Qual a cor do árabe?
- 29 de março de 2023
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- Theillyson Lima
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Segundo o IBGE, a classificação oficial por cor ou raça se resume em: Amarelo; Branco; Indígena; Pardo e Preto.
Gabrielle Ramos
No Brasil, um país fruto da miscigenação, é comum discussões relacionadas a cor e raça da população surgirem, uma vez que, a depender disso, uma pessoa pode ser tratada de um modo e outra de maneira completamente diferente. É nessa questão que o colorismo entra, pois quanto mais pigmentado alguém é, mais discriminação irá sofrer.
Das 210 milhões de pessoas que vivem no Brasil, cerca de 12 milhões fazem parte da comunidade árabe. Isso representa aproximadamente 6% da população, de acordo com levantamento da Câmara de Comércio Árabe Brasileira feito em 2020. Mas apesar deles possuírem bastante representatividade no país, não possuem uma classificação específica de cor e raça de acordo com IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Ao se pensar em árabe, um estereótipo sempre vem à mente da maioria das pessoas. Normalmente, pensa-se em alguém de pele mais escura, parda, com características marcantes no rosto, como o nariz grande e barba, no caso dos homens ou uso hijab pelas mulheres. Além do típico pensamento de que árabe é terrorista. Mas todos eles são assim?
Grande parte desse pensamento é disseminado pela mídia brasileira. Por meio dos telejornais, que na maioria das vezes mostram o árabe de maneira negativa ou até mesmo nas produções audiovisuais. Exemplo disso é a novela “O Clone”, que foi fenômeno de audiência quando lançada em 2002. A trama misturou tradição com modernidade ao abordar a cultura árabe como tema principal do enredo. Mas nem sempre esta representação esteve em concordância com a realidade.
Representação do árabe no Brasil
Ao pensar em árabe, é possível imaginar que esse termo se refere a uma única nacionalidade. Contudo, os árabes não vêm de um único país, eles são um grupo étnico semita, nativo majoritariamente do Oriente Médio e da África setentrional. Por isso, possuem características físicas diferentes a depender da região de onde vivem.
Essa população está presente no Brasil desde o século XIX, quando os fluxos migratórios do Oriente Médio para o país começaram. Neste período, cerca de 100 mil árabes passaram a morar aqui por iniciativa própria. Em sua maioria, imigrantes libaneses e sírios. Eles foram beneficiados por um acordo feito entre o Brasil e o Império Turco-Otomano, que possibilitava a emigração legal, sem necessidade de visto.
Atualmente, a comunidade árabe ainda se faz presente. Dentre os 22 países árabes, o Brasil possui representação de 12 destes em seu território, de acordo com a pesquisa citada. Os libaneses estão em maioria, somando 27%. Mas além deles, outras nacionalidades estão presentes, como: sírios marroquinos, sauditas, egípcios, palestinos, argelinos, jordanianos, líbios, somalis, barenitas e cataris.
É por causa dessa variedade de nacionalidades que a definição de cor deles dentre as classificações disponíveis fica difícil. Pois alguns, como os libaneses, são majoritariamente brancos, mas outros oriundos dos países setentrionais do continente africano podem ser negros, pardos ou mestiços. Dessa forma, o estereótipo que o árabe possui apenas uma cor está equivocado.
Discriminação
Ao entender que os árabes possuem características físicas diferentes, é possível perceber que isso interfere na forma como eles são discriminados pela sociedade brasileira. Uns, como é o caso da maioria dos libaneses, podem não ser considerados brancos, por não se assemelharem à aparência dos “brancos europeus”. Já aqueles que têm a pele mais escura podem sofrer preconceito em relação à sua cor.
De acordo com o IBGE, ao ser feito o recenseamento, será classificado como pardo, a pessoa que se declarar mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça. Dessa forma, é responsabilidade da pessoa se autodeclarar ser pardo ou não, e essa informação não pode sofrer nenhuma alteração por parte do recenseador. Apesar disso, mesmo que eles se classifiquem como pardos, devido a sua cor, outras características marcantes irão se diferenciar daqueles que são descendentes de negros com brancos, dentre outros.
Dessa forma, mesmo sendo considerados pardos, os árabes podem sofrer discriminações que não estão relacionadas necessariamente à cor da pele. Afinal, muitas vezes a sua aparência é relacionada à religiosidade. Ou seja, por muitas vezes, uma mulher que usa hijab poderá sofrer com o preconceito, independentemente de ser branca, parda, negra ou amarela.
