Vítimas do Silêncio
- 2 de junho de 2021
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Movimentos criados a partir de mortes de negros têm objetivo de chamar atenção para a impunidade
Franciele Borges
Por mais dolorida que seja a ausência de alguém que se ama, morrer, ou melhor, noticiar a morte, se tornou algo tão rotineiro e fácil de ser comentado. Algumas situações são tratadas de forma indelicada, como o fato de tornar o assunto sensacionalista para que o veículo noticioso ganhe mais audiência. Devido a isso, se diz que uma desgraça vende mais que uma pauta ‘feliz’, por exemplo.
A morte é um percurso natural de tudo que há vida. Pode ser considerado como o fim do trajeto, a interrupção de sonhos, projetos e a separação de quem e do que é amado. Para alguns ela é dolorosa, para outros, apenas um fato digerido com naturalidade. E o fim desse ciclo não tem um tempo definido por ninguém.
Devido a essa realidade, quando uma pessoa perde a vida em um acidente, crime ou fato qualquer que não seja por causas naturais, espera-se um cuidado em lamentar a partida do falecido. Por isso que, quando a justiça não é feita em casos de crimes, há revolta.
Não importa qual o país, se é desenvolvido ou subdesenvolvido, há diversos casos de mortes que acontecem pela confusão de identidade da vítima. Outro fator revoltante são as mortes provocadas pelo preconceito racial. Basta digitar na barra de pesquisa do Google sobre o tema para encontrar aproximadamente 2.330.000 resultados. Agora, nos sites de notícias, o número cai para 89.200. Embora não seja o tema principal desta análise crítica, vale ressaltar que no Brasil, 71,5% das vítimas de assassinatos por ano são pretos ou pardos.
Embora com alto número de pesquisas sobre o assunto, é nítida a seletividade de casos que ficam esquecidos e arquivados por profissionais qualificados a dar um veredito sobre o caso. A polícia, a propósito, tem feito o papel de agressor em vez de defensor, mostrando-se lenta e omissa ao se referir a determinadas mortes. Esse e outros casos contribuem para a criação de grupos cobrando as forças políticas para que esses fatos sejam encaminhados para investigações e julgamentos.
Algemas e crime encomendado
No dia 28 de maio de 2020, um homem negro entrou em uma loja que frequentava em Minneapolis, na rua 38, para comprar cigarros. Era um segurança desempregado que foi acusado de tentar pagar o produto com uma nota falsa de 20 dólares. Chamava-se George Floyd, de 48 anos.
O policial Derek Chauvin, branco, chegou, o algemou e o levou de costas para o chão. A fim de exibir sua autoridade ou com receio de que, mesmo Floyd algemado, deitado no chão e com outros policiais em volta, pudesse reagir contra a prisão, o policial pressionava seu joelho no pescoço de Floyd e assim permaneceu por cerca de nove minutos.
Pessoas presenciaram a cena e começaram a filmar. Pediam para que Chauvin parasse de imobilizá-lo. Em vão. Os pedidos se misturavam com a agonia de George Floyd, dizendo: “não consigo respirar”.
Ele morreu asfixiado, sua morte gerou protestos nos Estados Unidos e repercutiu além das fronteiras, contra o racismo e a brutalidade policial nas abordagens.
O assassinato de Floyd reacendeu um movimento criado em 2012, o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) após Trayvon Martin, um estudante negro de dezessete anos morrer baleado por George Zimmerman em Sanford, Flórida. Ele estava visitando familiares na região quando foi abordado pelo policial. O movimento se espalhou pelos Estados Unidos e atualmente é reconhecido como uma fundação global com a missão de “erradicar a supremacia branca e construir poder local para intervir na violência infligida às comunidades negras” pelo Estado e pela polícia.
No Brasil, Marielle Franco, 38 anos, defendia pautas políticas que favoreciam favelados, negros e o grupo LGBT. Possuía aversão à violência da Polícia Militar e da interferência federal nas comunidades cariocas. Criou projetos de lei para defesa dessa minoria e constantemente transferia a culpa aos policiais pelas mortes de moradores das favelas. Ela foi alvejada com quatro tiros na cabeça dentro do seu carro após sair de uma reunião voltada às mulheres negras no Rio de Janeiro, em 14 de março de 2018.
O grito Marielle, Presente! que conduziu o funeral da vereadora e do seu motorista Anderson Franco no centro do Rio, tornou-se um manifesto em prol dos que lutam e defendem grupos minoritários.
Tanto o Black Lives Matter quanto o Marielle, Presente! servem para referenciar as vozes que foram silenciadas quando estas denunciaram e foram vítimas do abuso de poder, da corrupção e da omissão de autoridades civis.