Quem somos Nós?
- 14 de setembro de 2022
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A existência de uma empresa jornalística feita por mulheres negras e periféricas, cansadas de estarem à margem.
Bruna Moledo
Europa, novembro de 2021. De uma caixinha de som ecoava alto um ritmo muito conhecido por mim, carioca. No modo aleatório, o dispositivo disparava música após música em rápida sucessão, todas pertencentes ao mesmo gênero: funk brasileiro. O estilo musical sendo apreciado naquele momento, nascido das entranhas das favelas do Brasil, não pertencia a mim, e sim a um adolescente que nem sequer entendia as palavras sendo proferidas. De sorriso fácil, o menino repetia para mim, em tom de questionamento, alguns dos termos usualmente proferidos para qualquer brasileiro que sai do país. Futebol, funk, favela. O último em específico, entra agora em análise.
Uma palavra tão conhecida e pronunciada na nação verde e amarelo, mas ainda sim de pouca significância real para aqueles que nela não nasceram. A favela não é ponto turístico para estrangeiro, não é antro de criminalidade e nem território de guerra. É na verdade o berço de muita cultura, projetos e empresas competentes. Entre essas iniciativas está o Nós, mulheres da periferia, um site de conteúdo jornalístico produzido por, e para, mulheres negras e periféricas. Além da favela, o Nós abrange e trabalha com todo o sentido da palavra “periferia”. Em sua própria definição, “periferia é muito mais que território. É um ponto de referência. É uma perspectiva, um lugar de fala, um corpo no mundo. Periferia é muito mais que geografia. É subjetividade, identidade, sentimento, memória afetiva. Periferia são narrativas contra a História única. Nossas vidas importam e cada trajetória é singular.”
Histórias que importam
Criado em 2014, o Nós, mulheres da periferia nasceu de um artigo publicado na Folha de São Paulo, a respeito das dificuldades enfrentadas por mulheres moradoras de bairros periféricos de grandes metrópoles. Dessa primeira publicação, surgiu uma grande repercussão, além de outras vozes felizes por finalmente serem representadas. Desde seu início, os objetivos do projeto são claros. Servir de grito de combate contra o racismo estrutural e institucional, fomentar discussões sobre classe, raça, gênero e território. Além disso, as idealizadoras, em sua maioria jornalistas, buscam também complementar o cenário da indústria da comunicação, liderada majoritariamente por homens.
Segundo a linha editorial do Nós, “o objetivo do veículo é democratizar o debate público e aproximá-lo da realidade brasileira, que tem uma população majoritariamente formada por mulheres negras.” Com temas relevantes e pensados para atender uma população por muitas vezes negligenciada, a página inicial do website já mostra o teor do conteúdo oferecido. Matérias como: Como acolher crianças negras vítimas de racismo? ou Candidatas negras para ficar de olho nas eleições 2022, que debatem assuntos úteis, mas não tão facilmente encontrados para o consumo.
Outro dos focos do veículo é a luta contra o patriarcado, contra a opressão e a marginalização de mulheres negras. Com reportagens que expõem suas lutas e vitórias, e auxiliam em seu dia-a-dia, o Nós, mulheres da periferia é feito de histórias cruzadas. Produz a informação diária e os serviços de um jornal local, mas insere em sua demanda reportagens específicas para mulheres negras e periféricas, suprindo um anseio de uma parcela grande da população que se encaixa nesses termos. De uma necessidade sentida por essa comunidade específica, surgiu uma solução, solução essa produzida em seu próprio meio.