The Guardian: quem não deve não teme
- 8 de junho de 2022
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Assim como outros produtos do jornal, a newsletter First Edition permanece livre para criticar tudo o que julgar necessário.
Mariana Santos
Poucos veículos são capazes de sobreviver aos ataques que vêm como consequência da publicação de um grande furo. Dependendo de quem é prejudicado por uma investigação jornalística, a vida dos profissionais envolvidos e a manutenção do jornal são colocados em risco, mas isso não parece ser um problema para o The Guardian.
Segundo o próprio jornal, em sua newsletter diária First Edition, uma das principais características presentes na sua existência ao longo de 200 anos foi a confiança do público em seu “jornalismo de alto impacto”. “Nossa independência editorial significa que somos livres para expor as falhas das pessoas poderosas que nos lideram nestes tempos conturbados”, afirma o veículo ao pedir o apoio financeiro de seus leitores regulares.
Com sete newsletters gratuitas, o The Guardian segmenta o seu conteúdo em publicações enviadas por e-mail que variam em periodicidade. O veículo conta com três conteúdos de publicação em dias úteis, as newsletters First Thing e Guardian Australia’s Morning Mail, que podem ser acessadas e lidas sem a necessidade de uma inscrição, e a First Edition, que só pode ser lida pelo e-mail. Enquanto nas duas primeiras os redatores variam, na First Edition apenas os jornalistas Archie Bland e Nimo Omer assinam o conteúdo.
Jornalismo de alto impacto
A ordem seguida pela First Edition se mantém ao longo das edições e facilita a leitura do público assinante. Ao abrir o e-mail, salvo algumas exceções, o leitor deve esperar ser recebido com calorosas boas-vindas, seguidas de cinco das principais notícias do dia, uma entrevista, mais cinco notícias de temas variados, três acontecimentos esportivos, uma reprodução da capa do jornal, a charge do dia, uma boa notícia e, por fim, palavras-cruzadas.
A impressão que se têm, é a de estar lendo um jornal de papel, sensação que é confirmada pela estética ultrapassada do design e por recursos típicos do impresso como a charge e o jogo. Não que a First Edition esteja realmente preocupada com o que pensam sobre a aparência da newsletter, afinal, o maior compromisso do veículo parece ser com a liberdade de imprensa. Sendo feio ou não, o boletim chega todas as manhãs a milhares de endereços de e-mail e é financiado pelos mais de 1,5 milhão de leitores do The Guardian.
Devido à quantidade de conteúdo, essa newsletter corre o sério risco de se tornar maçante, apesar disso, os comentários ácidos escritos por Archie Bland cumprem o papel de acrescentar um toque de emoção ao texto. Mesmo que o jornalista use um tom ameaçador em algumas declarações, é o sarcasmo de Bland a principal ferramenta de crítica, que ele enfatiza apontando contradições com um humor quase infantil ao flagrar alguém ou alguma instituição em uma posição comprometedora.
Ninguém escapa
Por ser um jornal britânico, é claro que o jubileu da rainha não poderia passar “em branco”. Em comemoração aos 70 anos de reinado de Elizabeth II, a First Edition separou 70 detalhes do reinado e completou: “apenas seja grato por não termos feito [esse especial] em seu aniversário de 96 anos”.
Por mais que a aparência do texto fosse de uma homenagem, pode-se dizer que nem a rainha foi poupada dos comentários do jornal. “Sim, a Rainha possui todos os cisnes mudos não marcados no Tâmisa. Sim, ela tem um Guardião do Cisne. Não, não há nenhuma evidência de que ela já comeu um”, escreveu o jornalista no fato número 65.
O tom crítico se estende ao longo de cada um dos momentos mencionados e vai desde situações noticiadas pelo The Guardian no passado até boatos que foram desmentidos posteriormente. A ironia da sequência se torna clara na última frase da sessão: “Apesar de tudo isso, não sabemos nada sobre ela.”
Um compromisso com a população
De todas as temáticas abordadas pela newsletter, das quais muitas eram socialmente relevantes (como a guerra da Ucrânia que possui cobertura diária), o grande assunto dos últimos dias foi a situação política instável do país. Segundo o boletim, “o desastre do ‘Partygate’ é um exemplo perfeito de por que precisamos de um jornalismo rigoroso e independente. Sem o escrutínio da mídia do Guardian e de nossos colegas, não saberíamos que Boris Johnson havia infringido a lei enquanto estava no cargo. Não haveria multas. Não seríamos os mais sábios”.
A crítica do The Guardian aos políticos não se contenta com o uso de adjetivos, prefere, ao invés disso, basear seu posicionamento em fatos abordados em reportagens e citadas em suas newsletters. A oposição do jornal a Boris Johnson é evidente e baseada no trabalho jornalístico empregado na investigação. O jornal afirma: “Desde que Johnson se tornou primeiro-ministro, nossos jornalistas trabalharam incansavelmente para revelar as deficiências de seu governo: os erros do Covid, os contratos internos, a hipocrisia – daqueles que quebraram suas próprias regras, festejando ou viajando quando não deveriam.”
De fato o The Guardian não se esconde atrás de uma ilusória imparcialidade, pelo contrário, prefere afirmar que o que fazem é por uma boa causa: “Isso é responsabilizar o poder, a tarefa mais importante dos jornalistas em uma era de desonestidade e desinformação”.