Jogo de aparências
- 10 de março de 2020
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- Thamires Mattos
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Em The Circle, participantes criam perfis falsos e vivem em isolamento. Seria esse um retrato de nossa sociedade?
Leonardo José
Uma nova era televisiva invadiu os lares das famílias brasileiras no início deste século. Nos últimos anos, pode-se observar diversos reality shows tomando conta do horário nobre da programação. Alguns surgiram ao final da década passada, como A Fazenda, transmitida pela Record. Nela, famosos e subcelebridades conviviam – em uma fazenda –, tendo que cuidar dos animais do local. Como o ambiente era incomum para a maioria, muitas discussões fizeram índices de audiência crescer enquanto o programa acontecia. Como maior fenômeno de Ibope, temos o Big Brother Brasil (BBB), que já está em sua vigésima edição. Neste ano, ele foi repaginado, e já gera um aumento de receita de 36%. A jogada do diretor Boninho foi de incluir influenciadores digitais e artistas na casa. Sendo assim, muitos internautas que já não tinham mais contato com a televisão ficaram presos à telinha para acompanhar seus ídolos. Já nesta década, a MTV brasileira lançou no ar o De Férias Com o Ex. Este também conta com artistas e influencers, mas o nome já antecipa que a ideia é fazer com que as pessoas se relacionem – e, de quebra, discutam a relação.
O nome reality show já sugere que esse estilo de programa é fruto da cultura estadunidense. Como grande exemplo, o Big Brother veio de lá. Entretanto, sabemos que a televisão tem migrado cada vez mais para a internet, que compacta todas as antigas plataformas de mídia. Sendo assim, o surgimento de realities nas plataformas de streaming não demorou. Uma série que tem chamado a atenção dos assinantes da Netflix é The Circle, e ela possui um formato bastante curioso.
Inicialmente, os/as participantes desta série são alocados em apartamentos próprios e personalizados ao seu estilo. Vivem em isolamento, o que difere bastante de outros realities famosos. A partir daí o nome da série ganha sentido: é o computador que aciona contato com os demais participantes. Entretanto, quando o computador se comunica, ele repassa para os demais integrantes, em formato de texto e foto, as características de tal personagem. O prêmio em disputa é um faturamento de US$100.000.
O jogo traz muitas reflexões sobre a atual sociedade. Primeiramente, perfis são montados, e estes mesmos são avaliados por outros competidores. O que tiver maior rejeição, por suspeita de ser falso ou desinteressante, leva bloqueio, e está eliminado. Sendo assim, nota-se que a série tem influência no que é visto nas redes sociais. A imagem e a aparência servem como objetos de julgamento primário sobre a personalidade e o caráter de participantes. E, assim como na vida real, as aparências podem enganar. Como exemplo, a primeira eliminada foi uma mulher, que, de tão padronizada, tanto pela beleza quanto pela vida que leva, foi julgada como falsa. Talvez ela não seria eliminada se optasse por contar mentiras. A conclusão que se chega é de que a mentira pode render bons frutos no mundo virtual.
Por ironia da trama televisiva, os que optaram por montar um personagem chegam mais longe no jogo. Assim como na vida – quando se é necessário aparentar ter boas características além da verdade, para assegurar um emprego ou ser aceito em algum grupo –, no jogo, deve-se buscar ser o melhor personagem aos olhos do próximo.
Assim como no BBB, os diretores de The Circle optaram por personagens de todas as classes e camadas da sociedade. Havia o homem de elevada autoestima, a mulher padrão com perfil de modelo, a lésbica que não esconde a sua homossexualidade. Esses são claramente julgados antecipadamente, pelo estereótipo ou preconceito alheio. Entretanto, diferente da realidade, eles podem escolher ser como quiserem.
Como entretenimento, fica a eminente diversão, ao ver discussões e decepções, ao ver alguém sendo julgado como mentiroso/a ou até mesmo quando consegue ludibriar ao/à outro/a. Porém a problematização pode ficar no viés da percepção: mesmo de forma não proposital, pessoas podem ser mal interpretadas, ou, até mesmo, se darem bem na vida através do julgamento de sua imagem. O reality nos lembra que as nossas imagens podem valer bem mais do que realmente somos.