A questão da “presidenta com pinto”
- 20 de maio de 2019
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- Thamires Mattos
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Dilma se tornou, na encarnação de Gustavo Mendes, aquela piada com um fundo de verdade dolorosa demais para passar desapercebida
Julie Grüdtner
O cenário político brasileiro é mundialmente conhecido pela massa de discrepâncias entre o que uma entidade política deve ser e o que ela é. Isso viabiliza e prepara o terreno para o commodity mais valorizado do Brasil: humor. O humor brasileiro é muito rico. Se fosse rentável, seríamos todos milionários, e a Reforma da Previdência não seria problema. Porém, se o humor não pode ser o instrumento de trabalho de todos, ele é nossa arma de crítica social, que ridiculariza a ignorância alheia e nos protege de um sofrimento quase inevitável. Em outras palavras, é literalmente rir para não chorar. Se em um passado não tão distante houve medo da censura, hoje há abuso irreverente em terras digitais.
Em 2011, iniciou-se uma fase controversa para o povo brasileiro: o governo Dilma. Em meio à apoiadores e manifestantes, humoristas amadores procuravam personagens caricatos para se apropriar. Nessa época, o mineiro Gustavo Mendes se tornou proeminente. Ele, que sempre sonhou em ser apresentador de televisão, estudou teatro e começou a frequentar bares fazendo pequenas apresentações humorísticas. Isso mudou quando uma cigana o aconselhou a ser intérprete de personagem. O pitaco não forneceu detalhes sobre o que deveria ser interpretado, e Mendes considerou fazer a imitação típica de um bêbado ou de um caipira. Diante da situação do Brasil na época, mudou de ideia. O mineiro decidiu que Dilma seria a caricatura ideal; ele até já se parecia com ela.
Não sabemos se alguma parte dessa história é piada. Mas é fato que, aos 23 anos, Mendes criou um canal no Youtube, onde lançou em 2012 seu primeiro vídeo. Com apenas dois minutos, foi intitulado “Gustavo Mendes Imita Dilma Rousseff”. Assim começou a jornada de uma personagem amada pelos fãs e que nunca mais foi embora do repertório do humorista.
“Eu sou a primeira presidenta com pinto do Brasil porque tem que ter saco para aguentar os problemas políticos brasileiros”. Essa é a Dilma que Mendes escolheu mostrar. Ela é irreverente, não poupa palavrões, exalta-se e grita muito. Está sempre inconformada com as decisões dos outros políticos, e, mesmo após o fim de seu mandato, continua opinando (muito). No vídeo Debate da Dilma, um dos mais assistidos do canal, Dilma faz papel de mediadora entre os seis principais candidatos das eleições de 2018. Os outros políticos também são interpretados por Mendes, o que deixa tudo mais cômico. Em meio a críticas nem um pouco disfarçadas, a discussão se torna um retrato de como o governo Dilma se relaciona com os representantes: Dilma e Manuela D’Ávila se favorecem, pois esta é vista como inofensiva. Marina Silva é ignorada e tachada de traíra. Meireles vota em Lula e Temer como os melhores presidentes, já que atuou como ministro nessas gestões. Dilma vê Bolsonaro como um “saco de peido”, e Cabo Daciolo é literalmente um cabo de vassoura fanático por religião e terraplanismo. Já Alckmin, dorme.
Uma das grandes indignações de “Dilma Mendes”, por assim dizer, foi o golpe de seu vice – Michel Temer – em 2016. Ela se refere a ele como incompetente boneco de cera decorativo pois não o considera suficientemente representante de suas ações. De acordo com ela, Temer fez muita “merda em pouco tempo”. Em tom de crítica e sarcasmo, colocou-se ao lado do povão ao dizer que “a gente pode até brincar de golpe, mas o golpe cobra. Ia cobrar dos aposentados, do trabalhador”.
Outro ponto comentado foi o machismo do governo Temer pela falta de mulheres nos ministérios. Mendes não comenta muito sobre machismo, mas em momento algum relacionou a ignorância da presidenta com o fato de ela ser mulher, mesmo com o uso excessivo de piadas de conotação sexual. A ignorância da presidenta, na realidade, é a fonte do humor de Mendes. Ao se utilizar de um personagem político para criticar outras figuras públicas, o mineiro mostra que todos/as estão no mesmo barco. “Dilma” assume isso quando desaprova as decisões de Bolsonaro: “eu ficava saudando a mandioca e estocando vento por mais de seis anos”, mas “a melhor parte foi ver que o povo acha que você é mais burro do que eu e o Lula”. Mendes desperta opiniões que já estavam de antemão no imaginário do público brasileiro, fazendo o espectador refletir se a verdadeira Dilma já não quis dizer algumas das verdades que essa Dilma prega.
“Dilma Mendes” relata o que é fato e indaga o que não é. Isso torna inegável o zelo de Mendes pela nossa política. Ele questiona ações da ex-presidenta e de outros/as políticos/as pois está chateado e frustrado. Seu desapontamento com o Brasil vem do fundo do coração, da mesma forma que nós, espectadores, choramos por dentro enquanto rimos de um cenário político tão bagunçado.