Segundo o 1º Relatório de Islamofobia no Brasil, estudo sobre o sentimento de repúdio em relação aos muçulmanos feito em 2022, 72,9% das mulheres muçulmanas relataram que o espaço público é o maior lugar de incidência de discriminação. Esse preconceito não acontece devido a cor, mas sim a religião da pessoa.
É nessa questão que entra mais um estereótipo, pois pensar que todos os árabes são mulçumanos é pura generalização. No Brasil, o censo realizado pela Câmara Árabe aponta que 43% dos descendentes e árabes se declaram como católicos, 18% como evangélicos ou protestantes e outros 16% são mulçumanos. Além desses, outros 23% se identificaram como adeptos a outra religião ou ainda, sem nenhuma.
Outro pensamento enraizado é que todos os árabes são terroristas, ou grande parte deles. Assim, muitas pessoas sentem medo ou receio ao olhar para alguém que tenha características físicas do estereótipo de um árabe, pois pensam que ele pode fazer algum mal a ela. O relatório citado explica que a prática da islamofobia está presente de forma sutil e implícita. Por isso, frases como “eu gosto do que vocês homens-bomba fazem, tem que fazer mesmo” reforçam os estereótipos preconceituosos que eles sofrem.
Como a mídia retrata o árabe?
Segundo o relatório citado, a maioria dos entrevistados concorda que o Islã é representado negativamente na mídia brasileira. Pois maioria das notícias que ganham força estão relacionadas ao terrorismo e ao extremismo religioso, evidenciando que nunca ou muito raramente, são noticiados acontecimentos positivos relacionados aos árabes. Então, qual o impacto que isso trás em relação a formação de opinião dos brasileiros sobre a cultura árabe?
Isso enfatiza o estereótipo de que todo árabe é ruim, terrorista ou louco por religião. De acordo com a definição de orientalismo por Said, a interpretação de “islamofobia” pelos países ocidentais fará referência ao ódio e medo aos árabes islâmicos. Intolerância esta, que nada tem haver com a cor de pele deles, mas sim, principalmente, com a imagem estereotipada do árabe muçulmano terrorista. Contudo, a cultura árabe vai muito além disso. Parte esta que é pouco retratada pela mídia brasileira.
Um dos únicos e mais relevantes exemplos de produções audiovisuais que retratam o árabe de maneira positiva no Brasil é a novela “O Clone”, da autora Glória Perez. Lançada em meio ao contexto pós atentado às torres gêmeas de 11 de setembro de 2001, surpreendeu ao despertar fascínio pela cultura árabe na audiência brasileira. Mesmo sob insegurança em relação a sua temática e ao possível fracasso da trama, a novela foi um sucesso na TV Globo e se tornou famosa mundialmente.
A narrativa conta a história de amor impossível entre a muçulmana Jade com o brasileiro Lucas, que teve seus genes guardados após morrer, originando a primeira clonagem humana da história. No desenvolvimento do enredo, “O Clone” aborda temáticas da cultura árabe, como explicar os costumes mulçumanos, mostrar que nem todos os árabes são mulçumanos, enfatizar que a religião islâmica não é sempre extremista, dentre outros. Essa representação positiva foi de enorme importância para a época, porque foi o meio da TV Globo apaziguar as tensões que foram geradas, pelo atentado, no Brasil.
O autor do artigo “Representações do islã na telenovela O Clone”, publicado em 2014 pela Revista do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História, Cézar Henrique de Queiroz, afirma que “a medida que o noticiario internacional chamava a atenção para a problemática do terrorismo islâmico, a televisão brasileira mostrava, no horário nobre, o islã sob outro olhar.”
Mas apesar desta ótica ser positiva, o Clone falha na sua representação física dos personagens. Pois os atores do elenco são majoritariamente brancos, com traços europeus. Isso se torna um problema pois cria uma imagem estereotipada na mente daqueles que tomaram a novela como referência da cultura árabe. Ou seja, a novela pode levar os espectadores a esperarem que seja bom, apenas, o árabe branco com traços finos, enquanto aquele que tem a pele mais escura com traços mais marcantes, é ruim. Isso reforça ainda mais as questões que o colorismo levanta.
Dessa forma, é possível perceber que a forma como os telejornais, as novelas, séries e filmes retratam os árabes é uma questão de grande importância. Afinal, é por meio da mídia que a opinião de muitos é formada e influenciada. Assim, se os jornais unicamente transmitirem informações negativas sobre eles ou as produções audiovisuais não os retratarem de maneira correta, é de se esperar que os casos de islamofobia no Brasil aumentem.