Quem é uma jornalista de sucesso?
- 8 de março de 2023
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- Theillyson Lima
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Robin Scherbatsky, de How I Met Your Mother, traz lições e absurdos sobre a realidade do mercado para jornalistas.
Cristina Levano
Quem é considerada uma jornalista bem-sucedida? Talvez, automaticamente, você pense em alguma jornalista famosa, que viajou pelo mundo, que todos conhecem, que aparece em todas as publicidades de uma determinada emissora. Será que sempre foi assim? Qual é a verdadeira história por trás de uma jornalista de sucesso?
Em diferentes ocasiões, Hollywood tentou mostrar o que vive uma jornalista em seu caminho ao “sucesso”, criando estereótipos que ficam grudados na mente e mudam a perspectiva das pessoas. Esses estereótipos, presentes inicialmente em filmes, foram levados para produtos televisivos seriados.
Um exemplo é a sitcom How I Met Your Mother (HIMYM). Através da história de Robin Scherbatsky, o público consegue ver os sacrifícios, o esforço e as dificuldades que muitos jornalistas, principalmente mulheres, tiveram que passar para cumprir suas metas com a sua profissão – mas tudo com uma dose estereotipada de humor.
Começar por baixo
Um jornalista de “sucesso” não surge de um dia pro outro; ninguém consegue o emprego dos seus sonhos na primeira tentativa, pois, para chegar no topo, às vezes é preciso começar por baixo.
No primeiro episódio de HIMYM conhecemos a Robin, uma jornalista canadense com muito talento. Deixando tudo o que conhece, se muda para New York em busca de crescer como jornalista. Ela é uma mulher inteligente, independente, de cabeça fria, ambiciosa, livre, corajosa, forte e bonita, que sempre coloca o trabalho em primeiro lugar.
Nas primeiras temporadas, Robin trabalhava como repórter televisiva do Metro News 1, um canal de TV com baixas audiências. Aparentemente, o canal só veicula produtos supostamente jornalísticos, mas que não deveriam ser assim chamados. Além de compartilharem informações irrelevantes, os textos eram escritos com intuito de escárnio, uma prática antiética. As notícias dadas eram de baixo interesse, ao ponto que nem o diretor as assistia. Além disso, Robin recebia uma miséria de remuneração, tinha que cobrir histórias ridículas, e não recebia o reconhecimento merecido.
Ainda assim, ela sempre tentava manter o profissionalismo, pois gostava do que fazia. Seu desejo era fazer a diferença com seu trabalho, além de ser reconhecida e valorizada (inclusive financeiramente). Seu talento foi reconhecido, e, de repórter, ela tornou-se âncora de um dos jornais do Metro News 1. No entanto, seu sonho ainda estava incompleto.
Ao conseguir uma vaga de emprego como âncora no Japão, decidiu encarar o desafio a fim de aumentar seu portfólio e mostrar suas habilidades em outro cenário, No entanto, o trabalho não era o que esperava. Ela apresentava um jornal acompanhada de um macaco. A situação chegava a ser mais ridícula do que seu trabalho anterior. Por isso, ela voltou a New York desanimada e desempregada por três meses. Quando estava a ponto de ser deportada, conseguiu um emprego como âncora no noticiário da madrugada do canal 12, “Come on, Get up New York” (tradução livre: “Vamos, acorde, Nova York”).
Bonita ou ética?
Um dos acertos de “How I Met Your Mother” foi mostrar através de diferentes episódios como uma jornalista busca ser reconhecida por seu trabalho, mas como o superficial termina sendo mais importante para alguns chefes do que o talento da pessoa. Isso é ressaltado no episódio 7 da 6ª temporada, quando a nova co-âncora de Robin, Becky, que era pouco ética e agia de uma forma muito infantil faz um comercial (isso vai contra a ética do jornalista). Isso incomoda Robin profundamente, mas o que a surpreende é a resposta da co-âncora:
Robin: Becky, você gravou um comercial?
Becky: Sim, por que não?
Robin: Porque você é uma jornalista! Não quer ser levada a sério?
Becky: Não, eu sou bonita.
Nesse contexto, conseguimos perceber que Becky prefere ser bem-sucedida por sua aparência, não por seu desempenho e ética profissional. Embora seu comportamento tenha sido antiético, e por mais que Robin achasse que Becky seria demitida, a série mostra o contrário. Ao final do episódio, a “fofinha e bonitinha” termina sendo elogiada, inclusive, no banner promocional do jornal. A foto de Becky fica destacada em relação à de Robin.
