa questão?
EL: A cobertura brasileira, de forma geral, tem ampliado o debate. Houve uma aproximação do tema com o dia a dia da população. Houve um tempo em que as mudanças climáticas eram reportadas apenas nas COPs (eventos internacionais) ou nos lançamentos dos relatórios dos IPCC. Hoje a perspectiva é mais próxima dos territórios, embora ainda bastante centrada nos efeitos. O enquadramento predominantemente científico, do início da cobertura, passou a ser mais político e econômico, com mais espaço para ativistas ambientais. É importante explicar a cadeia de decisões que acarretou (e segue aprofundando) a crise vivida hoje, mas é difícil “medir” a contribuição individual de cada sujeito. A população está preocupada, mas nem sempre consegue relacionar as eleições, o aumento dos alimentos ou as escolhas de compra, por exemplo, com a emergência climática. O jornalismo deve fazer esse esforço de conectar os assuntos que, tradicionalmente, estão inseridos em editorias diferentes.
CI: Você acredita que está remando contra a maré? Como consegue seguir em frente?
EL: Eu entendo que seguir em frente, trabalhando em prol de uma mudança de perspectiva, é a única opção. Há muitas pessoas comprometidas com outras formas de se relacionar com a natureza. Há muitos caminhos possíveis. Cabe ao jornalismo apresentá-los como possibilidades de futuro.