The Office e o riso (des)preocupado
- 10 de novembro de 2021
- comments
- ABJ Notícias
- Posted in Sessão Cultural
- 0
Se o constrangimento fosse uma pessoa, ele com certeza se chamaria Michael Scott
Isabela Vitória
Uns amam, outros não aguentam assistir nem sequer a primeira temporada… afinal, o que torna The Office capaz de atravessar a década, mantendo-se no podium das séries mais assistidas?
Devo ser sincera que, à primeira vista, The Office é um título que assusta, ou melhor, constrange. A “vergonha alheia” é inevitável, do início ao fim de cada episódio. Até porque homofobia, racismo, sexismo, gordofobia, machismo, entre tantos ismos e fobias carregam o humor da série. Olhando assim, não dá pra entender todo seu sucesso. Então, onde exatamente foi que Ricky Gervais e Stephen Merchant (idealizadores da série original britânica) acertaram?
De acordo com Vladímir Propp, literário e escritor russo, o riso mais fácil vem da zombaria. Por sua vez, a zombaria não tem limites, às vezes é direta ao ponto, às vezes vem em tom de ironia, talvez até se apresente apenas com alguns olhares, cochichos, uma imitação direcionada ou algo do tipo, mas seu objetivo é único, e seu sujeito… Deus o tenha!
The Office, entre algumas vertentes, aposta suas cartas nesse estilo humorístico, com algumas alterações. O segredo, nesta sitcom em específico, é a desierarquização dos personagens. Michael Scott, por exemplo, é chefe, mas o que gostaria mesmo é de ser o melhor amigo de cada um dos funcionários no escritório (menos de Toby). Já Dwight é vendedor, “gente como a gente”, porém, lhe dê um segundo de poder e perceba que ele já remanejou todos os empregados da Dunder Mifflin para transportar beterrabas por aí.
Brincadeiras à parte, essa ferramenta, combinada com uma dose considerável de sátira à ingenuidade, torna o humor mais leve, mesmo tratando de assuntos polêmicos. Outro fator que contribui para que a série não escorregue sobre os eixos do bom senso, é a mistura da ficção com realidade. Quando o sujeito atingido pela zombaria não é real ou ao menos tem características tão fortes que beiram o ficcional, o riso é mais fácil, porque não carrega consigo uma carga de preocupação.
Juntando a desorganização hierárquica, a grande mistura de ficção com realidade e as ofensas carregadas de nítida ignorância, Michael Scott, o personagem principal, deixa de ser visto com maus olhos e se torna um espetáculo do ridículo. Não apenas ele, mas grande parte do elenco que, por estarem em posições muito parecidas, são vulneráveis e ao mesmo tempo, acusadores, idealizando as zombarias e sofrendo por elas.
Em suma, The Office é, na verdade, uma realidade alternativa que nos cativa muito pela sua falta de censura. O humor é tratado de forma descuidada, porém cuidadosa, mostrando que as grandes gafes são causadas às vezes, por motivos maiores. Há quem achará graça, e há também aqueles que foram mordidos, algum dia, pelo politicamente correto.
De qualquer forma, seu sucesso vem das atitudes inconsequentes, que são apenas esquecidas por personagens que não guardam rancor. Ou também, das situações que, quando vivemos, condenamos, ou fazemos um esforço quase desumano para segurar o riso. A realidade alternativa de The Office só é engraçada porque sabemos que não é real.