Racismo estrutural através da mídia
- 30 de outubro de 2019
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- Thamires Mattos
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Mesmo após os séculos de escravidão no Brasil, o racismo passou por um longo processo de validação social
Leonardo José
Durante mais de um século, o povo brasileiro olhou para as suas raízes amplamente miscigenadas e acreditou ser um país inclusivo. Contudo, a inclusão nunca abrangeu os filhos renegados desde o Império – a maioria deles contrabandeados do seu continente de origem, a África. Sendo assim, os reflexos de uma estrutura segregacionista são vistos até hoje. São, inclusive, reproduzidos pela grande mídia.
Neste tema, é crucial entender o racismo como ordem natural de uma estrutura que propositalmente nos divide em hierarquias. Entretanto, com os avanços intelectuais, é de interesse de todos que exigem avanços sociais extinguirem uma ordem que deixa pessoas em desvantagem por conta da sua cor.
Mesmo após os séculos de escravidão no Brasil, o racismo passou por um longo processo de validação social. Durante todo o século 19, o país se tornou sede para europeus realizarem diversas pesquisas acadêmicas em que buscavam provar uma suposta inferioridade de negros e indígenas.
Em uma ampla pesquisa realizada pela antropóloga Lilia Schwarcz no livro “O Espetáculo das Raças” (1993), vemos que cientistas ingleses e franceses buscaram justificar – através da teoria da Evolução das Espécies, de Charles Darwin – o avanço do homem branco europeu diante das demais etnias. Obviamente, a ideia não foi comprovada. Contudo, o tempo foi suficiente para a criação de museus e uma vasta literatura com embasamento acadêmico que colocava, erroneamente, o homem caucasiano em larga vantagem sobre os demais. Coincidência ou não, esses erros ideológicos e científicos foram contribuintes diretos para a criação da eugenia nazista, décadas depois.
Ao enxergarmos o racismo como um problema estrutural, e não individual, sua divulgação se fez necessária para que “vingasse”. Iniciativas vão desde a formação cultural das universidades até a diferença de moradia entre negros e brancos. Assim, o preconceito atingiu a mídia e a imprensa, tanto através do entretenimento quanto pelo jornalismo. Para essa discussão, o repórter Leonardo José convidou José Adão de Oliveira, o Adãozinho. Em 1978, ele foi Cofundador do Movimento Negro Unificado (MNU). Atualmente ocupa o cargo de Coordenador Estadual de Formação do MNU do estado de São Paulo (MNU-SP).
Leonardo José: Como a mídia, através do entretenimento, fomenta o racismo na sociedade?
José Adão de Oliveira: A mídia usa da sua técnica de gestão, a reprodução do racismo. Se não se consegue barrar o personagem negro, ele costuma ser mero figurante ou aparecer isolado. Por exemplo: não é comum ver protagonistas e nem casais negros. Quando isso é possível, é comum vê-los sem nenhuma fala, apenas como ilustração; ou, até mesmo, em lugar de contemplação, mas como objeto.
LJ: Historicamente, onde o negro se encontra nos meios de comunicação, principalmente na televisão?
JA: O destaque à representatividade começou a ser maior neste século. Historicamente, aparecíamos apenas em comerciais de denúncias ou em funções depreciativas, como em propagandas sobre fome, miséria e indicadores sociais onde julgam não ser lugar de branco. Ou seja: a mídia faz parte do racismo estrutural e o reproduz dessa forma.
LJ: O quão importante é a representatividade para os negros?
JA: Décadas atrás, era comum ver apenas a Glória Maria como mulher negra fazendo grandes reportagens. Em 1997, Angela Davis [ativista estadunidense] veio ao Brasil, e causou impacto por ter sido entrevistada por outra negra, que, no caso, era a Dulce Pereira, da TV Cultura. Hoje, além da Maju Coutinho (Globo), temos a Zileide Silva (Globo), a Adriana Couto (TV Cultura), Cíntia Gomes (Agência Mural de Jornalismo das Periferias). São progressos que rompem estruturas e incomodam muita gente. São conquistas importantes para todo o Brasil.
LJ: Houve uma polêmica envolvendo a Maju Coutinho (Jornal Hoje) sobre as recentes críticas recebidas. A emissora se preocupou. Por qual razão uma âncora negra tem menor margem de erro que os apresentadores brancos?
JA: A presença da Maju veio como um furacão. Com o tempo, ela foi evoluindo, e era muito marcante para a gente vê-la sendo diferencial. Mas isso assusta a muitos, já que ela ocupou um lugar de destaque. Isso bagunça o imaginário de uma boa parcela da população, já que, comumente, todos os cargos altos costumam ser ocupados pelos brancos.