The Bold Type: lutando para ou contra o empoderamento feminino?
- 8 de março de 2023
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- Theillyson Lima
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Uma análise crítica sobre como a série representa parte da realidade que vivemos.
Ana Júlia Alem
Inspirada na vida e carreira de Joanna Coles, ex-editora-chefe da revista Cosmopolitan, a série americana produzida pelo canal Freeform, The Bold Type, conta a história de vida de três grandes amigas que trabalham na revista Scarlet, uma revista feminina que diz empoderar as mulheres através de seus conteúdos. Mas será que é isso mesmo?
A produção, através de suas tramas, aborda temas relevantes, como feminismo, política, sexualidade, religião e sororidade de forma descontraída. Todos os tópicos abordados durante as temporadas são muito importantes, mas nesta análise vamos focar na história de Jane Sloan, uma das jornalistas da revista feminina.
Logo nos primeiros episódios, podemos perceber que Jane foi promovida e se tornou redatora. Mesmo enfrentando alguns obstáculos éticos do jornalismo, ela continua em busca de escrever matérias profundas e relevantes, o que não é aceito com frequência.
A retratação do Jornalismo durante os episódios
O que vem na sua cabeça quando vê uma jornalista mulher? Espero que você pense em mulheres capazes, inteligentes e profissionais. Muitas vezes, não é assim que todos pensam. Infelizmente o patriarcalismo ainda está presente em nossos dias e, todos os dias, faz com que o machismo continue impondo regras discriminatórias em posições profissionais, principalmente quando se trata de mulheres.
O segundo episódio da série começa com Jane apresentando vários temas sobre política e economia, mas a editora-chefe, Jacqueline Carlyle, não acata nenhuma e diz para ela escrever para a coluna de sexo da revista. Para o artigo, Jane precisa escrever sobre a melhor relação sexual que já teve, mas por que? Qual a razão por trás de tanta exposição?
Para uma revista que tem como principal propósito desenvolver o empoderamento feminino na sociedade, expor uma das redatoras me parece contraditório. Como a pauta do artigo de Jane era baseada em uma pesquisa que mostrava que uma em cada três mulheres não tem uma sensação completa no momento das relações sexuais, o viés poderia ser diferente. Ao invés de Jane escrever sobre suas próprias experiências, ela poderia utilizar dados científicos e fontes confiáveis em seu texto para auxiliar e empoderar as leitoras, de fato.
Durante esse e alguns outros episódios, a série retrata a jornalista como uma mulher que se submete a situações constrangedoras, rompe limites e infringe o Código de Ética Jornalístico para conseguir oportunidades em sua carreira como redatora, mas o Jornalismo não é isso. A profissão é uma arte que, através de palavras, transmite informações de interesse coletivo para a sociedade de uma forma que todos compreendam. Falando como futura jornalista, não devemos ultrapassar barreiras para produzir nossos conteúdos. Existem muitas maneiras de informar, empoderar e dar voz às pessoas da forma correta.
Até que ponto o que é retratado na série acontece na realidade?
Segundo a pesquisa “Mulheres no Jornalismo” realizada pela Abraji e Gênero e Número, 53,4% das mulheres entrevistadas afirmaram que, em suas carreiras, perceberam que têm menos oportunidades para progredir e se desenvolver. Além disso, 86,4% delas admitiram já ter passado por pelo menos uma situação de discriminação de gênero no trabalho, sendo eles: distribuição desigual de tarefas, assédios morais e sexuais.
Mesclando o que é retratado na produção com o que vivemos na vida real, é possível perceber que, de certa forma, a série representa a discriminação de gênero que acontece em nossos dias. A mesma pesquisa citada anteriormente mostra que, ainda que as mulheres tenham conquistado mais espaço na área jornalística, a ascensão na carreira contém muitos obstáculos e os episódios de The Bold Type confirmam isso, mesmo exageradamente.
Jane Sloan, apesar de querer escrever sobre tópicos importantes, sempre acaba escrevendo sobre futilidades disfarçadas de assuntos de empoderamento. “Antes eu escrevia conteúdos sexuais, agora escrevo sobre moda. Isso faz com que eu me sinta mal e inútil”, diz ela durante o terceiro episódio. Mesmo não se sentindo confortável com seus conteúdos, a jornalista continua produzindo, pois sente que assim conquistará um espaço em sua carreira. O questionamento que faço para mim e para você é: quantas jornalistas mulheres sofrem isso em seu dia a dia?
“Foram dividir os acontecimentos diários pelos diretores executivos e eu, a única mulher ali, fiquei com ‘Beleza e comportamento'”, diz uma das mulheres entrevistadas pela Abraji. Outra entrevistada comenta que quando uma pauta tem um apelo mais sensível, sempre colocam uma mulher para produzir. É triste, mas não parou por aí! Uma outra jornalista conta que já foi considerada muito jovem para escrever uma matéria complicada demais.
Esses são apenas alguns de muitos relatos de mulheres que sofrem discriminação de gênero todos os dias em seus trabalhos. As mulheres entrevistadas terminam dizendo que, a ideia de que o trabalho feminino é complementar e inferior ao do homem está enraizada em nossa cultura e que, apesar dos tantos avanços da sociedade, a luta continua.
Vozes silenciadas
O que fazer diante de situações que colocam mulheres em situações desconfortáveis? Jane Sloan se questionou sobre isso durante toda a primeira temporada de The Bold Type, já que em muitos episódios se sentia diminuída e incapaz. Por isso, quando recebeu a proposta para ser colunista da revista Incite, teve que refletir sobre qual emprego a respeitaria e daria voz, de fato.
A produção, ao meu ver, tinha como principal objetivo, abrir nossos olhos através da forma como a protagonista era retratada, ou seja, como uma mulher e jornalista que não tinha poder de fala e capacidade profissional. Ao final da temporada, temos certeza de que, sim. Ela é capaz! Assim como todas nós.
Com certeza, muitas jornalistas – e mulheres – que se encontram em cenários parecidos com o de Jane, também se questionam se são profissionais de qualidade, mesmo quando tudo confirma que sim. Como dito anteriormente, isso é um desdobramento do patriarcalismo que nos rodeia e faz com que nós nos sujeitamos a práticas discriminatórias. Se sabemos onde o problema se origina, tenho certeza que podemos buscar uma solução.