Ilustríssima Conversa, jornalismo em forma de entrevista
- 27 de abril de 2022
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Entrevistas com viés social que elucidam temáticas não ficcionais.
Paula Orling
O jornalismo adota diferentes formas de expressão e se adapta aos formatos necessários para alcançar o maior número de pessoas possível. Na década de 1980, surgiu uma tecnologia que fornecia um software de música e conversação para emissoras de rádio, no formato MIDI. A partir desta tecnologia, os podcasts se desenvolveram até se tornarem a ferramenta informativa que são hoje.
O Brasil lidera rankings de produção de podcasts no mundo todo. Diante deste cenário, a Voxnest publicou o relatório State of the Podcast Universe, que informa que o Brasil foi líder na produção de podcasts desde o início de 2020. Isto se dá pela facilidade para produzir podcasts independentes, como o NBW, Confins do Universo e Finanças.
Grandes veículos de comunicação também passaram a ampliar seu repertório para este novo modelo de produto, que hoje faz parte crescente do cotidiano da população mundial. De acordo com uma pesquisa do Instituto Reuters e da Universidade de Oxford, coordenada por Gallo e Newman (2019), 15% dos entrevistados costumam acompanhar podcasts de notícias, ferramenta que aumentou cerca de 32% em relação a 2018. Este novo modelo jornalístico é “um produto estratégico para capturar o público jovem, que tem pouca interação com portais informativos e, cada vez mais, chega às notícias por meios de links compartilhados nas redes sociais”, de acordo com Newman.
Organização do Ilustríssima Conversa
Dentre os veículos que ampliaram seu alcance está a Folha de São Paulo, que atualmente produz cerca de 15 podcasts com temáticas diversificadas. Dentre estes está o Ilustríssima Conversa; um conteúdo que analisa literaturas de caráter social. Cada episódio é apresentado por um jornalista e o produto se organiza com entrevistas com os escritores de livros não ficcionais ou de “pesquisas acadêmicas”, de acordo com a descrição provida pelo jornal.
Organizado em episódios desconexos entre si, sem sequência lógica, o conteúdo é disponibilizado com uma frequência de 14 dias, com raras exceções, ocasionadas por feriados, recessos ou datas comemorativas. Ao ouvir os episódios, é perceptível o preparo delicado da produção ao organizar o evento que representa cada episódio.
Por meio de entrevistas, importante ferramenta jornalística, o podcast Ilustríssima Conversa elabora linhas de raciocínio que levam o ouvinte a se aprofundar em conteúdos acadêmicos. Estes assuntos, mesmo que densos, se tornam fluidos e claros a partir do “bate-papo” entre o jornalista e o autor do livro não ficcional. Ao estabelecer um diálogo com o acadêmico, o jornalista consegue não apenas oferecer aos ouvintes informações densas e científicas. Ademais, também aproximam os que acompanham o podcast do autor e de suas opiniões, nem sempre tão políticas quanto soam no livro revisado muitas vezes antes da publicação.
Temáticas e função social
Comumente, os temas abordados são polêmicos e trazem opiniões firmes por parte dos entrevistados e pouca oposição por parte dos jornalistas. Ao apoiar um posicionamento progressista, o produto busca trazer reflexão e transformação social.
Dando vazão a opiniões pessoais dos convidados, o Ilustríssima Conversa aborda as reverberações sociais de temáticas descritas nos escritos, como a LGBTfobia e a relação do aborto com o patriarcado. Comumente, o apoio dos participantes se volta para as minorias sociais e para os que desejam lutar contra o tradicionalismo social e ideológico.
Além destes temas que impactam desde o título, a equipe do Ilustríssima Conversa aborda assuntos que não se apresentam polêmicos, como a conversa sobre o livro “A Arte de Torrar Café — Narrativas além da Ficção”, temática de um episódio lançado no dia 20 de novembro de 2021. Apesar da aparência sutil da escolha deste livro para a discussão, a análise detalhada sobre os processos de produção da bebida e qual o símbolo social que o café representa.
Apesar do programa trazer propostas internacionais, há proeminência de conteúdos nacionais, com enfoque na vida cotidiana dos brasileiros, modificada por condições superiores em um sistema hierarquizado.
Elaboração das entrevistas
Para a elaboração das perguntas, a equipe da produção optou por dedicar energias para transformar cada pergunta em única e, assim, desassemelhar os episódios. Com poucas perguntas padrão, que envolvem os processos de produção dos livros e a importância dos mesmos para a população, o podcast busca perguntas incisivas ao tema, que permitem a exposição clara das opiniões dos escritores entrevistados.
Com pouca discordância e muito questionamento, os jornalistas responsáveis por estas entrevistas exploram a fundo as consequências sociais, econômicas e políticas de alguns ideais populares, eventos mundiais, hábitos arraigados ao cotidiano, entre outros aspectos sociais estereotipados ou pouco discutidos.
Diante deste modelo, é perceptível a apuração jornalística envolvida no processo de preparação dos episódios e o alcance midiático que o modelo representa. Com a combinação de linguagem simples, conteúdo complexo e determinação para atingir um público intelectualmente exigente, o Ilustríssima Conversa supera o estágio de superficialidade da informação, e leva o ouvinte à uma imersão em temas complexos e pouco explorados. Contudo, explora uma abordagem fácil e direta, permitindo a troca de ideias e o crescimento estrutural do pensamento.