Chama a SuperNanny?
- 9 de março de 2020
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- Thamires Mattos
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Embora pareça um entretenimento leve e despretensioso… como amenizar os impactos da exposição à vida de uma criança?
Ana Clara Silveira
- Eu vou chamar a SuperNanny.
- Você vai para o cantinho da disciplina.
- Vamos fazer uma caixinha do diálogo.
Se você nasceu a partir dos anos 1990, deve ter ouvido frases como essas em sua casa. O reality show SuperNanny, exibido pelo Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), estreou em abril de 2006. Rapidamente, teve não apenas audiência, mas um exército de pais ávidos por aplicar os métodos educativos da SuperNanny.
A adaptação brasileira do programa inglês entretinha o público com as histórias de famílias sem orientação na disciplina e educação dos filhos. Os analistas de sofá – mais do que telespectadores em um sábado à noite – eram velozes em julgar os erros do outro lado da tela: “Como podem gritar tanto? Essa casa é uma bagunça! Os meus filhos não fariam isso”.
Mudanças de rotina, cantinhos de disciplina, tarefas inusitadas… os novos caminhos que a SuperNanny ensinava, certamente, seriam fórmulas de sucesso para as famílias. Cris Poli conduzia o programa com uma maestria pouco vista e uma classe impecável. A pedagoga argentina tinha vasta experiência, e, em pouco tempo, colocava as casas que visitava em ordem.
Fato é que nem só de histórias ou ensinamentos ao acaso se estrutura um reality show. Embora SuperNanny siga um roteiro com edições e revisões até que chegue ao público, programas desse gênero se mantém a partir de duas premissas: exposição e identificação. Se a atração conta a vivência de uma família, essa exposição – exagerada ou não – precisa gerar engajamento a partir das semelhanças do telespectador com o conteúdo transmitido.
“O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”. Já no primeiro capítulo de “A sociedade do espetáculo”, Guy Debord sintetizava como a identificação entre as pessoas é o princípio do sucesso para alcances expressivos. SuperNanny se tornou um sucesso porque famílias querem ver outras famílias.
É complexo afirmar que um programa como esse representa a vida real ou um recorte dela. Ainda assim, o consumo de um produto em qualquer formato de reality show é um retrato da busca humana pela observação da existência do outro. Embora pareça um entretenimento leve e despretensioso, a realidade ampliada provoca inquietações quanto ao sucesso de SuperNanny, especialmente sobre a exposição infantil.
Susan Young participou do programa britânico e revela que o comportamento dos filhos piorou após o programa. Em 2007, uma família registrou que as crianças atearam fogo na casa depois da visita da nanny. Além disso, psicólogos comentam o espaço que se abre para o bullying escolar após a criança, sua família e casa serem identificados de maneira clara. Embora por trás das câmeras exista apoio psicológico, como amenizar os impactos da exposição negativa à vida de uma criança?
O ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente, prevê no artigo 232 uma pena de seis meses a dois anos para ação de “submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento”. Ao lembrarmos que o aconselhamento da especialista é o único ponto necessário para a família, a câmera não é parte da solução, e, tampouco, passa desapercebida pela família em seus dias de “mudança radical”.
Reality shows tornam comum a espetacularização da vida particular. Ainda que levem ao entretenimento, é preciso questionar até que ponto compartilhar a vida de uma criança é saudável. No fim, as birras podem dar lugar a outros conflitos.