Os símbolos da “cultura” negra
- 16 de agosto de 2017
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- Thamires Mattos
- Posted in Sessão Cultural
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Algumas pessoas afirmam que a apropriação cultural deveria se chamar genocídio cultural, pois separa uma sociedade da sua arte original, transformando-a em popular, comercial. Mas em um mundo globalizado é possível não existir apropriação cultural?
Carolina Inthurn
Turbante, cornwors, rap, dreadlocks, hip hop, capoeira. Para alguns, estes sãosímbolos de resistência, pra outros só estilo e poder estético. Segundo o dicionário informal, símbolos são o que “designa um elemento representativo que está (realidade visível) em lugar de algo (realidade invisível) que tanto pode ser um objeto como um conceito ou ideia”. Estes elementos – bem como a apropriação dos mesmos – é um dos temas mais debatidos da mídia nos últimos tempos. A grande questão é se uma determinada cultura pode “tomar para si” um símbolo sem levar em consideração seu histórico.
“De abadá,
De colar,
Vai de Ghandi,
Turbante elegante,
Brasil tropical”
Música Real Fantasia, Ivete Sangalo
O turbante é um ornamento de pano, em forma de tira, que pode medir até 45m enrolado sobre a cabeça. A historiadora e jornalista Márcia Pinna Raspanti fez uma pesquisa publicada em seu site História Hoje e afirma que não se pode saber exatamente a origem do adereço. Ele pode ter surgido no Oriente ou na África. Para compreender melhor o uso desse ornamento cultural é necessário dividir a história em duas partes.
A primeira parte diz respeito ao Oriente Médio, onde o turbante era usado em sua maioria por homens. Nessa cultura, o adereço tinha um significado de extrema importância para a fé e religião daquela sociedade. Um homem sem o turbante estaria deixando os pensamentos vulneráveis à descrença e maldade. O artefato era, portanto, usado como sustentação da fé moral. Já na Índia, o turbante é usado para proteger a cabeça do clima quente do deserto. Era também através do turbante que os indianos se classificavam, pois só uma rápida olhada no tipo de adereço já era o suficiente para dizer qual sua religião, status e casta. Grande parte dessas práticas religiosas do Oriente permanecem até hoje.
A segunda parte da história envolvendo o turbante começa lá na África e é trazida até o Brasil. Os turbantes (Ojá ou torço)eram – e são – utilizados por homens e mulheres africanos e possuem funções sociais e religiosas. Proteger do sol ou cobrir o Orí (moleira), ponto central do couro cabeludo onde as religiões acreditam entrar tudo de bom e de ruim que atinge você.
O turbante começou a ser usado no Brasil com a vinda dos escravos africanos. As mucamas usavam o ornamento não por “moda”, até porque elas não possuíam direitos legais devido às restrições econômicas que limitavam suas escolhas. Além disso, assim como na própria África, aqui no Brasil o adereço também ganhou função religiosa, sendo utilizado no candomblé, umbanda e xangô, variando o número de abas devido aos Orixás (deuses africanos que correspondem a pontos de força da Natureza). Para essas religiões, o turbante serve de proteção para os filhos de santo, em especial as mulheres.
E quando ele virou moda?
Estima-se que no século 18, as mulheres francesas começaram a aderir o uso do turbante como item de moda. O adereço era produzido com grande quantidade de tecidos leves, o que fez com que fizesse sucesso até meados do século 19. Entretanto, esse não era o fim do uso do turbante como moda. Por volta de 1920 o costureiro francês Paul Poiret trouxe novamente o adereço para o mundo fashion. Foi depois de 1930 que se popularizou o uso dos turbantes, pois com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, muitas mulheres usavam o adereço para esconder os cabelos mal cuidados. Famosas do mundo inteiro começaram a usar o turbante como enfeite, assim como a cantora e atriz Carmem Miranda que aderiu o acessório na sua fantasia. Foi nos anos 60 que o artefato ressurgiu como símbolo da cultura negra, durante os movimentos que lutavam pelos direitos civis.
“Oiáiáiáía.
Foge o nêgosinhá!”
Música Paranauê, Abadá Capoeira
Outro símbolo considerado proveniente da cultura negra é a capoeira. A luta tem origem Africana e foi trazida ao Brasil pelos escravos da etnia bando. Por sua origem, foi proibida até meados do século 40. A capoeira era uma forma de luta e resistência desses escravos que para continuar praticando-a, passaram a adaptar os movimentos da Capoeira às músicas Africanas. Assim, fazendo com que a capoeira parecesse uma dança, ela foi se transformando no que conhecemos hoje.
Em 1988, quando a escravidão foi finalmente abolida no Brasil, muitos negros não tinham como sobreviver e acabaram marginalizados. A capoeira foi proibida até 1930, quando tomou um novo rumo e estilo, adquirindo um novo status na sociedade através do Mestre Bimba (Manuel dos Reis Machado). Nesse mesmo ano, o próprio presidente Getúlio Vargas chamou um grupo de capoeira para se apresentar no Palácio do Catete. Depois disso a capoeira foi então autorizada e até estimulada.
“É preciso ser forte.
Garota não corte seus dreadlocks”
Música Garota Dreadlock, Tribo de Jah
Entre tantos símbolos, vale destacar também os dreadlocks, pois são ligados diretamente a luta do negro em busca da afirmação de sua cultura. O site Arte Dreads afirma que os “dreadlocks foram descobertas em múmias no Peru, mais ou menos entre 200 e 800 D.C., e sacerdotes astecas dos séculos 14 e 15 tradicionalmente usavam seus cabelos em tranças”.
Os cabelos crescidos em mechas cilíndricas e densas são usados na África e na Índia desde a antiguidade Bíblica e pré-Bíblica. Apesar da origem não evidenciar o surgimento dos dreads na Jamaica, foi através dos Rastafáris jamaicanos que o estilo ficou mundialmente conhecido. Ainda segundo o site Arte Dreads, “o estilo de cabelo foi inserido no país logo depois da extinção da escravatura. Os ex-escravos adotaram o estilo como desafio e afirmação cultural diante da sociedade jamaicana de origem européia”. O estilo era denominado de “NattyDreadlock”.
A sua ligação com os Rastafáris começa em 1930, quando o Movimento Rastafári teve início como uma seita que acreditava que Haile Selassie I, imperador da Etiópia, era o tão esperado Messias. Durante muito tempo os rastafáris foram perseguidos e presos na Jamaica, até que Bob Marley popularizou a religião e os dreadlocks e eles foram finalmente aceitos.
Estratégias de mercado x valorização da cultura negra
Ao mesmo tempo em que utilizar elementos de uma determinada cultura sem saber seu valor é algo circunstancialmente perigoso, é correto afirmar que há uma sociedade “dona” de certos símbolos culturais? Como vemos na história, ao longo de anos variados símbolos foram migrando de cultura, criando novos significados e valores.
A cultura é a marca de um povo e é por isso que os negros sentem a necessidade de reafirmar o protagonismo da mesma. Algumas pessoas afirmam que a apropriação cultural deveria se chamar genocídio cultural, pois separa uma sociedade da sua arte de origem, transformando-a em popular, branca, palatável e bem vista na indústria.
Hoje a indústria da moda usa os símbolos negros desprovidos do contexto e mercadoria do capitalismo. Mas a grande pergunta que fica no ar é a seguinte: em um mundo globalizado é possível não existir apropriação cultural?