Spotlight: iluminar a verdade é um trabalho complexo
- 8 de março de 2023
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- Theillyson Lima
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Spotlight mostra um lado enxerido e persuasivo do jornalismo investigativo.
Lana Bianchessi
Spotlight significa “holofote” em inglês. Esse nome já diz muito sobre o propósito do filme lançado em 2015 (no Brasil, apenas em 2016, sob o nome “Spotlight: Segredos Revelados”). Na produção, também é o nome da editoria responsável por projetos de jornalismo investigativo no periódico The Boston Globe. A equipe, formada por três jornalistas e chefiada por um editor, pode ficar meses ou até um ano com o mesmo caso, fazendo pesquisas de campo e entrevistas embasadas. É uma imersão profunda no assunto investigado.
O longa-metragem vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2016 retrata um caso que aconteceu nos Estados Unidos envolvendo um escândalo encoberto de abuso sexual infanto-juvenil cometido por padres. Nessa investigação jornalística, eles vão atrás de documentos e vítimas que comprovam que a igreja católica sabia sobre esses casos, mas encobriu e silenciou as pessoas envolvidas.
O que é o lado certo?
Desde a primeira cena, a persuasão é expressada como ferramenta essencial do jornalista, mas de maneira um pouco extrema. No momento em que a equipe Spotlight é apresentada aos espectadores, um dos jornalistas conversa com uma fonte ao telefone. Ele a pressiona a falar: “Você pode escolher o lado certo ou ler sobre isso em outro jornal”. Entretanto, qualquer fonte, mesmo participando de um caso como esse, tem direito de não querer responder às perguntas do jornalista.
Esse tipo de fala acontece várias outras vezes na obra. Isso retrata os jornalistas como “mocinhos” e “salvadores da pátria” que querem descobrir tudo pelo bem do próximo. Talvez esse sentimento de justiça realmente exista, mas o jornalista pode fazer tudo ao seu alcance para conseguir com que a fonte fale respeitando seus limites pessoais.
Em outro ponto do filme, o jornalista é cobrado a procurar de novo a fonte que não quis se expor, e o profissional diz que a fonte é um “cara chato” por não querer dar respostas a eles. Na cena seguinte, esse jornalista aparece se encontrando “acidentalmente” com o homem e o pressionando de novo, sendo que dessa vez o homem cede, visivelmente desconfortável. Nós, espectadores, acabamos sutilmente torcendo para que isso aconteça, para que ele consiga as respostas de qualquer jeito.
Limites
Ainda sobre respeitar os limites – dessa vez, os profissionais -, o filme também relata que os jornalistas possuem pouco tempo para suas vidas pessoais. Mesmo que o enredo foque na investigação e não na vivência dos repórteres, essa é sempre uma forma de mostrar a humanidade dos personagens. Com isso, também é possível observar que eles trabalham excessivamente e em horários fora da carga prevista, levando o trabalho para casa, entrevistando fontes tarde da noite e se desgastando para escrever.
Esse ponto da vida pessoal abatida é perceptível quando o jornalista Mark está jantando com sua fonte e o homem pergunta a ele sobre sua esposa. O repórter afirma que ela se incomoda com seu trabalho excessivo. Quando assisto a esse tipo de comportamento, entendo que o jornalista sempre está trabalhando, leva tarefas para casa e possui uma vida pessoal prejudicada por conta do trabalho. Esse estereótipo não está completamente errado. De acordo com uma pesquisa feita pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), 55,5% dos jornalistas sentem que a pressão no trabalho, estresse, cobrança por resultado e sobrecarga/acúmulo de trabalho aumentou.
Assuntos delicados são tratados desse modo?
Podemos notar que o ponto central do filme é sobre um caso delicado de se escrever, abusos de crianças por uma figura de autoridade. Por isso, fazer um roteiro que trate isso de maneira respeitosa é um desafio.
Em uma determinada cena, a jornalista Sacha Pfeiffer, que também trabalha no caso, sai para conversar com uma vítima. Eles se encontram em uma cafeteria. Logo de cara, é notável como o homem está nervoso. Ela traz um pouco de tranquilidade, mas já começa com perguntas direto ao ponto e não muito humanizadas. Depois de algum tempo, eles saem para caminhar em uma praça pública e ela faz perguntas sobre como aconteceu o evento e quer que ele descreva com palavras claras.
Em matérias com temáticas deste cunho, é preciso colocar as palavras mais objetivas que a fonte puder expressar. Naquela ocasião, era possível ter feito esse tipo de pergunta em um ambiente mais reservado, afinal, é um evento difícil de ser revisitado pela vítima. A melhor forma de obter a informação é situar a pessoa em um local e em um espaço mental confortáveis (ou reservados), sempre que possível.
Equilíbrio é o sinônimo de vida real
Em Spotlight, o jornalismo investigativo é visto com um misto de adrenalina e descoberta. Muitas vezes, isso é algo visto na realidade, mas em outros momentos o jornalista vai sair frustrado de uma pesquisa que não o levou a nada e tomou seu tempo. No caso do jornalismo investigativo, a pesquisa para o embasamento do texto pode acontecer até fora do horário de trabalho, ou seja, sem remuneração.
Nem todas as áreas do jornalismo são cobradas desse modo. Todavia, podem existir profissionais que usam de uma forma de persuasão e que são considerados “intrometidos”, mas que atuam de maneira ética e respeitosa com suas fontes. A humanidade é palavra-chave tanto para o tratamento com entrevistados como consigo mesmo, afinal, manter o equilíbrio em uma vida atarefada fará com que sua mente entenda melhor o caso.