Paulo Gustavo: de humorista a mártir
- 11 de outubro de 2023
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- Theillyson Lima
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Quando a morte vira exemplo
Paulo Gustavo, o filho, o ator, o humorista, o ativista, o pai, o ícone nacional, o exemplo, o mártir. Em 42 anos, Paulo foi capaz de preencher cada item dessa lista. O último, ele concretizou no dia 4 de maio de 2021, em meio ao caos da Covid-19.
A definição de mártir, oferecida pelo dicionário Oxford, explica que é uma pessoa que sofreu torturas, ou mesmo morte, por não renunciar a qualquer outra crença, religiosa ou política. Paulo Gustavo não passou por situações extremas, e nem foi “executado”, como a palavra define especificamente, mas sua morte tornou-se um símbolo.
A pandemia deixou um rastro de calamidade, choro e decepção em todo o mundo. Se houve um momento tão catastrófico quanto esse no passado, ninguém ainda está vivo para relembrar da história.
Enquanto os donos do governo procuravam e adiavam respostas, muitos foram vítimas da catástrofe, e Paulo está incluso nesse meio. Quem deu a ele a finalidade de mártir foi a população exausta que abraçava as mesmas ideias do humorista, que nunca as escondeu.
Do povo
O humorista sempre se conectou com a população. Diferente dos artistas sempre colocados em pedestais, Paulo de alguma forma conseguiu trazer mais intimidade ao relacionamento com os fãs. Ele era de Niterói, vinha de uma família “tipicamente” brasileira (escandalosa), tinha sonhos e amava rir.
Em uma entrevista sobre ao programa Além da Conta ele disse: “Agora, em casa, a gente está mais sensível de ficar sozinho, acaba ficando mais carente em alguns momentos… e televisão é f***, cada hora você vê uma notícia nova. Eu tenho medo de pegar isso, a pessoa não saber o que usar em mim e eu morrer. Então eu tenho medo”.
Essa fala representava o sentimento de milhares e milhares de brasileiros, que ao verem um ídolo nacional expressando o que a voz deles não podia expressar, mais uma vez se sentiram conectados e representados.
Por que Paulo?
Muitos morreram em meio a pandemia, muitos outros artistas inclusive, então por que Paulo se tornou o rosto do movimento? Simples, como o doutor em Relações Internacionais, Thiago Rodrigues, define à Carta Capital, a morte do ator foi, além de pesarosa, política.
Alguns trechos do texto de Rodrigues apresentam embasamento para sua afirmação, como: “Paulo Gustavo foi vítima não apenas de um vírus, mas de uma morbidez nacional”, fazendo referência a demora na tomada de decisões com relação aos processos de saúde e prevenção da Covid.
Paulo era, por natureza, político, ou pelo menos levantava as bandeiras que mais recebiam ódio pelo governo instaurado na época da sua morte.
Rodrigues ainda complementa em seu texto que “o país [Brasil] tornou-se um cemitério onde 3 a cada 4 brasileiros contam com a morte de uma pessoa próxima em decorrência do coronavírus. Paulo Gustavo adoeceu quando as vacinas já estavam disponíveis no mercado, mas não acessíveis à população”.
Como não ser o Paulo?
Solidariedade em meio a perda
Talvez pela identificação nacional com o ator, ou simplesmente para manter os números de audiência, mas a morte de Paulo representa um dos poucos momentos em que a mídia, pelo menos em sua maioria, respeitou o falecido e sua família.
Não foram divulgadas matérias “clickbait” sobre vacilos anteriores do humorista, nem os piores momentos de sua carreira ou rixas que ele tinha com outras pessoas, apenas notas de pesar e explicações sobre o acontecimento. Às vezes a mídia compreende o que cabe ser falado, independente do que ganha mais acessos, mas é raro.
O mercado de notícias é justamente isso, um mercado, por isso é tão difícil ver veículos escolhendo a solidariedade ao invés do que arrecada mais acessos. Paulo é um caso isolado, reflexo de um momento em que tudo e todos precisavam ser redefinidos e adaptados.
“Rir é um ato de resistência”
Um exemplo de que a mídia tem a capacidade de saber a hora e o lugar certo, apenas escolhe ignorar essas afirmações na maioria das vezes, foi o vídeo de Paulo que ganhou repercussão nacional. Nele, o humorista expressava a importância da arte, da cultura, do amor, e citou uma de suas frases mais marcantes: “rir é um ato de resistência”.
O monólogo do ator foi ao ar no fim de 2020, em uma das programações especiais de fim de ano. Mas, nessa época, não acho que tenha ganhado tanta repercussão – eu pelo menos não sabia da existência desse conteúdo – mas a situação foi “apropriada” para o compartilhamento.
Sei o que pode parecer, “a mídia mais uma vez se aproveitou da situação para aumentar seu engajamento”, sim, foi exatamente isso, mas pelo menos a mensagem esplanada não foi uma que deve ser combatida.
“Diga o quanto você ama a quem você ama, mas não fica só na declaração não, gente, ame na prática, na ação! Amar é ação! Amar é arte! Muito amor, gente! Até logo!”, foi assim que Paulo Gustavo encerrou sua trajetória na televisão.
Quem era paulo?
Você pode ter percebido que não citei os personagens icônicos – opinião pessoal – que o ator interpretou ao longo da carreira, como Dona Hermínia, a mãe de todos os brasileiros, e Aníbal, o amigo que muitos gostariam de ter, mas é porque Paulo não precisa disso para ser relembrado.
Sua ascensão na televisão e no cinema foi marcante, mas ele não se baseou nisso para deixar sua marca. Muitos são conhecidos pelos seus personagens e tem seus nomes esquecidos ao longo do tempo, esse nunca será o caso do ator.
Ele recebeu uma rua em Niterói com seu nome, uma estátua sua, ao lado da de Dona Hermínia, uma Lei de Incentivo à Cultura que leva seu nome. Paulo soube fazer barulho enquanto podia. Se aproveitou das oportunidades para tentar de fato fazer a diferença. Sim, esse é um dos usos da mídia, mesmo que tenha se perdido ao longo do tempo.
Se era humorista e se tornou mártir foi porque construiu uma trajetória voltada às pessoas e não aos números.