Neste episódio, se expõe como uma mulher jornalista nem sempre é julgada por suas habilidades profissionais, mas também pelos estereótipos de gênero, beleza, sensualidade e inocência que a sociedade cria sobre elas. No caso de Robin, era inteligente e bonita, e sempre buscou que a levaram a sério e a respeitassem por seu trabalho, não por seu rosto ou seu corpo, algo que não aconteceu até as últimas duas temporadas.
Essa situação, por mais que seja um caso fictício, está presente no Brasil. O artigo “Padrões estéticos e globalização: a sociedade pós-moderna frente à ditadura da beleza” realizado pela UFV demonstra que as instituições já não analisam o comportamento, pelo contrário, delimitam a identidade de cada pessoa pela aparência. Ademais, o estudo prova que vários telejornais reforçam os padrões de beleza industriais e comerciais a partir de suas jornalistas.
A solidão da jornalista
Durante toda a série, os relacionamentos da Robin foram complicados. Ao chegar na cidade, não tinha amigos. Após sair em um encontro com o protagonista Ted Mosby, ela se torna sua amiga, e, por consequência, amiga de seus melhores amigos (Lily, Marshall e Barney). Ela não tinha muito tempo para fazer novas amizades devido ao trabalho.
No começo da série, Robin não tinha planejado criar uma família, e nem pensava no casamento. Ela sempre colocava sua profissão em primeiro lugar, o que em muitas ocasiões afetou sua relação com seus namorados. Com o tempo, essa ideia foi se flexibilizando. Depois de muitas idas e vindas, Robin casa com o Barney, mas o que deveria ter sido um final feliz foi atrapalhado uma vez mais pelo seu amor pelo jornalismo.
Como já foi descrito, Robin era uma jornalista com muito talento, e, ao final, todo o seu esforço valeu a pena, pois conseguiu chegar em seu emprego dos sonhos. Na 7ª temporada, ela passa a trabalhar no canal World Wide News (WWN), que é uma referência à CNN, uma rede de grande prestígio. Lá ela também começa como repórter. Após seus chefes perceberem seu potencial, Robin vira âncora do jornal das 19h – o horário mais visto do canal.
Ao conseguir o trabalho dos seus sonhos, Robin precisava viajar mais, não tinha um horário fixo, em qualquer momento precisava sair do país e passava menos tempo com Barney. Isso fez com que o relacionamento se desgastasse. Depois de três anos de casamento, eles se divorciaram amigavelmente. Por mais que ela prometesse que tudo seria igual, também terminou afastando-se dos seus amigos porque depois do seu divórcio estava muito ocupada com seu trabalho.
A realidade de Robin é fato para diversos jornalistas brasileiros. De acordo com a última pesquisa sobre o Perfil do Jornalista, 42,2% dos profissionais possuem uma carga diária superior a 8h. Isso significa que nem sempre é possível manter um horário fixo de trabalho.
Trabalhar mais era um preço que Robin estava disposta a pagar por seu crescimento. Durante esse tempo, se tornou famosa, e até aparecia na publicidade dos ônibus promovendo a WWN. Assim, a série mostra a jornalista bem-sucedida como alguém que é “livre” e que deve ser solitária para alcançar o sucesso profissional e atingir seus objetivos, algo que não acontece necessariamente na vida real.
Estereótipo ou realidade?
Ao ser uma sitcom, “How I met your mother” cria situações com intuito humorístico, e mesmo que determinados pontos sejam exagerados para criar risadas, as atitudes e as aspirações da Robin respeito a profissão tem relação com a realidade, como também a trajetória e as escolhas da personagem poderiam ser feitas por jornalistas que buscam crescer no âmbito profissional. Até os “absurdos” da profissão podem ser realidade em determinados contextos, como, por exemplo, o do jornalismo sensacionalista. É importante lembrar que muitos profissionais sérios estão em empregos que não os valorizam. Mesmo assim, é preciso colocar comida na mesa. Por isso, a linha entre ser apenas um trabalhador e ser antiético é tênue, mas todos os jornalistas devem se esforçar para fazerem o melhor trabalho possível mesmo em situações não ideais.
Mais importante ainda é que as empresas de comunicação valorizem seus profissionais (tanto financeiramente quanto no trato pessoal). Só assim poderemos ter um jornalismo mais plural, com maior representatividade e menos estereótipos. É responsabilidade dos próprios jornalistas em posições de poder advogarem, por exemplo, pela equidade de tratamento entre jornalistas homens e mulheres.