A primeira Agência de Notícias das Favelas
- 14 de setembro de 2022
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Periferias pintadas por quem vê de dentro.
Melissa Maciel
Quanto você sabe sobre a realidade da vida nas periferias brasileiras? Será que na favela só tem crime, tráfico e tiroteio? Como a população das favelas, sendo parte integrante da sociedade, contribui para a formação da identidade brasileira ? Todas essas, são perguntas válidas quando o que sabemos sobre a vivência nas favelas, se limita ao que é pintado por quem vê de fora. Mas que tal mergulhar um pouquinho na perspectiva de quem vive lá dentro?
A Agência de Notícias das Favelas (ANF), foi criada em 2001 pelo jornalista André Fernandes para, justamente, atender a necessidade da sociedade e da própria imprensa de massa, por informações concretas sobre o que realmente acontecia no contexto das favelas do Rio de Janeiro. A agência, que está na ativa até hoje, e agora abrange outros estados, foi reconhecida pela Reuters como a primeira agência de notícias das favelas do mundo!
Comunicação e propósito
Com base na linha editorial, já se pode identificar o propósito deste veículo noticioso independente: “unir e resistir para crescer e prosperar.” Com isso, o principal objetivo da ANF é democratizar a informação, veicular notícias das favelas para o mundo, mas também estimular a troca de informações entre as comunidades, visando a melhora na qualidade de vida do povo por meio de uma frente popular unida e não alienada.
As diretrizes profissionais também apontam como o grupo entende a luta travada entre as comunidades carentes e o capitalismo global. Segundo a agência, a empreitada de desarticulação das massas e sua divisão em grupos independentes, e por vezes antagônicos no meio social, é um recurso utilizado pelos detentores do poder ao longo de séculos de história.
Esse quadro fomenta a desigualdade em âmbito nacional, diante disso, a ANF ressalta como a iniciativa de dar voz à favela visa representar todos os que se identificam e apoiam a luta internacional por direitos básicos e pela cidadania. A compreensão dessa dura realidade não pode ser melhor exposta e noticiada, do que por aqueles que se encontram no olho do furacão.
A missão do veículo, é claramente visível nas pautas às quais dá destaque, como: o debate promovido pela OAB da Paraíba sobre Direitos Humanos e intolerância religiosa e uma exposição de arte que retrata vivências da população negra da periferia do Recife. Além da seleção de uma das agentes comunitárias de comunicação da ANF, para um curso que separou profissionais e estudantes de Jornalismo em nível nacional, para discutir a contribuição das produções jornalísticas na ampliação do debate sobre a garantia dos direitos das crianças da primeira infância no cenário político.
A página oficial do site da agência, é repleta de matérias diversas em conteúdo, mas seguindo um mesmo viés: retratar diferentes faces e aspectos da população e da vida nas periferias. Há um intenso destaque das iniciativas artísticas nas favelas, desde grupos de dança, artistas vocais, à artes plásticas. Um exemplo é a divulgação de festivais de artes visuais que evidenciam e premiam a arte periférica.
Pautas raciais também ganham evidência, trazendo iniciativas e perspectivas de quem partilha da realidade. A atenção dada a projetos como o intitulado “Meu crespo é de rainha e de rei”, é um exemplo dessa tendência. Este projeto tem o objetivo de promover a autoestima em crianças negras e acontecerá este ano, em bibliotecas comunitárias e espaços culturais de Salvador, de forma gratuita.
Outro aspecto interessante do modo como a Agência de Notícias das Favelas faz jornalismo, é a maneira pela qual tratam de pautas que estão em alta no momento, mas abordando-as com um viés humanitário e inclusivo. Um exemplo é a matéria feita sobre como o Rock in Rio 2022 recebeu avaliação de excelência em acessibilidade para pessoas com deficiência.
Tal viés jornalístico apresentado até aqui, é muito relevante para a compreensão da dinâmica de uma parte muito complexa da sociedade e, por extensão, do todo social brasileiro, que é diretamente afetado por esta parte indissociável da realidade nacional.
Da comunidade para o mundo
O trabalho da ANF se desenvolve a partir de um site, das mídias sociais, mas também conta com um jornal impresso, intitulado “A Voz da Favela.” Este é o maior impresso das favelas do Brasil, apresentando uma tiragem de 100 mil exemplares mensais.
O jornal circula no estado do Rio de Janeiro e em Salvador, na Bahia e é escrito pelos próprios moradores e ativistas das comunidades de forma colaborativa. Diante disso, é interessante notar, também, que a ANF é a única organização de mídia independente do país a disponibilizar um Manual de Redação e Estilo aos seus colaboradores.
Em um vídeo institucional para a comemoração do aniversário de 18 anos da agência, em janeiro de 2019, a deputada estadual do Rio de Janeiro, Renata Souza, apontou: “a ANF coloca em pauta os debates da favela com a favela sendo protagonista desse processo, e isso tem tudo a ver com o que é falar de dentro, falar de uma realidade muito específica que muitas pessoas ignoram nos meios de comunicação tradicionais.”
Muito além da notícia
Além de expor a realidade das periferias, buscando dar voz a quem geralmente não tem, a organização atua diretamente para o desenvolvimento das comunidades em diversos aspectos, promovendo projetos nas áreas de cultura, cidadania, educação e atendimento de necessidades básicas.
Em 2017, por exemplo, a organização iniciou um curso de pré-vestibular comunitário, com foco nos moradores das periferias, contando com dezenas de professores voluntários. Neste mesmo ano, a agência estabeleceu uma parceria com o Programa de Extensão em Práticas de Comunicação Comunitária da UFRJ, creditando horas de extensão para os jovens estudantes de comunicação que atuam junto às comunidades.
Ainda mais, em 2018, foi promovido um marco para o jornalismo das periferias, quando a TV Globo estabeleceu parceria com comunicadores comunitários para o quadro Comunidade RJ. O objetivo do programa, é divulgar questões e personagens que retratam o universo das periferias, e conta com o apoio da Agência de Notícias das Favelas desde então.
Na empreitada por sustentar a iniciativa de mostrar ao mundo o que há de bom nesse meio, e quanto as periferias podem contribuir para a sociedade brasileira e para a riqueza humanitária do país, a agência foi nacionalmente reconhecida. Recebeu o diploma Heloneida Studart de Cultura, por sua contribuição à cultura no Estado do Rio de Janeiro, e as medalhas Pedro Ernesto e Tiradentes pelos serviços prestados à sociedade. Além dos títulos à ANF atribuídos por sua utilidade pública em âmbito municipal e estadual.
A consciência humanitária com relação à realidade das favelas, é, muitas vezes, subjugada e obscurecida aos olhos do povo devido à má representação das comunidades por quem não se identifica com essa realidade. Diante disso, a Agência de Notícias das Favelas sustenta um espírito inquieto por justiça e por promover o reconhecimento da humanidade que há na favela.